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Fundamentação ética dos direitos animais

11 de fevereiro de 2009
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1. Argumentos éticos em defesa dos animais nos séculos XVIII e XIX: Primatt, Bentham e Salt
Humphry Primatt doutorou-se em Teologia, após sua graduação em Artes, na metade do século XVIII, em Londres. Da tradição greco-romana certamente pôde ler para sua tese de doutorado os textos de Sêneca, Ovídio, Plutarco e Porfírio, filósofos dos quatro primeiros séculos da nossa era, defensores dos animais.
O reconhecimento da capacidade de sentir dor e de sofrer, da inteligência, da linguagem e do raciocínio nos animais, algo que os estudos contemporâneos parecem já não temer investigar, é um dos legados da filosofia daqueles primeiros pensadores humanistas, que distinguiram os humanos dos outros animais apenas para atribuir aos primeiros a responsabilidade pela preservação do bem próprio à vida de seres vivos vulneráveis aos interesses humanos.
As teses de Plutarco e Porfírio defendendo a capacidade racional nos animais, e as de Ovídio e Sêneca defendendo sua sensibilidade, foram silenciadas na história da filosofia ocidental até desabrocharem no texto de Humphry Primatt, A Dissertation on the Duty of Mercy and the Sinn of Cruelty Against Brute Animals, publicado em Londres em 1776, no mesmo ano da proclamação da igualdade, liberdade e direito de buscar a felicidade a seu próprio modo, feita pelos norte-americanos. Primatt defende muitas teses em seu texto, das quais destaco três, com o propósito de fazer a reflexão sobre a fundamentação ética da defesa de direitos animais, a saber:
1ª] A ética tradicional traça a linha divisória para definir a comunidade moral com base em critérios que levam em conta a configuração biológica dos seres, não os interesses comuns a eles. A racionalidade foi escolhida como parâmetro para definir quem é digno de respeito moral, e esta escolha não foi nada ingênua, foi uma escolha em favor próprio, o que fere a exigência de imparcialidade na definição de um princípio moral.
2ª] A igualdade moral não pode ser alcançada enquanto interesses semelhantes continuam a ser discriminados por causa da diferença na configuração física entre animais de diferentes espécies. Mesmo dentro de uma única espécie cada indivíduo tem interesses, necessidades e carências em graus distintos, e isto o torna singular. Além disso, os mesmos interesses, carências e necessidades se constituem com os mesmos fins em todos os animais.
3ª] A distinção e superioridade que a razão e o conhecimento conferem aos humanos desaparece assim que essas habilidades são usadas para ofender, maltratar, torturar e desprezar aqueles que não as possuem. Quanto maior o grau de inteligência e a rapidez no raciocínio, maior a responsabilidade pelos desdobramentos das próprias ações sobre a vida, o bem-estar e a felicidade alheia. Quanto maior o conhecimento, maior o dever de moralidade, argumenta Primatt, dirigindo-se aos líderes religiosos, políticos e professores.
O texto de Primatt foi lido por Jeremy Bentham, que copia algumas passagens e as sistematiza numa nota de rodapé de seu livro, Uma introdução aos princípios morais e da legislação. Nesta nota, Bentham introduz a exigência de redefinição da comunidade moral, para incluir nela todos os animais dotados da capacidade de sentir dor e de sofrer. Interesses semelhantes, argumentara Primatt, devem ser tratados de modo semelhante, sendo irrelevante a diferença de espécie entre os indivíduos sujeitos desses interesses.
Se os filósofos não fizerem a inclusão de todos os seres sencientes no âmbito da comunidade moral, escreve Bentham, jamais conseguirão refinar-se moralmente, pois, embora os princípios da igualdade, da liberdade e da fraternidade só possam ser concebidos e seguidos por quem é capaz de fazer um raciocínio abstrato, a moralidade que fundamentam não visa atender apenas aos interesses egoístas de sujeitos racionais. O ano da publicação do texto de Bentham foi 1789, o mesmo da revolução francesa.
Nos dois casos, de Primatt e de Bentham, o princípio da igualdade norteia o argumento ético em defesa dos animais. Primatt não se refere a direitos animais, mas lamenta não haver uma lei sequer a qual pudesse recorrer para impedir a crueldade contra os animais. Essa era a condição dos animais usados para tração, na Inglaterra de 1776. As leis cobradas por Primatt vieram, quatro décadas mais tarde, graças ao texto dele, que inspirou a fundação da Sociedade Real Britânica de Proteção dos Animais contra a Crueldade (RSPCA), em 1824, a primeira sociedade de proteção aos animais, fundada na Europa.
Bentham, ao contrário de Primatt, não defende leis reconhecendo direitos animais, pois considera a defesa de direitos para não-pessoas, em seus próprios termos, ” nonsense upon stilts” [o não-senso em pernas-de-pau]. Para entender a limitação do filósofo, é bom lembrar que a maioria absoluta dos humanos, à época de Bentham, não era considerada sujeito de quaisquer direitos: escravos, mulheres, crianças, deficientes… Estender o âmbito dos direitos até abarcar os animais soava tão absurdo quanto estendê-lo às mulheres. Este foi exatamente o título do panfleto escrito por Thomas Taylor, The Vindication of the Rights of Brutes, em 1793, ironizando a feminista londrina Mary Wollstonecraft, que publicara, The Vindication of the Rights of Women, em 1792, com a pergunta: Já que as mulheres exigiam ter direitos iguais aos dos homens, por que não se aproveitava a oportunidade e não se estendia direitos iguais também para as bestas? [Bestas é um conceito usado para indicar os animais usados para tração, isto é, para fazer o trabalho bruto que os homens não acham nada agradável fazer].
