Um pescador introduz um arpão atado a uma corda no dorso de um golfinho nariz de garrafa que nadava perto do barco.
O animal luta pela vida, mas outro pescador o golpeia com um pedaço de pau, enquanto o primeiro puxa a corda e o traz para o barco, onde o peixe é cortado com uma faca.
Essas cenas cruéis foram reveladas ao mundo em outubro em um vídeo produzido pela ONG conservacionista Mundo Azul.
A Mundo Azul denuncia a matança de golfinhos por parte de pescadores artesanais do Peru, que usam pedaços do animal como isca para capturar tubarões. A pesca e o consumo de golfinho são ilegais no país desde 1996.
“Passei 22 dias [de 13 de setembro a 4 de outubro] infiltrado na atividade pesqueira com três pescadores em um bote. Gravamos tudo com duas câmeras”, conta Stefan Austermühle, diretor da Mundo Azul, explicando como gravou secretamente as imagens em águas próximas ao porto de Paita, no departamento de Piura, ao longo da costa norte do país.
A divulgação do vídeo foi o auge de uma investigação que durou meses, com visitas a diferentes portos ao longo da costa peruana, afirma Austermühle, biólogo alemão baseado no Peru.
“Dissemos a eles que éramos uma equipe de filmagem estrangeira e estávamos fazendo um filme sobre a aventura da pesca de tubarão”, afirma.
Com base na investigação, Austermühle alertou as autoridades sobre os pescadores artesanais de tubarão, que usam a tecnologia de espinhel em águas peruanas e matam anualmente entre 5.000 e 15.000 golfinhos, que depois são usados como iscas.
A pesca com espinhel envolve o uso de uma linha que pode ter vários metros de comprimento, com anzóis dotados de isca para atrair peixes.
“O que descobrimos com a investigação é só uma parte. O número não importa, pois ainda é um massacre e um crime ecológico”, afirma Austermühle. “No barco em que me infiltrei, vi cinco golfinhos serem mortos em apenas um dia.”
Reações e polêmica
As autoridades peruanas responderam imediatamente à divulgação do vídeo.
O Ministério da Produção, por meio do Departamento de Pesca, condenou a pesca ilegal de golfinhos e tubarões e anunciou que a situação será avaliada pelo Instituto do Mar do Peru (IMARPE), que conduz pesquisas científicas sobre fauna marinha.
“Tem havido generalizações sobre o impacto desse tipo de ação, então presume-se que todos que exercem essa atividade fazem o mesmo, o que não é o caso”, esclarece o vice-ministro da Pesca, Paul Phumpiu. “[Os responsáveis são apenas alguns] maus elementos.”
O Peru tem mais de 50.000 pescadores artesanais, que operam nas 200 milhas náuticas do país, de acordo com a Frente de Defesa da Pesca, mas apenas 2.000 se dedicam à pesca do tubarão.
“Não se pode generalizar (…), estão projetando uma imagem terrível do Peru”, diz Roberto Vieira, presidente da Frente de Defesa da Pesca.
Medidas e impacto ambiental
A avaliação científica que está sendo conduzida pelo IMARPE pode levar a uma proibição temporária da pesca do tubarão, além de sua comercialização, como forma de evitar a matança de golfinhos para uso como isca.
O estudo consistirá de uma análise da situação atual das duas espécies, assim como das práticas pesqueiras condenadas e do potencial impacto ecológico que ocasionariam.
“A proibição deve ser sustentada por dados técnicos e científicos”, afirma Phumpiu, referindo-se às medidas, que foram solicitadas pela Mundo Azul.
Desde 2012, o Programa de Inspetores a Bordo mobilizou 250 técnicos para monitorarem – usando tecnologia de satélite – a extração de pelo menos 30 espécies marinhas em águas peruanas, incluindo os tubarões. Mas ainda não há informações oficiais sobre os resultados desse trabalho, diz o Ministério da Produção.
“Não é possível determinar [o impacto ambiental causado pela morte de golfinhos e tubarões] sem uma investigação profunda do tema”, ressalta Santiago de la Puente, biólogo e consultor do Centro de Sustentabilidade Ambiental da Universidade Peruana Cayetano Heredia.
Depois da denúncia da Mundo Azul, o Ministério do Meio Ambiente criou um grupo de trabalho especialmente para investigar o tema. A equipe é composta por profissionais de cinco ministérios e de sete outras instituições governamentais.
Para De la Puente, o maior problema é a pesca do tubarão. Como se trata de um predador marinho, sua caça indiscriminada pode causar “desequilíbrios ecológicos”, acrescenta.
“A Mundo Azul denunciou a captura de golfinhos para serem usados como iscas, que vemos em vídeo pela primeira vez”, diz De la Puente. “Não importa se acontece uma ou 15.000 vezes, é um crime ambiental. Essa é a contribuição do vídeo: mostrar algo de que ouvimos falar em todo o país há anos.”
Fonte: Inforsur Hoy