Professor adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR), docente do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Direito da UFPR, Doutor e Mestre em Direito Processual Civil pela UFPR, Pós-Doutor em Direito Animal pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Coordenador do Programa de Direito Animal da UFPR, Pesquisador Líder do Zoopolis – Núcleo de Pesquisas em Direito Animal do PPGD da UFPR e Juiz Federal
em Curitiba (PR), o Dr. Vicente de Paula Ataíde Junior tem um extenso histórico não só no meio jurídico, mas também na luta em prol dos animais.
Referência acadêmica no Brasil na área do Direito Animal, recentemente o Dr. Vicente de Paula publicou o estudo “O Decreto nº 24.645/1934 e a Capacidade de Ser Parte dos Animais no Processo Civil” para abordar a possibilidade de animais serem autores de ações judiciais.
Com o crescimento acelerado da luta em prol dos direitos animais, vem aumentando também o número de processos na Justiça que têm em seu polo ativo cachorros ou gatos. É o caso de Chaplin, citado pelo juiz federal em seu estudo. O cachorro, representado por seus tutores, pleiteia desde agosto de 2020 impedir constrangimento ilegal que vem sofrendo no condomínio onde vive, para poder ter livre acesso pela entrada principal e pelas demais dependências. A ação foi protocolada na 5ª Vara Cível de João Pessoa (PB).
No artigo, o Dr. Vicente de Paula enumera 11 ações judiciais nas quais animais figuram como autores. Segundo ele, “em algumas dessas ações, a presença dos animais como autores foi prontamente rechaçada pelos juízes estaduais de primeiro grau. Noutras, o processo teve seguimento, com a citação do réu e, até mesmo, audiência de conciliação”. O professor lembrou ainda que não houve “nenhuma sentença definitiva até o momento” e que “apenas três dessas ações têm recursos pendentes em Tribunais de Justiça”.
O Dr. Vicente de Paula é uma referência acadêmica no Brasil na área do Direito Animal (Foto: Reprodução)
Diante dessa nova realidade para o Poder Judiciário, o juiz federal deu a sua contribuição para o fomento das discussões acerca do tema através de seu estudo, que inicia com uma revisão dos conceitos fundamentais do processo civil sobre a capacidade de animais serem autores de ações judiciais. No artigo, o Dr. Vicente de Paula explica ainda que os animais detêm capacidade inafastável de ser parte nos processos por possuírem direitos próprios e positivados no Brasil e por serem respaldados pela garantia constitucional do acesso à Justiça.
O art. 2º, § 3º, do Decreto nº 24.645/1934, que dá nome ao estudo, também é abordado no artigo por ser, segundo o professor, “a base normativa que estabelece, no Brasil, os responsáveis para suprir a incapacidade processual dos animais”. Ao final do estudo, o Dr. Vicente de Paula demonstra as vantagens pragmáticas “de se atribuir capacidade de ser parte aos animais, em especial a judicialização do Direito Animal”.
Para expor as motivações do juiz por trás do estudo, a Agência de Notícias de Direitos Animais (ANDA) publica abaixo uma entrevista exclusiva com o Dr. Vicente de Paula Ataíde Junior. Confira.
ANDA: O que te levou a realizar o estudo?
Vicente de Paula Ataíde Junior: O ano de 2020 foi o ano da primeira onda da judicialização estrita do Direito Animal no Brasil, com várias ações nas quais animais se apresentaram como autores de demandas judiciais, representados por humanos ou por entidades. A questão principal discutida nessas ações foi a capacidade de ser parte dos animais, ou seja, podem os animais serem autores de ações judiciais?
ANDA: No texto do estudo, você afirma que o Direito Animal está cada vez mais presente nas universidades. Há, de fato, instituições que já oferecem cursos sobre o tema e muitos advogados que atuam nessa seara. De que forma você avalia esse crescimento? O que contribuiu para que as universidades começassem a despertar para esse assunto?
Vicente de Paula Ataíde Junior: Essas faculdades de direito que contemplam o Direito Animal no seu currículo o fazem, quase sempre, porque têm professores que, de alguma forma, já conhecem o tema e escrevem sobre ele. Por isso é importante que os professores de Direito Animal cobrem que suas instituições de ensino abram espaço para a nova disciplina. Não apenas como cursos esporádicos, mas como disciplinas integradas ao currículo pleno, ainda que como optativas. Além disso, é sempre importante afirmar que o Direito Animal é disciplina autônoma em relação ao Direito Ambiental.
ANDA: No estudo, você afirma que “os animais não são coisas, nem máquinas sem alma: são seres vivos dotados de consciência e de senciência”. Você acredita ser possível que todos os animais – incluindo os silvestres, explorados para lucro de maneira legal e ilegal, os que sofrem em experimentos laboratoriais e aqueles explorados para consumo humano – sejam contemplados no futuro pela concepção que você apresenta no estudo?
Vicente de Paula Ataíde Junior: Sim, acho que é um processo civilizatório inevitável. A velocidade da implementação dessa nova realidade depende de inúmeros fatores – a tecnologia de substituição da proteína animal, por exemplo. O Direito Animal tem muito para contribuir para esse processo, na medida que o processo judicial é um instrumento de inclusão moral.
ANDA: Condomínios, empresas e órgãos públicos podem ser parte de uma ação, mas animais não têm essa autorização. Qual sua opinião sobre isso?
Vicente de Paula Ataíde Junior: Essa é uma incongruência que deve ser superada em breve. Por isso escrevi esse e outros artigos a respeito.
ANDA: Qual é a razão, na sua opinião, para que seres humanos considerados incapazes – como as crianças e os adolescentes, o nascituro, os humanos incapazes de exprimir sua vontade – possam ser parte de uma ação e os animais não?
Vicente de Paula Ataíde Junior: Especismo! Negar capacidade de ser parte aos animais é especismo, uma vez que o Direito Animal brasileiro reconhece que os animais são sujeitos de direitos.
ANDA: A permissão para que animais façam parte das ações poderia provocar uma conscientização da sociedade, a médio e longo prazo, acerca dos direitos animais?
Vicente de Paula Ataíde Junior: Exatamente: o processo é instrumento de inclusão moral.
ANDA: No estudo, você aborda a “judicialização terciária ou judicialização estrita do Direito Animal, por meio da qual os animais defendem seus direitos em juízo, assistidos na forma do art. 2º, § 3º, do Decreto nº 24.645/1934”, e enumera ações judiciais nas quais os animais figuram no polo ativo. De que forma você vê a atuação dos magistrados que deram prosseguimento às ações, sem exigir a retirada dos animais do polo ativo da ação? Como a postura desses juízes pode influenciar outros membros da comunidade jurídica a olhar para os animais como parte dos processos?
Vicente de Paula Ataíde Junior: Essa é a posição judicial mais prudente: antes de decidir um tema tão novo e polêmico, melhor é instaurar o contraditório e ampliar o debate, podendo-se estudar melhor e aprofundar a reflexão. O TJPR fez isso também, para não julgar esses casos de forma açodada. Aguardamos uma decisão mais serena e refletida.
Para ter acesso ao estudo na íntegra, clique aqui.