Animais, mulheres e escravos sempre foram, ao longo da história humana, dotados de sensibilidade e consciência, sentiram dor, sofreram, buscaram seu próprio bem a seu próprio modo, sempre que foram deixados em paz para o fazerem. Mas, a duzentos e trinta anos atrás, a moralidade vigente na Europa, da qual somos legatários, os considerava apenas objetos da propriedade masculina. Seres sujeitos ao direito masculino, não sujeitos de qualquer direito. Exatamente tal sujeição ao ordenamento jurídico masculino igualou mulheres, escravos e animais na história humana, por isso, o que representasse a libertação de uns, ecoaria como ameaça e reivindicação de libertação dos outros: animais, mulheres e escravos. Não é por nada que os dois textos defendendo o fim da crueldade contra os animais são escritos nos dois anos mais marcantes da luta pelo fim da crueldade contra os humanos: 1776 e 1789.
Das revoluções norte-americana e francesa recebemos, portanto, o legado da libertação humana e animal. A liberdade para escolher e seguir a própria escolha caracteriza o que naturalmente chamamos autonomia individual [auto-nomoi, que significa, ter em si mesmo a lei]. Nesse exato sentido, animais não-humanos são igualmente indivíduos, com necessidades, carências, sensibilidade, inteligência e raciocínio próprios, portanto, seres que têm em si mesmos, a lei. Tais características destinam-se a favorecer a busca do bem próprio de sua natureza e em particular o bem do indivíduo que o animal é, exatamente o que ocorre com os humanos, sob cujo domínio os animais se encontram. Mas, para um proprietário opressor, não há nada nos sujeitados à sua tirania que possa torná-los semelhantes a ele.
Em seu livro, Animal Rights, publicado em Londres em 1892, Henry Salt escreve: “Mas, pode ser replicado, simpatia vaga por animais inferiores é uma coisa, e o reconhecimento definitivo de seus ‘direitos’ é outra; onde está a razão para supor que devemos avançar da primeira fase para a última? A razão está exatamente no fato de que todo grande movimento de libertação seguiu essa linha. Opressão e crueldade fundam-se invariavelmente na privação de imaginação simpática; o tirano ou atormentador não pode ter um sentido genuíno de semelhança com a vítima de sua injustiça. Quando o sentido de afinidade finalmente acorda, o ultimato à tirania está dado e a concessão final de ‘direitos’ é apenas uma questão de tempo.” [SALT, 1892:21]. Exatamente nessa época José do Patrocínio escrevia contra a tirania do chicote que configurava a escravização de humanos, e o confinamento deles para uso de sua força de tração e de todas as demais habilidades.
2. O legado moral britânico na filosofia dos direitos animais de Leonard Nelson (Alemanha, 1924) e Cesare Goretti (Itália,1928)
Cesare Goretti inicia o artigo, “L’animale quale soggetto di diritto”, escrito em 1928 na Itália, expressando estranheza pelo fato de os filósofos descartarem sem mais nem menos a hipótese de se considerar o animal “sujeito de direito”.
O desprezo moral dos filósofos pelos animais fora alvo da crítica de Leonard Nelson, em seu livro, System der wissenschaftlichen Ethik und Pädagogik [Sistema de uma ética e pedagogia científicas], escrito quatro anos antes, na Alemanha. Para Nelson, em sua filosofia moral Kant se esqueceu que: “na medida em que nossas ações podem afetar outras pessoas, estas passam a ser objeto de nossos deveres, pois, sendo as pessoas sujeitos de interesses, elas têm direito ao respeito por seus interesses sob a norma da igualdade entre pessoas”.
Leonard Nelson estabelece a distinção entre sujeito de direitos e sujeito de deveres nos seguintes termos: “alguns sujeitos de direitos não são sujeitos de deveres. Sob o domínio da lei moral, todo ser que tem interesses é sujeito de direitos, ao mesmo tempo em que, todo aquele que, além de ter interesses também é capaz de compreender o que significa fazer parte da comunidade de sujeitos de deveres, é sujeito de deveres. Somente seres racionais são capazes de ser sujeitos de deveres”, mas os animais e certos humanos são sujeitos de direitos, sem alcançarem a condição de sujeitos de deveres.
O que deve ser levado em conta, e a tradição moral não o faz, adverte Nelson, é que, para ser sujeito de interesses não é necessário ter a capacidade racional. Nem mesmo entre humanos ela é necessária.
Antecipando a crítica ao contratualismo moral e jurídico, elaborada no final do século XX por Tom Regan, Gary Francione, Richard Ryder e Peter Singer, Goretti apontara, em 1928, a incoerência da tradição moral que nega estatuto de sujeito de direito aos animais, alegando que só pode ter direitos quem pode lutar por direitos, ao mesmo tempo em que garante a humanos incapazes de defender seus direitos a condição de sujeitos de direitos. “Ainda que o senil, a criança e o deficiente não possam exercer diretamente seus direitos, mesmo assim ninguém nega que sejam sujeitos de direitos.
Sem dúvida, esses indivíduos são humanos. Por essa via, é fácil integrá-los no exercício do direito. Mas, lembra Goretti, Kant enfatiza que há direitos que persistem ainda que o sujeito já não seja capaz de exercê-los nem de fazê-los valerem, a exemplo do direito à bona fama defuncti, o direito dos mortos de não terem seu nome desonrado.
Em relação aos seres humanos vulneráveis, sua incapacidade ou impossibilidade para a autodefesa no caso de tortura ou de maus-tratos não os destitui do direito de não serem torturados ou maltratados. O mesmo deve valer para qualquer animal capaz de sentir dor e de sofrer, seja da espécie humana, ou não. O essencial na existência do direito, escreve Goretti, não é “seu exercício”. Muitos humanos não podem exercer seus direitos; nem por isso deixam de ser tratados como sujeitos de direitos.
3. A retomada, na década de 70, da argumentação em defesa dos animais, construída antes da Segunda Guerra Mundial
Antes mesmo de Singer ter publicado Libertação Animal, em 1975, editado no Brasil em 2004, pela Lugano, de Porto Alegre, Richard D. Ryder havia escrito um panfleto analisando criticamente o padrão de moralidade vigente na Europa e ao redor do planeta. A ética tradicional está fundada na discriminação dos interesses de quaisquer seres que não atendem ao padrão exigido para merecer respeito: cor da pele, origem territorial, sexo, raça, espécie. Para merecer o que é certo, é preciso ter nascido no padrão certo, julga a moral tradicional discriminadora machista, racista e especista. O argumento de Ryder recende ao elaborado por Primatt no final do século XVIII. Ryder dá nome ao conceito central do livro de Primatt, ao preconceito sustentado pela elite intelectual e pelos que detém o poder de subjugar seres vivos vulneráveis de outras espécies, declarando que são inferiores à humana: especismo.
Em outras palavras, o que a moral tradicional sustentou sem o menor desconforto é o direito humano de gozar benefícios e vantagens às custas do mal-estar e sofrimento de outros seres sencientes. A tradição moral, jurídica, filosófica e científica ignora propositadamente que esses seres são constituídos em seu psiquismo de forma semelhante à humana. A justificativa para o gozo da prerrogativa de explorar e matar outros animais para benefício próprio é a de que eles são inferiores, porque não possuem a mesma capacidade que os humanos têm de raciocinar e falar, por isso podem ser dominados sem prejuízo do princípio da justiça.
Além do mais, afirmar que é legítimo o direito de se apropriar de seus corpos como se fossem objetos destinados por natureza a serem possuídos pelos humanos, tais quais o são os bens móveis e imóveis, é uma forma de discriminar moralmente seres que têm interesses semelhantes aos nossos próprios interesses, mas em sua singularidade não precisam ter nossa forma de racionalidade. A dorência e a sofrência, termos sugeridos por Richard D. Ryder para designar a capacidade de sentir dor e de sofrer, constituem a natureza própria de todo indivíduo que nasce na condição animal nociceptiva [nociceptores são os terminais nervosos destinados à recepção dos estímulos nocivos ao organismo], dos mamíferos às aves, enfim, dos vertebrados.
Os termos especismo, dorência e sofrência, criados por Sir Richard D. Ryder, na Inglaterra, são novos também na língua brasileira, do mesmo modo que é nova a prática de incluir animais no âmbito da comunidade moral. Por isso, é melhor não ficarmos chocados com esses novos conceitos. Precisamos deles para pensar de modo inovador sobre questões antigas que os velhos conceitos deixaram veladas na tradição moral.
Na esteira da crítica de Ryder ao especismo, num momento em que a Europa e os Estados Unidos enfrentavam as críticas ao racismo e ao machismo, em 1973, Singer faz a resenha do livro de Ruth Harrison, Animal Machines, escrito em 1964. Ryder cedeu a Singer o material que havia arrebanhado em suas pesquisas sobre a dor e o sofrimento animal, depois que parou de fazer experimentos em animais vivos na área comportamental. Singer escreveu Libertação Animal usando o material que lhe fora cedido por Ryder, e o convidou para assinar a co-autoria, mas teve seu convite declinado.
Os argumentos em defesa dos animais sistematizados por Singer, têm raiz nas teses de Humphry Primatt. Sem pestanejar, Singer adota o termo especismo, criado por Ryder para designar o preconceito alimentado pelos humanos contra os animais, evidente no modo pelo qual nos recusamos a levar sua dor e sofrimento seriamente em consideração.
Singer, no entanto, não faz depender da categoria direitos seu argumento em defesa dos animais. Pelo contrário, ele parte da reflexão sobre as três exigências formais para o estabelecimento de um princípio moral válido: que seja universalmente aceito pela comunidade dos agentes morais, que seja genérico a ponto de poder servir para orientar decisões em diferentes âmbitos da vida, e que seja imparcial, no sentido de que não pode servir para atender nossos interesses violando o dos outros que são semelhantes. Por fim, uma quarta exigência substancial completa o modelo ético sobre o qual Singer sustenta sua argumentação em defesa dos animais, prescindindo do debate sobre direitos animais: a de que toda ação ética deve visar o benefício daqueles que são afetados por ela, não os privilégios dos agentes morais racionais.
Fechada a questão formal, Singer parte para a investigação do princípio ético que nos permite superar os limites da tradição moral especista. É no princípio da igualdade que encontra maior amplitude moral, aliado ao da não-maleficência. A ética animal, em Singer, passa a ser orientada, então, pelo princípio da igual consideração de interesses semelhantes. A semelhança nos estados mentais que permitem a experiência da dor e do prazer [dorência e sofrência], do que é bom e do que é ruim, não admite que o agente moral tenha dois pesos e duas medidas ao agir.
Se o princípio da não-maleficência deve ser respeitado pelos outros quando estão agindo de modo a poder nos fazer mal, por que o mesmo princípio deve ser descartado, quando somos nós os agentes que podem prejudicar ou fazer mal a outros? A coerência ou fidelidade moral do sujeito agente, não a fidelidade a seus próprios interesses, mas a fidelidade ao princípio abstrato que ele faz valer para limitar as ações alheias quando essas podem lhe prejudicar, impede-o, quando está na condição de agente moral, de fazer aos outros o que não admite que lhe façam quando está em condições vulneráveis.
Singer sustenta sua argumentação fortemente na tradição utilitarista, dando-lhe, no entanto, um qualificativo pouco conhecido nos meios acadêmicos brasileiros: utilitarismo preferencial [Cf. O utilitarismo em foco, Edufsc 2007]. Isto quer dizer que devemos igual respeito a todos os sujeitos capazes de ter preferências, não privando-os daquilo que eles próprios escolhem para garantir seu bem, independentemente de estarmos diante de um sujeito com preferências racionais ou sencientes. Mas, falar de preferências já significa limitar o âmbito da ação moral ao da comunidade de sujeitos sencientes, afirma Singer. Em não havendo sensibilidade e consciência, não se pode mais falar genuinamente de interesses. Nesse sentido, respeitar interesses é respeitar estados mentais preferenciais.
Com sua tese, Singer consegue trazer para a comunidade moral todos os animais dotados de senciência, uma exigência que havia sido estabelecida por Primatt em seu texto de 1776, e por Bentham em seu texto de 1789, sem recorrer uma vez sequer ao argumento dos direitos.
Do ponto de vista ético, temos deveres morais diretos, positivos e negativos de respeito e consideração por todos os interesses que representam preferências relativas ao cuidado do animal consigo mesmo e ao modo específico pelo qual o animal o faz. Animais destituídos de sensibilidade e consciência não entram neste cômputo. Aqui está o alcance e o limite da argumentação de Singer: pela força do argumento sustentado no reconhecimento dos deveres diretos, ficam excluídos da comunidade moral seres vivos destituídos de senciência. Para lidar com eles temos o argumento dos deveres indiretos de beneficência.
Na esteira de Singer, mas sem o seguir inteiramente até o final do argumento, Tom Regan, em seu livro, The Case for Animal Rights, publicado em 1983, e nos demais que publicou desde então, concebe a ética animal da perspectiva da categoria dos direitos. Com relação ao argumento de Singer, Regan adverte que a ética não deve restringir-se a limitar as ações de agentes morais capazes de causarem dor.
Há muito mal causado sem que o paciente moral sequer perceba o mal que lhe está sendo feito. Por isso, argumenta Regan, é preciso expandir a noção de interesses, tirando-lhe o conteúdo psicológico. Para Singer, só pode haver interesse quando há consciência do agradável ou do desagradável, do bom e do ruim, portanto, sensibilidade ao que é bom ou ruim. Para Regan, há interesses a serem respeitados sempre que estivermos diante de um ser que pode vir a ser prejudicado ou beneficiado em seu próprio bem, por nossos atos, ainda que o próprio indivíduo não tenha a mínima consciência do que estamos fazendo a ele.
Portanto, não são as preferências por estados mentais que definem o limite da interação que posso ter com seres vivos não-racionais, é a possibilidade de que meu ato os venha a prejudicar, portanto, o fato de que são sujeitos a interesses, no sentido de que têm carências e necessidades, ainda que não sejam sujeitos de interesses, no sentido de que não têm desejos e preferência enquanto estados mentais. O conceito de interesses, nesse caso, não tem mais o sentido utilitarista adotado por Singer.
Mas, há danos que podemos causar a outros indivíduos sem que o reconheçamos em suas minúcias. A ética visa buscar um princípio que permita ordenar as ações de modo a que elas não sejam responsáveis por danos a seres que são sujeitos-de-suas-vidas. A vida sujeitada a um indivíduo tem valor inerente para o indivíduo que a vive, independentemente do quanto ele seja lucrativo, útil, interessante, valioso, ou não, para quem se apropriou dele. Para não cometer erros, a única saída é atribuir direitos a todo indivíduo capaz de sofrer malefícios ou de ser beneficiário das ações dos sujeitos morais agentes. Esta é a diferença da proposta de Regan, comparada com a de Singer.
Em vez do argumento de que devemos parar de tratar os animais desse ou daquele modo, por eles sentirem dor e sofrerem, declara-se imediatamente que todo animal, portanto, todo sujeito-de-sua-própria-vida têm o direito de ser deixado em paz para vivê-la seguindo o padrão peculiar de sua natureza, o padrão de mover-se para prover-se e prover os seus em seu ambiente natural e social a seu próprio modo, buscando o próprio bem e o equilíbrio necessário a ele. Reconhecer direitos aos animais é a estratégia da ética contemporânea que admite o atraso moral no qual nos instalamos, que nos levou a demorar demais para perceber o quanto a avidez para atender nossos interesses solapou as condições de bem-estar dos animais que têm que viver conosco nesse mesmo planeta e não têm qualquer vantagem da forma de vida que resolvemos incrementar para nós, especialmente nas três décadas mais recentes de nossa história.
4. De Nelson a Goretti, e destes à redefinição do estatuto moral e jurídico dos animais no final do século XX, Gary L. Francione e Steven M. Wise
Paradoxalmente, reconhece Goretti, a mesma instituição que permite a propriedade de seres viventes, tornando-os objetos do domínio humano, os força ao dominium de um sujeito de direitos, o proprietário. Neste caso, o animal já se encontra sujeitado ao direito pelo qual o ser humano se tornou seu dono: o direito de propriedade. Mas, seres vivos animados não são coisas movidas pela vontade humana, destituídas de vontade, inteligência, liberdade, interesses, necessidades e carências próprias. Isso é verdadeiro apenas em relação aos objetos inanimados, às mercadorias que costumamos adquirir e manter em nossa propriedade, para nosso uso.
Animais são seres sencientes, dotados de mentes singulares, eles têm uma vida que é própria deles, por mais que os forcemos e moldemos para que convivam em nosso ambiente social, urbano e residencial. Animais têm uma percepção específica, uma inteligência específica, uma linguagem específica e uma racionalidade específica. Se todas essas faculdades são o que institui a liberdade e a autonomia, no caso humano, porque simplesmente nos negamos a reconhecê-las nos animais?
Ao negar aos animais o estatuto de sujeitos de direitos, submetendo-os, todavia, ao direito que rege a vida e os negócios daquele que se declara seu proprietário, a lei torna o animal sujeito ao direito humano. “Há, para o animal, [compara Goretti] aquilo que havia para o escravo na antigüidade; considerado originalmente como simples res à disposição do dono, não deixou de ser passível de apropriação; mas, ao participar da vida do dono acabou por conquistar certos e determinados direitos e uma personalidade jurídica própria e verdadeira.”
Ao conceber dessa forma dialética o modo pelo qual se pode estar sujeito ao direito na condição de agente, ou, de paciente legal, Goretti surpreende o leitor sintetizando o argumento nos seguintes termos: se há, numa relação, alguém que pode “exigir” algo e alguém de quem isto é “exigido”, tal relação de sujeição, mesmo se dando em graus distintos de compreensão, inclui necessariamente ambos no âmbito do direito, num sentido diverso da relação do proprietário sobre objetos naturais inertes.
Conforme observa Goretti, “Pode-se ser objeto de propriedade, de convenção, ser constrangido pela natureza dos fatos à servidão eterna, mas, no momento em que se está sujeito ao direito, […] se é sujeito de direitos; porque exatamente por servir, necessariamente algo é exigido e algo é dado em troca.”
Se há reciprocidade entre o animal e o ser humano, de que modo se pode excluir o animal da comunidade moral do direito? Não é a reciprocidade que institui o contrato?
Na concepção de Goretti, a interação que se estabelece entre humanos e animais torna-os igualmente sujeitos ao direito. A sujeição ao ordenamento jurídico humano torna os animais domesticados e as bestas [termo de origem inglesa que designa os animais usados para o trabalho e tração na atividade humana] partícipes de uma realidade configurada socialmente pelos humanos. Esta realidade existe a partir de um ordenamento jurídico. Portanto, o animal foi incluído no mundo ordenado juridicamente. Se foi obrigado a fazer parte deste mundo, deve ter algum direito que o compense da liberdade e autonomia prática que lhe foi subtraída.
Mesmo sem ter a compreensão abstrata de tal ordenamento, aliás, analogamente ao que ocorre com a maioria dos seres humanos, o animal está submetido a tal ordenamento e essa é a condição necessária e suficiente que o torna sujeito ao direito. A domesticação concede ao animal uma personalidade jurídica que não lhe dá a natureza. Afinal, os humanos violaram as três regras éticas fundamentais que devem reger a moralidade humana em todas as ações que afetam os demais seres, vivos: não destruir, não se intrometer e não interferir, conforme o afirma Paul W. Taylor, em seu livro, Respect for Natur.
Conforme Goretti, nos intrometemos na ordem natural da vida animal e a forçamos a servir a um fim que não é o seu. “Nós produzimos passo a passo a transformação da individualidade do animal ao torná-lo partícipe de nosso ordenamento, um ordenamento que é racional frente a sua individualidade; isso lhe possibilita sempre mais tornar-se um sujeito de direitos.”
