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Explicações sobre a origem x razões para aceitar ou rejeitar

2 de dezembro de 2014
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rinha

Em outra postagem, discutimos uma defesa comum do especismo que parte do relativismo moral. Oferecemos um argumento geral para se rejeitar o relativismo moral. Contudo, outras defesas do relativismo ficaram a ser discutidas. Esse artigo discute a defesa do relativismo baseado no que chamo de argumento genético.
O argumento genético diz o seguinte:
“Você só mantém as visões morais que mantém porque nasceu na sociedade x; se tivesse nascido na sociedade y, poderia ter as visões opostas; logo, o certo/errado morais são relativos à cada sociedade”.
Chamo de argumento genético porque deriva a conclusão de que o relativismo está correto da explicação sobre a origem das visões morais que alguém sustenta.
Baseando-se na conclusão desse argumento, algumas pessoas fazem uma defesa do especismo:
“Certo e errado são relativos à cada sociedade. Portanto, devemos respeitar a tradição de cada cultura. Já que toda e qualquer cultura usa os animais não humanos como recursos, não há, então, o dever de se respeitar os animais não humanos”.
Baseando-se no argumento genético, alguém poderia dizer “você defende a igualdade só porque nasceu em uma sociedade que aprova a igualdade; tivesse nascido em um regime de castas, aprovaria as castas[1]; logo, para saber se devemos manter a igualdade ou desigualdade, temos de perguntar o que a sociedade na qual estamos pensa que deve ser feito, já que não existe verdade objetiva sobre essa questão”.
Esse argumento é um exemplo de falácia genética. A falácia genética consiste em confundir a explicação para a origem de algo (no caso, a origem sobre a crença de alguém em relação ao que é certo/errado morais) com as razões para mostrar que esse algo é justificado ou injustificado. A falácia genética é uma falácia porque, embora as premissas que expliquem a origem de algo (no caso, a origem de uma determinada crença) possam ser verdadeiras, não se segue delas conclusão alguma sobre se esse algo é justificado, injustificado, etc.
Para entender melhor, peguemos um exemplo com relação à outra área, que não a ética. Suponha que alguém acredite que 2+2 é 4. Mas, suponha que esse alguém é uma criança, que não sabe ainda calcular. Ele apenas acredita que 2+2 é 4 porque assim lhe disseram. Supondo que, então, alguém diga a essa criança: “você só acredita que 2+2 é 4 porque nasceu em uma sociedade que diz que é assim; se tivesse nascido em uma sociedade que diz que 2+2 é 5, você acreditaria que 2+2 é 5”.
Até aí, não há problema algum com essa constatação. Aliás, provavelmente o que ela diz é verdade, pois, se a criança não sabe ainda calcular, provavelmente ela acreditaria se todos lhe dissessem que 2+2 é 5. A falácia acontece no passo seguinte, em tirar dessa constatação sobre os fatos a seguinte conclusão: “então, se queremos saber a resposta para 2+2, temos de perguntar a cada sociedade o que ela pensa sobre tal pergunta; já que não há verdade objetiva sobre tal coisa, se estivermos em uma sociedade que diz que 2+2 é 4, então será 4; se estivermos em outra que diz que é 5, será 5, e assim por diante”.
Esse raciocínio é uma falácia porque as premissas não suportam a conclusão. Da constatação sobre o que alguém acreditaria se tivesse nascido em outra sociedade não se segue nenhuma conclusão substantiva sobre o que há melhores razões para acreditar. Por exemplo, podemos ver, no caso da matemática, que tal raciocínio é falacioso porque existe uma verdade objetiva matemática. Então, embora a criança do exemplo provavelmente acreditasse que 2+2 é 5 se todos lhe dissessem isso, tal coisa só mostra que tal criança não conhece os procedimentos de cálculo, e não, que não há verdade matemática objetiva.
Assim sendo, o mesmo tipo de raciocínio é uma falácia em qualquer outra área que for aplicado, incluindo a ética. Supondo que, se eu tivesse nascido em uma sociedade de castas, eu me posicionasse contra a igualdade. Até mesmo como tese factual, isso poderia ser falso. É bastante possível alguém nascer em uma determinada sociedade e discordar do que tal sociedade diz sobre certo e errado. É assim que acontecem as revoluções morais e isso deveria estar óbvio. Mas, supondo que, enquanto tese factual, as premissas de tal argumento fossem verdadeiras, e que todo mundo que defende a igualdade defenderia a desigualdade se tivesse nascido em uma sociedade que aprovasse a desigualdade. O que isso diz sobre se deve-se adotar a igualdade ou a desigualdade ou se tanto faz? Nada, pois tal constatação sobre os fatos não tem poder algum de dizer que existe justificativa para adotar-se a igualdade, desigualdade ou se tanto faz.
Um proponente do relativismo poderia objetar aqui que, diferentemente da matemática, tal conclusão faz sentido no caso da ética porque na ética não há verdade objetiva. Mas, há aqui um argumento circular. O argumento genético surge para explicar o porquê da ética ser relativa, mas, se afirma-se que, no caso da ética, o argumento genético faz sentido mesmo não fazendo sentido em outras áreas do pensamento porque a ética é relativa, então está-se a assumir de antemão que ela é relativa. Mas, era isso que o argumento genético se propunha a provar. Se a ética for relativa, com certeza não é porque as pessoas manteriam provavelmente crenças diferentes se tivessem nascido em sociedades diferentes (pois, isso é assim quanto a outras áreas do pensamento e, contudo, esse fato não faz com que não exista verdade objetiva com relação a essas áreas do pensamento). Assim sendo, se alguém pretende defender que a ética é relativa à cada sociedade, teria de endereçar outro argumento que não o argumento genético. É por essa razão que devemos rejeitar defesas do relativismo que baseiam-se em falácia genética, incluindo a defesa do especismo em questão.
Notas:
[1] Este exemplo, e a crítica a esse argumento, aparece em NÄGEL, Thomas. A Última Palavra. Trad. Carlos Felipe Moisés. São Paulo: UNESP, 2001, cap. 5.

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