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PERIGO

Eleições esquentam o jogo político pela legalização da caça de animais nativos

Candidatos defensores da caça esportiva disputam a presidência e cargos no Congresso Nacional. Registros de caça se multiplicam nas redes sociais, que lucram com a prática no país

23 de setembro de 2022
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Espécies como onças-pintadas valem muito mais quando são alvo de turismo regulado do que dos rifles de caçadores. Foto: Aldem Bourscheit / Productora 93 Metros

Entre os retrocessos ambientais que rondam o Brasil estão as propostas para a caça de animais silvestres. Apesar de estudos e dos alertas científicos dos impactos negativos da atividade, candidatos à presidência da República, ao Congresso Nacional e aos legislativos estaduais defendem a prática como uma bandeira de campanha.

Jair Bolsonaro (PL) aprova a ‘caça esportiva’ de animais desde a campanha que o levou à Presidência, em 2018. Outro presidenciável que aceita a caça de animais nativos é Ciro Gomes (PDT). Ele defende a prática para gerar empregos e renda na Amazônia.

Os demais presidenciáveis não abraçaram a causa. A plataforma de Lula (PT) descreve que ele apoiará “campanhas educativas” e “iniciativas públicas e da sociedade” para garantir os direito animais.

Caso seja reeleito, Bolsonaro tende a apoiar e sancionar propostas que tramitam no Congresso em prol da caça. A mais preocupante é o PL 5544/20 do ex-deputado federal pelo PP catarinense, Nilson Stainsack. O texto foi protocolado nos 4 meses em que Stainsack esteve na Câmara como suplente de Darci de Matos (PSD), licenciado em 2020 para tentar a eleição à prefeitura de Joinville (SC).

Segundo Stainsack, a proposta permite regulações baseadas na capacidade de caça em cada estado e observa a experiência de países ricos e do Rio Grande do Sul com a prática. “Animais ameaçados de extinção não poderão ser caçados. Todos os países desenvolvidos liberam a caça. Não entra na minha cabeça por que não aqui [no Brasil]”, questionou.

“Numa fazenda no Rio Grande do Sul, vi mais de 10 mil marrecas mortas com agrotóxicos para não comerem a produção. É melhor legalizar a caça de poucas aves do que ver toda essa matança”, disse. O ex-parlamentar admitiu ter caçado quando a atividade era permitida no estado sulista.

De acordo com Stainsack, a legalização da caça de lazer também será fonte de renda e de empregos no país. “Empresários entraram em contato comigo dispostos a fazer grandes investimentos em fazendas de caça, como existem em outros países”, contou ao ((o))eco.

Entre os defensores da caça estão alguns deputados que buscam a reeleição pelo PL, partido do presidente Jair Bolsonaro. Carla Zambelli, deputada federal por São Paulo, e Nelson Barbudo, de Mato Grosso, presidem comissões na Câmara e relataram propostas favoráveis à caça.

Em 2021, Barbudo concedeu um parecer favorável à proposta, com alguns substitutivos. Entre as justificativas estão a de que outros países promovem caça esportiva e que certas espécies que ameaçam a agropecuária deveriam ser controladas com caçadas.

Ao menos cinco projetos legalizando a caça esportiva tramitam no Congresso com apoio das bancadas Ruralista e da Bala. Os textos alegam que o tiroteio trará recursos para conservar a fauna, controlará espécies invasoras ou que afetem a produção no campo. Também autorizam a criação de animais em ‘fazendas de caça’ e para repovoamento, o abate de espécimes em imóveis rurais, em áreas protegidas e com cães.

Propostas para liberar caçadas também circulam nos estados, ampliando pressões por regras federais. Em Mato Grosso, um projeto que dava sinal verde à caça esportiva foi retirado de pauta da Assembléia Legislativa, em agosto. A proposta de Gilberto Cattani pode ser debatida numa audiência pública. O ruralista é outro candidato pelo PL que busca um cargo no legislativo. Em 2022 ele busca a reeleição para a Assembleia Legislativa de Mato Grosso.

Sem base científica

Mas os projetos sustentados pelas bancadas Ruralista e da Bala não têm base científica e prejudicarão duramente a conservação de inúmeras espécies se forem aprovados, alertam especialistas.

“Há um forte movimento para regulamentação de práticas não prioritárias e baseadas em aspectos morais duvidosos, como a caça de animais nativos por diversão”, avaliou o biólogo André Antunes, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Ele é o primeiro autor de um estudo publicado em 2016 na Science Advances revelando que, entre 1904 a 1969, a caça exterminou 23 milhões de animais nativos para venda de couros e peles.

Matanças como tal encolheram populações na Amazônia de espécies como jacarés, veados, onças, ariranhas e peixe-boi, e levaram à proibição legal da caça comercial de animais silvestres no Brasil, desde 1967. A mesma lei abriu brechas à regulamentação da caça esportiva, se tivesse espécies e quantidades realmente controladas.

“De lá para cá, evoluímos muito em legislação e ações de conservação de fauna e flora, não havendo mais motivações para esse tipo de caçada”, ressaltou Antunes, do Inpa.

A caça esteve liberada no Rio Grande do Sul de 1980 a 2008, quando foi barrada pela Justiça por ser cruel com animais, poluir ambientes com chumbo e não ter “finalidade social relevante”. Indígenas são autorizados legalmente a caçar para se alimentar. Já extrativistas, quilombolas e outras populações tradicionais não têm esse direito claramente assegurado em lei.

Na prática, fiscalização ambiental e policial e o noticiário mostram que o tiroteio contra toda sorte de animais é corriqueiro no país. De carona, há forte mobilização de setores dentro e fora do Congresso pela legalização da caça. A publicação de fotos e vídeos em mídias sociais corre junto à mobilização política pela legalização das caçadas de animais silvestres no país.

“Isso permeia as redes formando públicos urbanos e rurais adeptos da caça”, avaliou o biólogo Paulo Pizzi, presidente da ong Mater Natura. A entidade integra um movimento nacional contra a prática. Complicando o cenário, tentativas de impedir a veiculação eletrônica de caçadas têm dado com os burros n’água.

Em agosto, uma decisão judicial baseada em ação civil de uma ONG em defesa de animais silvestres obrigou o Youtube a remover e a não publicar mais vídeos com caçadas. Mas a plataforma recorreu da decisão, retirou apenas os cerca de 30 vídeos citados no processo e segue aceitando postagens com matança de animais.

 

Fonte: oeco

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