O reconhecimento ao animal do direito de não ser maltratado impõe aos humanos o dever de não o maltratar.
O dever de não maltratar um animal, um ser vivente [senciente] que teve a ordem natural de sua vida alterada pelo domínio humano, não é um dever moral, é um dever jurídico, nascido no exato momento em que o animal foi forçado a tomar parte numa forma de vida ordenada juridicamente, a humana, uma forma de vida que não era a sua.
Para o animal, a vida domesticada à qual o homem o submete se configura como necessária. Infelizmente, não podemos saber se essa vida necessária se configura para o animal como menos bestial.
O debate sobre o estatuto moral e legal dos animais como sujeitos de direitos tomou corpo, depois de uma dezena de livros escritos por Tom Regan desde o início dos anos oitenta, defendendo direitos para os animais, com as obras de Steven M. Wise, Rattling the Cage, e Drawing the Line; e de Gary L. Francione, Animals, Property and the Law, Rain Without Thunder e Introduction to Animal Rights: Your Children or the Dog?
Crítico ferrenho da posição de Singer, por considerar que a ênfase dada à questão da dor e do sofrimento leva ao estabelecimento de leis bem-estaristas que não resultam na abolição das práticas cruéis contra os animais, Francione admite em relação aos animais apenas um dever humano: libertá-los da condição de escravos, de objetos de propriedade, fazendo com que seja redefinido seu estatuto jurídico.
Sem abolir o estatuto de objeto de propriedade no qual os animais ora estão confinados pela ganância humana, não há porque fazer leis em seu favor. As leis que foram aprovadas desde o início do século XIX em favor dos animais não conseguiram barrar nenhuma prática institucional cruel contra os animais. Nem as que proíbem maus-tratos às bestas conseguiram abolir o uso delas para trabalho escravo, nem as que proíbem a crueldade conseguiram abolir as práticas vivisseccionistas. As leis feitas para garantir a higiene e maiores lucros na indústria da carne não garantiram a um animal sequer as condições para mover-se e prover-se de acordo com sua natureza específica; ao contrário, culminaram com a “Lei do abate humanitário”, revelando a verdade de que só humanos matam semelhantes de modo “humano”: abate em massa e de forma cruel.
A estratégia de argumentação bem-estarista não reconhece direitos aos animais. As leis de proteção aos animais não defendem o valor inerente de suas vidas, para eles, conforme o diria Regan. O que tais leis fazem é mostrar aos humanos que há limite para sua crueldade, além do qual os danos começam a voltar-se contra quem os abate fora dos “padrões humanitários”.
Os bem-estaristas crêem que se chegará à abolição ampliando o tamanho das baias e gaiolas, esticando a tira da coleira. Gary L. Francione afirma que o bem-estarismo adota tal posição, em primeiro lugar, por crer que aumentar o tamanho das jaulas e gaiolas seja melhor do que não fazer nada em defesa do bem-estar animal, tese comum entre os que militam no movimento de “proteção” animal e sofrem ao ver a agonia na qual os animais confinados se encontram; e, em segundo lugar, por ter a convicção de que a abolição de todas as formas de uso e abuso dos animais seja algo utópico, tese comum entre os “defensores” dos animais que ingressam nas instituições governamentais.
Francione afirma que só há uma possibilidade de defender honestamente os direitos animais: propor leis abolicionistas. Neste caso, a luta destina-se a abolir as práticas de escravização e uso dos animais. Somente nestes termos pode-se adotar a estratégia de buscar alcançar uma coisa de cada vez. Mas, sem confundir essa estratégia com a adotada pelos bem-estaristas, pois estes não visam a, nem crêem na, abolição. O que procuram é minimizar o desconforto dos animais no sistema atual de exploração deles.
Penso que Francione tem razão, ao afirmar que a luta bem-estarista leva a equívocos com conseqüências tão ou mais danosas para os animais do que se costuma supor, pois é verdade que ela pode ser “contraproducente”. Se lutarmos pelos próximos sete a dez anos para “melhorar” o manejo e as condições de aprisionamento e confinamento dos animais, esse tempo será perdido, pois deveria ser usado para esclarecer a opinião pública sobre a urgência da abolição do estatuto de objeto de propriedade sobre qualquer ser vivo. Uma coisa é defender o direito de outro à vida e ao bem-estar. Outra, é defender o próprio direito de aprisionar e confinar um ser vivo, ainda que em jaulas, galpões e gaiolas gigantes, para beneficiar-se disso.
Se os defensores dos animais gastam uma ou mais décadas convencendo os demais cidadãos da necessidade de tal ou qual lei bem-estarista, como é que os mesmos defensores dos animais depois de dez anos de luta voltarão a abordar aqueles cidadãos, também já dez anos mais velhos, para obter apoio para uma lei de natureza abolicionista, uma lei que visa “erradicar” o direito humano de usar ou confinar animais? De que modo se poderá, então, explicar, que dez anos foram gastos com argumentos bem-estaristas, quando na verdade, desde sempre já se tratava da questão moral de abolir tais práticas? Na minha opinião, embora discorde de Francione em alguns pontos de sua crítica ao que ele denomina novos bem-estaristas, acho mais sensato, honesto e justo manter desde o princípio uma postura abolicionista, do que adotar um discurso bem-estarista sabendo de antemão que ele não levará à libertação dos animais da condição de escravos e objetos de propriedade na qual se encontram.
