A luta em defesa dos povos originários é o centro de estudo, trabalho e força de Maria Yakuy Tupinambá, líder ativista e anciã da comunidade dos Tupinambá de Olivença, em Ilhéus, na Bahia. Nascida em 1960, ela é um símbolo de resistência e uma das principais pensadoras dos direitos indígenas do país desde que começou a atuar na causa, em 2003.
Yakuy é bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), é técnica em economia doméstica e é educadora. Em 2010, foi docente no Curso de Extensão em Filosofia Indígena, Escutar o Outro, na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Além disso, é autora de diversos textos que integram importantes coletâneas que expressam a importância do pensamento indígena, como Índios na Visão dos Índios.
A ativista também é escritora, comunicadora e idealizadora do projeto Útero Amotara Zabelê, que tem como objetivo acolher mulheres e famílias em estado de vulnerabilidade socioeconômica além de promover escambos e cultivos de alimentos. Coletivismo para além da teoria. Uma inspiração para o Brasil. Para o mundo.
Nesta entrevista exclusiva à ANDA, Yakuy, sempre muito didática, aborda o binômio natureza e ser humano e fala sobre a importância e força que a ancestralidade tem na construção de um planeta mais ético, justo e pacífico para todos, animais, pessoas e meio ambiente. Confira:
ANDA – Como avalia a organização da resistência indígena no país atualmente?
YT – Com o advento da internet, o acesso dos indígenas às universidades, o ingresso no sistema político partidário, e outros, tem contribuído sistematicamente para a possibilidade de ganharmos mais força através da união dos povos na luta pela garantia dos direitos originários. Mas, em relação às políticas de Estado, o atual governo retrocedeu. A impressão é que retornou o período inicial da invasão, onde a guerra era direta. Há um genocídio em curso, infelizmente!
ANDA – Por que, apesar de ter direitos intrínsecos, os povos originários ainda precisam lutar por reconhecimento?
YT – Ainda persiste o mesmo interesse daqueles que iniciaram o processo de usurpação e exploração de todo território. A política de negação em relação à nossa existência continua até hoje, mudaram as estratégias apenas, mas tão perigosas quanto, ou até mais. O objeto em disputa continua, e para os oponentes o apagamento das culturas originárias seria o maior trunfo para sustentar a apropriação “in”devida de todo território.
ANDA – Como o governo pode sanar ou minimizar a perseguição contra os indígenas?
YT – Reconhecendo nosso Direito Congênito ou Originário, demarcando todos os territórios indígenas, fazendo cumprir a determinação da Constituição Federal de 1988, garantindo o Direito à Vida de todos os Povos, restituindo nossa autonomia. O Estado Brasileiro precisa assumir que é um impostor, e por fim, garantir e respeitar nossos direitos.
ANDA – Como as futuras gerações podem colaborar para um país mais igualitário para todos?
YT – Somente haverá um país igualitário, quando houver uma educação contra colonizadora ou decolonizadora para todos. Grande parte dos brasileiros ainda possui mentalidade colonialista (dominação e exploração), faltam-lhes pertencimento por parte daqueles que aqui nasceram para defender esse território como fazemos. É preciso reconhecer e respeitar a diversidade existente.
ANDA – Você idealizou e realizou a Escola Zabelê, qual o diferencial dela em relação às outras e qual os seus objetivos?
YT – A proposta surgiu a partir da escuta, que nos trouxe uma percepção de mundo e nos mostrou a necessidade de estruturar um espaço capaz de reunir pessoas pertencentes às mais variadas culturas e tradições existentes no Planeta, a fim de: trocar saberes, reconectar com a Mãe Terra, e decolonizar. Uma aprendizagem viva, e multidisciplinar. Ousamos inclusive dizer que nossa análise feita a partir da educação tradicional regida pelo MEC, diagnosticamos pontos críticos que impedem o equilíbrio nas relações com o Todo. Fator preponderante para trazermos ao mundo a Primeira Escola Filosófica dos Povos Originários – Útero Amotara Zabelê. Estamos em fase de implementação e estruturação do espaço – captação de recurso financeiro.
ANDA – Qual a relação entre os povos originários e a defesa do planeta?
YT – Indubitavelmente está relacionado ao modo de vida (cultura e tradição). Desde a primeira infância somos conduzidos a entender que fazemos parte do Todo. Assim sendo, nos conscientizamos que tudo está relacionado e interagindo com a nossa existência. Obviamente, nossa compreensão é defender todas as formas de vida permitindo assim o equilíbrio que necessitamos para perpetuarmos.
ANDA – Qual a importância da educação no processo de reconhecimento dos direitos dos povos originários?
YT – Uma vez sendo uma educação libertadora, comprometida e pautada com os verdadeiros fatos históricos será capaz de promover uma conscientização necessária que de fato promova a garantia e o respeito aos nossos direitos. Ainda hoje, os historiadores insistem em nos colocar no passado, e afirmam que o Brasil foi descoberto, assim, ainda hoje, em pleno séc. XXI, está escrito nos manuais didáticos de história brasileira, infelizmente.
ANDA – Qual a conexão da luta do movimento indígena e os direitos animais?
YT – Preservação e manutenção da vida. Enfim, o direito à vida!
ANDA – O candidato à presidência, Lula, se eleito, prometeu a criação do Ministério dos Povos Originários. Como você recebeu essa notícia?
YT – Em 2005, estive juntamente com a Cacique do meu Povo Tupinambá de Olivença – Maria Valdelice, na primeira CONAPIR (Conferência Nacional da Promoção da Igualdade Racial), em Brasília. Nós indígenas propusemos a criação do Ministério, que foi barrado por grande parte dos representantes do povo preto que estavam presentes. Foi um momento triste nas nossas histórias de lutas, ali percebemos o que significa proporção, e que se mede por números de cabeças, não se leva em consideração a verdadeira história, nem o maior genocidio, ainda em curso.
Quando ouvi essa promessa, confesso que recebi com uma certa desconfiança. Vimos o sucateamento da FUNAI, que contribuiu e facilitou para a condição que se encontra hoje. O que precisa ser feito é cumprir a determinação dos artigos 231, e 232 da CF 1988, demarcar e desintrusar todos os territórios, implementar políticas públicas que restituam nossa autonomia sequestrada pela colonização. Por fim, de uma vez nessa guerra instalada há 522 anos. E caso seja criado que não seja mais um cabide de emprego.
ANDA – Para inspirar os leitores: como cada um de nós pode fazer a diferença na luta pela defesa dos povos originários e da natureza?
YT – Descruzando os braços, e ir à luta pelo direito à vida. Apoiando e lutando conosco em defesa do meio ambiente, cobrando dos seus representantes políticos que cumpram seus deveres, reconhecendo que a unidade nacional se dará quando houver respeito à diversidade, e entendê-la como complemento, e não divisão.
ANDA – Para finalizar, qual a importância do trabalho da ANDA na sua opinião?
YT – Primeiro parabenizá-los pela coragem, e por não fazerem parte daqueles que só sabem delegar ou se omitir das responsabilidades. Proteger todas as formas de vida é dever de todos! A Terra é um organismo vivo, quando se extingue um componente causa desequilíbrio, todas as formas de vida tem funções importantes. Proteger as outras espécies é a garantia inclusive da perpetuação da espécie humana. A ANDA é um exemplo a ser seguido!
Conheça mais: