Quando eu era jovem, lia vários livros como “Little House on the Prairie” e “My Side of the Mountain”. Amava a ideia da autossuficiência e de cuidar de lavouras.
Por isso, muitos anos mais tarde, quando vi um anúncio pedindo ajuda em em uma fazenda “de laticínios humana” de cabras em Oregon, agarrei possibilidade de trabalhar no campo.
É relevante dizer que 10 anos antes disso, eu tinha tentado ser vegana. Estava trabalhando no PetSmart e foi lá que conheci Pinkie, uma pequena cachorrinha com manchas pretas e brancas e olhos azuis. Eu me apaixonei por ela e a adotei.
Porém, infelizmente, seus rins não foram formados corretamente e conforme ela crescia, superando os 40 quilos, seus rins começaram a falhar. Ela só viveu dois anos, mas nesses dois anos eu aprendi o que significava amar um cachorro. Fiquei desolada quando ela faleceu.
Depois disso, eu não conseguia mais comer animais. Era incapaz de perceber a diferença entre minha amada cadela e os animais no meu prato. Comecei a assistir a vídeos sobre bem-estar animal e doei dinheiro a grupos de ativismo.
Tentei ser vegana, mas não me tornei para uma miríade de razões, principalmente pela falta de força de vontade de educação. Eu era vegetariana há anos.
Assim, quando me mudei para Oregon, comecei a ouvir a frase “humanamente criado” usada em referência à carne e laticínios e isso despertou meu interesse. Em Michigan, ninguém nunca havia falado sobre animais criados humanamente porque eles não pensavam muito que a carne era de animais, mas sim como apenas carne, feita para comer.
Apenas alguns sabiam como a carne era obtida e menos pessoas ainda se importavam. Em Oregon, parecia que mais pessoas estavam cientes do que acontece na produção comercial de carne e sabiam o que estava errado.
Em retrospecto, ao ter sido enganada pelo fascínio da carne “humanamente produzida”, percebo a grande ironia desse estratagema de rotulagem. Os comerciantes têm que trabalhar mais para dessensibilizar as pessoas que estão mais conscientes da verdade.
Os consumidores que possuem alguma compreensão sobre a injustiça das mortes de animais, mas optam por pagar por isso tem que trabalhar mais para se afastar da realidade de suas próprias escolhas.
A ironia é que as pessoas que escolhem usar o dinheiro extra para comprar produtos animais “compassivamente produzidos” são realmente mais cúmplices da violência e morte prematura de seres vivos do que aquelas a quem nunca ocorreu que seus hambúrgueres fossem indivíduos que queriam viver.
Em Oregon, comecei a comprar a mentira de que se pode matar um animal com humanidade para satisfazer a preferência do paladar. Os impulsos contraditórios em mim – um não querendo machucar nenhum ser vivo (até minúsculos insetos se afogando em poças de água) e o outro querendo os alimentos da minha juventude e ansiando por uma vida no campo – começaram a entrar em conflito.
Naturalmente, a voz da compaixão é muitas vezes mais difícil de ouvir. Aceitei o emprego na fazenda de cabras. Comi o meu primeiro hambúrguer “humanamente morto”. Comecei a comprar frango e bifes orgânicos. Paguei mais por bacon com “certificado humano”.
É incrível o que você pode bloquear quando você realmente entra nisso. Eu, que há 10 anos tinha sido reduzida a lágrimas observando vídeos secretos de como animais abusados em fazenda eram tratados – perfurados, esfaqueados, espancados enquanto sangravam, eletrocutados, com gargantas cortadas – estava trabalhando agora em uma fazenda de laticínios onde minúsculos cabritos recém-nascidos foram arrancados de suas mães imediatamente e tiveram seus gritos de sofrimento ignorados. O bebê eram mantidos em outro recinto e as mães os chamavam em desespero e eles as chamavam de volta.
Eu não pensei muito nisso. Não poderia ativamente bloquear a pequena voz e refletir sobre a situação ao mesmo tempo. Entretanto, houve algumas vezes que uma compreensão angustiante do que estávamos fazendo me atingiu.
Sabia que as cabras na fazenda em que eu trabalhava tinham os chifres removidos. Só uma vez vi como isso aconteceu. Os bebês eram presos e seus chifres eram queimados conforme eles gritavam e chutavam tentando escapar.
Uma vez liberados, eles tropeçavam ao redor, balançando a cabeça violentamente, desorientados e com dor. Alguns deles nunca mais permitiam que uma pessoa se aproximasse a não ser que enfrentassem um grave sofrimento.
Em outra ocasião, descobri que uma das minhas cabras favoritas tinha sido baleada porque tinha um abscesso e mastite. O abscesso era possivelmente contagioso e ela não estava produzindo bem. Tentei não pensar no fato de que ela era uma cabra engraçada, brincalhona que me fazia rir o tempo todo e que sua expectativa de vida não estava nem perto de ser atingida quando ela morreu.
Pelo menos ela teve uma vida feliz enquanto estava viva, eu disse a mim mesma. É “apenas uma parte do que acontece” quando você tem um rebanho grande, mesmo em uma fazenda de cabras felizes.
Em outro caso, uma cabra grávida, cuja data do parto estava bem atrasada, estava deitada de lado com os olhos fechados. A princípio, achei que ela estava dormindo, mas percebi rapidamente que algo estava errado. Corri para a casa e chamei as pessoas que sabiam o que estavam fazendo. A cabra estava morta. Elas abriram a lateral do corpo com uma lâmina de barbear e tiraram três bebês pálidos.
Eles foram injetados com epinefrina. Todos morreram. A mulher chorava e sacudia a cabeça, gemendo: “Oh, minha melhor leiteira”.
Gostaria de poder dizer que foram essas situações que me fizeram tentar adotar o veganismo novamente, mas não é verdade. Foi um cachorro. Desta vez foi Dingo, um chihuahua resgatado. Ele é um daqueles animais que conquistam seu coração com doçura.
Minha parceira se apaixonou profundamente por ele e então eu a segui, mais devagar, mas com a mesma certeza. Ela me mandou mensagens do trabalho um dia e disse: “Vou precisar me tornar uma vegana. Não consigo comer mais animais ou produtos de origem animal”.
A parede que eu tinha construído deveria ser muito ruim, de fato, porque isso foi realmente tudo o que foi necessário para mim. Nós duas nos tornamos veganas naquele dia e iniciamos um novo caminho.
Foi complicado desistir do queijo. Eu era viciada nele. Tentei alguns queijos veganos e eles eram bons, mas decidi que queria testar uma receita diferente usando ingredientes simples.
Estar em Oregon foi uma bênção por causa das incríveis avelãs que crescem em cada beco e quintal. Os queijos produzidos foram tão deliciosos que decidimos abrir um negócio. Amamos a palavra latina para a avelã, Avellana, e assim a Avellana Creamery nasceu.
Não ordenho mais cabras, uso avelãs. Temos uma máquina que tritura as avelãs e as transforma em leite e outra que separa a fibra do líquido. Às vezes, sou atingida pelas similaridades físicas entre espremer o leite do úbere de uma cabra e espremer o leite de uma avelã com um pano. Acho que minhas mãos até mesmo fizeram os mesmos movimentos para conseguir o leite muitas vezes.
Quando eu tinha cerca de 10 ou 11 anos, minha tia e sua família investiram em uma fazenda de vacas. Lembro que o maquinário brilhava com cromo. Eles puxaram uma vaca para fora e a engancharam até tubos que foram ligados.
Ela era bastante serena, mas me lembro de ter uma sensação de tristeza em relação a sua situação. Para mim, parecia errado forçá-la a dar seu próprio leite. Embora ela não parecesse visivelmente ferida naquele momento, aquilo me fez sentir uma tristeza profunda. Não fiz a conexão com o leite no meu cereal até muito tempo depois.
A cozinha e as máquinas da Avellana Creamery são limpas e brilham com cromo também, mas a sensação é muito diferente. As avelãs prosperam sob o cuidado de seres humanos.
Suas variedades se multiplicam e se tornam mais fortes e resistentes à medida que a ciência e a experiência revelam novas e melhores maneiras de ajudar na reprodução das árvores. Utilizamos apenas avelãs orgânicas e localmente cultivadas, o que também assegura a proteção dos trabalhadores e do meio ambiente.
Em nossa cultura, temos o hábito de nos afastarmos das coisas que nos trazem dor. Estou aprendendo que se afastar não soluciona nada. Virar-nos para o que nos aflige nos dá a oportunidade de transformar o que machuca em algo belo.
Ficar sem laticínios ou carne não é difícil para mim. O que é difícil é ver as pessoas presas em uma mentalidade na qual suas decisões diárias estão fundamentalmente e violentamente em desacordo com seus valores mais básicos. Podemos e devemos fazer melhor.
* Depoimento publicado no site Humane Facts