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Isso é humano!

26 de maio de 2018
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A greve dos caminhoneiros e o estrangulamento no sistema de abastecimento, para além das possíveis análises da política e economia, revelou algumas situações curiosas. Pelo menos três me chamaram a atenção.
A primeira foi de uma reportagem sobre os estoques dos supermercados. Uma mulher aguardava o momento de passar sua compra no caixa. Seu carrinho estava transbordando de itens, inclusive 40 quilos de arroz, como ela mesma disse ao repórter. Esse questionou: mas você levando tantas coisas de uma vez não irá faltar para os outros?
A falta de graça foi visível e, depois de algumas tentativas de justificar o “saque” às prateleiras, pensativa respondeu: mas isso é humano!

Foto: Maria Tereza Correia

Esta cena de “deixa eu defender o meu” aconteceu também nos postos de combustível, sacolões e farmácias, sempre em nome do “humano” que somos. Ficou em evidência o quanto essa expressão está relacionada a uma conduta negativa que não aprovamos. No reino animal luta-se pela própria sobrevivência até as últimas consequências, contudo, leões, coelhos e girafas, não estocam suas caças ou frutas em freezer ou prateleiras. Cada dia buscam e, quase sempre, lutam pelo seu alimento. Quando saciados, não se preocupam com a próxima fome.
Essa foi a pedagogia utilizada com os Israelitas em sua caminhada de 40 anos pelo deserto. A história bíblica narrada no livro de Êxodo conta que o povo foi alimentado pelo maná, uma coisa miúda e redonda que cobria a terra assim que o orvalho se levantava. Era a porção exata para um dia. Os mais espertinhos que tentaram estocar eram surpreendidos, no dia seguinte, com o maná apodrecido. Sabemos que não é mais assim. Nós, animais humanos, desenvolvemos habilidades cognitivas e inventamos técnicas que nos permitem projetar o futuro, otimizar, economizar e precaver. Entretanto, nos períodos de ameaça, como o que vivemos neste mês de maio, entra em ação nossa irracionalidade e nossos instintos mais primários.
Uma segunda cena chamou atenção. Anunciaram que seria permitido passar pelo bloqueio somente ambulâncias, os caminhões com medicamentos e “carga viva”. Pensei… carga viva só se for provisória, já que está a caminho do abatedouro mais próximo.
Permitir passar para os mais desavisados acalma a alma. Entretanto, a “carga” precisa passar porque está viva, ou seja, é algo que respira, tem sede e fome, defeca, cansa, tem sono e pode morrer. Ops! Essas ações ou sentimentos não são típicas de “carga”, mas me parecem ser de seres vivos que sentem algo. Como humanos, conseguimos compreender isso. Essa “carga”, nome que demos para um boi, porco ou galinha, é tão essencial quanto os medicamentos dos hospitais. Essencial não por ela ser o que é, mas por aquilo que afeta aos nossos interesses. Importância, portanto, secundária.
Também chamou atenção o precioso líquido branco sendo derramado no asfalto. O sistema tão eficiente que programa milhares de vacas para produzirem leite para extração (sic), entrou em pane; os produtores, em pânico e os consumidores, em profundo lamento. Estava ali, sendo desperdiçado um alimento que a natureza compôs com perfeição e, na medida, para a vaca e seu filhote, o bezerro. Não é essa realidade que nos indignou, mas a falta que aquele líquido poderia nos fazer no café da manhã, nos lanches, nos queijos, em tudo aquilo que consumimos da hora que acordamos até dormir, enfim, em nossas vidas! Inventamos mais essa necessidade para o nosso prazer às custas do outro. Se a expressão ser humano indica um modo de pensar e agir superior aos animais, desconfio que alguma coisa não está batendo bem.

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