Leis bem-estaristas não afirmam o estatuto moral de “não-objetos” aos animais. Elas reafirmam o caráter inalienável da “propriedade” humana sobre seres vivos de outras espécies, estabelecendo apenas certos parâmetros para regulamentar ou padronizar o manejo desses seres por seus proprietários. A bem da verdade, as leis bem-estaristas ajudaram a agregar valor aos produtos que saem dos frigoríficos.
Francione lembra a Human Slaughter Act de 1958, que determinou padrões para o “abate humanitário” no território estadunidense; do que se fala hoje, e do que se falou, à época, é apenas de cumprir a norma legal estabelecida. Jamais foi posta em questão o “direito humano” de matar animais ou de comercializar suas carcaças.
Peter Singer e Tom Regan são apontados por Francione como os dois expoentes da ética em defesa dos animais. A Singer, ele critica por não propor a erradicação de todos os experimentos feitos em animais vivos, e a Regan ele defende por propor o conceito de “valor inerente igual” em oposição a “valor inerente perfeccionista”(que admite graus de valor para distintos tipos de vida), e a “valor intrínseco” (utilitarista), que admite avaliações do valor da vida em função de experiências sensíveis (prazer e dor), permitindo que a vida possa ser considerada “mais”, ou, “menos” valiosa.
As leis de proteção ao bem-estar animal têm caráter instrumental, isto é, consideram os animais meros meios para atender aos negócios e interesses humanos. É preciso fazer uso dos termos “bem-estar” e “direitos” distinguindo-os um do outro. Enquanto “proteger o bem-estar” significa atender ao interesse do animal, “reconhecer seu direito” é respeitar seu valor inerente, não por ter valor instrumental.
Tal distinção conceitual reflete o divisor de águas que separa o movimento político “bem-estarista” de defesa dos animais, do “abolicionista”. Autoridades ligadas aos interesses comerciais e políticos, incluindo-se os interesses da pesquisa biomédica, adotam o argumento bem-estarista e voltam sua crítica ameaçadora contra os argumentos abolicionistas. Os bem-estaristas, por não ameaçarem o status quo, são tidos como razoáveis. Os abolicionistas, por ameaçarem os interesses hegemônicos ligados à produção e comercialização de animais e seus derivados, são acusados de “terroristas”, “radicais”, “anti-humanistas”, “obscurantistas contrários ao progresso da ciência”.
Se os bem-estaristas não defendem o fim de todas as práticas de exploração e morte dos animais, seu trabalho não incomoda a comunidade científica, aliás, a grande beneficiária do direito de usar, explorar e torturar animais em nome do progresso do conhecimento humano.
Segundo Francione, os bem-estaristas estão mais próximos dos “exploradores” que defendem o uso instrumental dos animais, distinguindo-se destes apenas por introduzirem o critério da “necessidade”. Os abolicionistas, por sua vez, reconhecem a condição absoluta de não-instrumentalidade da vida e do corpo de qualquer animal. Para o abolicionista, a vida e a liberdade do animal não estão vinculadas a quaisquer fins humanos.
O movimento político de defesa animal divide-se em duas categorias:
a] o “bem-estarismo tradicional”, que visa reduzir o sofrimento animal, sem qualquer outra proposta;
b] o “novo bem-estarismo”, com duas formas de expressão:
1] a “proteção dos animais”, posição das feministas Carol Adams e Ingrid E. Newkirk, segundo as quais o uso do termo “direito” é machista;
2] a defesa da “libertação animal”, fundada em cinco teses, quais sejam:
a] animais não são meros meios
b] a visão dos direitos animais não oferece uma estratégia para implementar as mudanças necessárias no legislativo e demais instituições
c] todo e qualquer passo para reduzir o sofrimento animal é válido
d] é necessário e desejável “humanizar” as leis de proteção animal sem destituir os humanos de sua convicção de superioridade sobre os outros animais
e] a questão dos direitos animais pode ser adiada para um debate futuro, o que importa garantir hoje é seu bem-estar.
Os defensores da libertação animal, por terem uma posição bem-estarista mais próxima da abolicionista consideram a defesa do bem-estar animal uma tática com vistas à abolição. Os “novos bem-estaristas”, no entender de Francione, estão convictos de que é recomendável deixar a questão dos direitos animais para um momento posterior, desde que sejam reduzidos no presente os sofrimentos aos quais os animais estão submetidos, na condição de objetos de propriedade.
Francione considera-se um abolicionista, não um novo bem-estarista. Afirma que a defesa dos direitos animais é o reconhecimento de que os animais têm certos interesses que não devem ser violados, ainda que a violação seja um meio para beneficiar humanos e que estes o façam seguindo “normas humanitárias”.
