As leis brasileiras impedem que o Brasil seja um país preparado para avançar nos estudos que buscam substituir o uso de animais pelos métodos alternativos, principalmente os que utilizam células humanas feitas em laboratório, já comumente utilizadas em alguns países e considerado, inclusive, de vanguarda.
Isso foi uma das constatações do Primeiro Simpósio de Engenharia Tecidual que ocorreu no Rio de Janeiro, nesta segunda-feira (15). O evento teve a participação de integrantes do Governo Federal, do ramo industrial e do acadêmico. A conclusão que se obteve foi de que ainda não existe capital e segurança jurídica suficiente para implementar as medidas de avanço no país.
Um dos principais empecilhos advém das leis brasileiras, como na Constituição Federal, no artigo 199, parágrafo 4º que afirma que é vedado todo tipo de comercialização de órgãos, tecidos e substâncias humanas para finalidades de transplante, pesquisa e tratamento.
Porém, quando a indústria começou a pressionar, o cenário mudou e até a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) começou a buscar agir como outras agências reguladoras do mundo.
Já em outros países já é comum que produtos feitos à base de células modificadas sejam comercializados.
A gerente da área de Sangue, Outros Tecidos, Células e Órgãos da Anvisa , Renata Parca, disse em entrevista à Folha de S. Paulo que os fatores estão mudando para os produtos com finalidade terapêutica. E isso deve ser estipulado em um novo regulamento que será criado até 2018.
A questão é que esta medida não irá valer para os métodos alternativos, pois a tecnologia inovadora de células modificadas e geração de tecidos não é considerada exclusivamente “terapêutica”.
Atualmente, existem mais de 20 métodos alternativos que são aprovados no Brasil, mas poucos são utilizados na prática.
Octavo Presgrave, coordenador do Centro Brasileiro para Validação de Métodos Alternativos (BrasCVAM), disse à Folha que falta vontade política de órgãos como o Ministério da Saúde, Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações e a Anvisa para criar segurança jurídica às práticas. Mas isso não acontece, pois essas entidades seriam afetadas diretamente pela mudança de paradigma da utilização de animais na prática cruel de testes em laboratório.
Vantagens
De acordo com a pesquisadora e defensora dos direitos animais Norma Labarthe, os incentivos para que pesquisadores e indústrias usarem métodos alternativos não incluem somente o fim da exploração e sofrimento dos animais, mas também o fato de que quem estuda tópicos novos no mercado, geralmente recebe maior financiamento. E os benefícios valem também para as empresas que passam a gerar maior valor a seus públicos que a veem como uma corporação mais sustentável.
O simpósio foi patrocinado pela empresa francesa L’Oréal, que afirma que não testa seus produtos em animais, e vem, ao longo do tempo, criando uma novo modelo de pele sintética. A ideia é estimular também a ação de outras empresas, mas a legislação do Brasil ainda é uma barreira para o desenvolvimento científico.
A L’Óréal está ajudando na pesquisa de Stevens Rehen, do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, do Rio, para a criação de uma nova versão da pele. Além disso, o pesquisador Rehen também estuda na área de organoides cerebrais, mostrando que essas estruturas podem ajudar a testar novos medicamentos para a cura de doenças neurológicas ao invés de testes em camundongos.