O abolicionismo não reconhece como únicas obrigações humanas a “minimização do sofrimento” no sistema institucionalizado de exploração dos animais, tidos como objetos de propriedade sem interesses próprios relevantes. Ao contrário dos novos bem-estaristas, os abolicionistas reconhecem a obrigação de “assegurar justiça” para os animais, abolindo a instituição da propriedade privada dos animais assegurada hoje aos humanos, pois é esta a instituição a partir da qual todas as formas de uso, exploração, abuso e destruição da vida animal são protegidas.
Nessa perspectiva, “o objetivo dos defensores de direitos animais é a abolição da exploração de animais, não a busca de meios para reduzir sua dor durante os procedimentos”, pois não se pensa em fazer tal coisa quando criminaliza-se as práticas de instrumentalização do corpo humano (estupro, latrocínio, etc.). Não são feitas leis regulamentando o estupro suave, lembra Francione, ainda que saibamos que elas poderiam minimizar a dor das vítimas.
Assim, os bem-estaristas cometem um erro ao julgar que a única coisa que interessa ao animal é não sofrer durante o manejo e os experimentos. Eles se esquecem de que é do interesse do animal não ser obrigado a servir aos interesses humanos institucionalizados que o levam ao tormento. Francione desaprova o uso dos termos “direitos animais” nas campanhas bem-estaristas, pois isso confunde a questão, a imprensa e o público.
Para Steven M. Wise, por sua vez, a única forma de abolir o estatuto de escravos ao qual estão confinados os animais, é reconhecendo-lhes direitos constitucionais nos mesmos termos e limites nos quais tais direitos são reconhecidos a humanos. Aos animais devem ser reconhecidos especialmente os direitos da autonomia prática, traduzida por liberdades físicas bem definidas: o direito de não serem mortos, aprisionados, expropriados e forçados a viver de modo que não condiz com o bem próprio de sua espécie animal e contraria suas preferências naturais individuais.
Tais liberdades, no entender de Wise, devem ser asseguradas por lei constitucional. Os limites da liberdade física a serem estabelecidos por lei para garantir autonomia prática aos animais são os mesmos estabelecidos para assegurar a liberdade física a humanos, proporcionais à capacidade do animal interagir em seu ambiente natural e social sem pôr em risco sua própria integridade física e a integridade do ambiente natural e social no qual interage.
Restrições aos limites concedidos aos animais devem ser feitas apenas nos casos em que o animal não tem condições, temporária ou definitivamente, de mover-se e autoprover-se a seu próprio modo, sem representar ameaça a si e aos demais. Em outras palavras, Wise entende o direito à liberdade física nos moldes em que tal direito foi instituído para os humanos e reconhecido como universal. Humanos não-paradigmáticos também têm a liberdade física restringida para garantir sua própria integridade.
O critério sugerido por Wise para definir quais animais devem ter sua liberdade assegurada constitucionalmente, o da autonomia prática, permite manter o equilíbrio das liberdades humanas e de animais não-humanos assegurando que todos tenham um tratamento igual. As necessidades físicas que as liberdades visam proteger podem ser diferenciadas de espécie para espécie, mas há algo em comum que as iguala, o fato de que todas as espécies animais necessitam mover-se livremente no ambiente físico natural para poder prover-se de modo a atender suas preferências específicas.
Os direitos animais devem abolir a condição de objetos de propriedade que hoje os impede de viverem em paz, sem intromissões em seu corpo, sem interferências em suas necessidades, e que os condenam à morte intempestiva, prematura e cruel.
 
Sônia T. Felipe – Doutora em Teoria Política e Filosofia Moral, pela Universidade deKonstanz, Alemanha (1991). Co-fundadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Violência (UFSC, 1993). Ex-voluntária do Centro de Direitos Humanos da Grande Florianópolis (1997-2000). Autora dos livros, “Ética e Experimentação Animal – fundamentos abolicionistas” (Edufsc, 2006); “Por uma questão de princípios” (Boiteux, 2003). Co-autora de “A violência das mortes por decreto” (Edufsc, 1998), “O corpo violentado” (Edufsc, 1998),”Justiça como Eqüidade” (Insular, 1998, esgotado). Colaboradora nas coletâneas, “Instrumento Animal” (Canal 6, 2007), “Éticas e políticas ambientais” (Lisboa, 2004), “O utilitarismo em foco” (Edufsc, 2007), “Filosofia e Direitos Humanos” (Editora UFC, 2006), “Tendências da ética contemporânea” (Vozes, 2000). Autora de dezenas de artigos editados nos sítios: http://www.svb.org.br/; http://www.pensataanimal.net/; e na Revista Ethic@ (http://www.cfh.ufsc.br/ethic@/). Coordena o Laboratório de Ética Prática, do Departamento de Filosofia da UFSC, é professora e pesquisadora do Programa de graduação Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas, da UFSC. Membro Permanente do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa e do Bioethics Institute da Fundação Luso-americana para o Desenvolvimento, Lisboa. Coordena o Projeto de pesquisa: Feminismo ecoanimalista: contribuições para a superação da violência e discriminação especistas, revisando a literatura sobre defesa de animais e ecossistemas produzida por mulheres (Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas, UFSC, 2009-2011).É Colunista da ANDA.

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