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CRISE CLIMÁTICA

El Niño causa a morte de 2,5 bilhões de árvores da Amazônia

29 de agosto de 2021
Nicolás Bustamante Hernández (Mongabay) | Tradução de Pedro Guolo Ferraz
7 min. de leitura
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Uma nova pesquisa mostra como a combinação de altas temperaturas, seca intensa e queimadas resultaram na perda dramática da floresta na Bacia do Baixo Tapajós, na Amazônia brasileira.

Segundo os autores, a redução da floresta significou que um dos maiores sumidouros de carbono do mundo gerou quase 500 milhões de toneladas de emissões de CO2, valor superior às emissões anuais de países desenvolvidos como Reino Unido e Austrália.

Devido à mudança climática, prevê-se que secas extremas mais frequentes afetarão a maior parte da bacia amazônica neste século; nesse cenário, o El Niño de 2015 pode ser visto como uma janela para o futuro.

Foto: Erika Berenguer

As grandes secas e incêndios que a Amazônia experimentou nos últimos anos causaram a morte de 2,5 bilhões de árvores e videiras na Bacia do Baixo Tapajós, uma das regiões mais biologicamente ricas da Amazônia, e lar de muitos grupos indígenas e comunidades ribeirinhas.

Esta catástrofe ecológica é uma consequência de um período El Niño especialmente intenso entre 2015 e 2016. El Niño é um padrão climático associado ao aquecimento das correntes do Oceano Pacífico que tem um impacto global no clima. O resultado do fenômeno não é apenas evidente na paisagem, mas seus efeitos agora são quantificados como emissões de gases de efeito estufa em um estudo recente.

Segundo os cientistas, a intensa seca transformou uma floresta tropical, um dos maiores sumidouros de carbono do mundo, em uma fonte massiva de emissões, gerando cerca de 495 milhões de toneladas de CO2 em três anos. Trata-se de uma área que representa apenas 1% de todo o bioma da floresta amazônica, e sua degradação equivale a queimar mais de 4,2 bilhões de barris de petróleo.

Essas descobertas fazem parte de pesquisas realizadas por cientistas do Reino Unido e universidades brasileiras, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), do Instituto de Meio Ambiente de Estocolmo, e do escritório da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Seu estudo, “Rastreando os impactos do El Niño na seca e no fogo em florestas amazônicas modificadas pelo homem”, foi publicado recentemente na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).

Os autores se concentraram na região do Baixo Tapajós, no leste da Amazônia, uma área que constitui tanto florestas virgens quanto alteradas pelo homem, e está sob intensa pressão de desenvolvimento para expansão da agricultura, desenvolvimento de infraestrutura, mineração e extração de madeira.

De 2015 a 2016, uma área de 6,5 milhões de hectares também foi o epicentro amazônico do evento El Niño daquele ano. A morte maciça de árvores e videiras ocorreu enquanto as temperaturas subiram 1,5 a 2°C acima do observado durante os períodos anteriores de El Niño. Simultaneamente, a intensidade da estação seca, medida pelo déficit hídrico, foi a maior no histórico de 19 anos inclusos no estudo.

‘Uma janela para o futuro’

Para entender os impactos combinados do El Niño, secas e queimadas, os pesquisadores realizaram pesquisas trimestrais de outubro de 2015 a outubro de 2018, nas quais monitoraram o destino de 6.117 plantas divididas em 21 categorias.

“Analisamos se cada indivíduo em nossas categorias estava vivo ou morto”, disse a autora principal Erika Berenguer, da Universidade de Lancaster e da Universidade de Oxford, por e-mail. “Esse monitoramento durou três anos e incluiu mais de 6.000 árvores, palmeiras e cipós. Começamos antes do El Niño de 2015 e continuamos a fazê-lo durante e depois dele”.

Berenguer disse que fizeram três descobertas principais: primeiro, a mortalidade de árvores permanece acima dos níveis esperados durante três anos nas florestas afetadas pelo El Niño e dois anos e meio nas florestas afetadas pela seca e pelo fogo. “Esse efeito de longo prazo não havia sido quantificado antes”, disse ela.

Em segundo lugar, as árvores localizadas em florestas que haviam sido anteriormente afetadas por interferência humana, como extração seletiva de madeira e incêndios no sub-bosque, tinham maior probabilidade de morrer após a seca e incêndios, demonstrando que as florestas modificadas pelo homem são menos resistentes.

E terceiro, houve emissões de 495 milhões de toneladas de CO2, quantidade superior às emissões anuais de países desenvolvidos como Reino Unido e Austrália. “Isso é crucial para mostrar que os distúrbios que acontecem na Amazônia podem ter impactos globais significativos”, disse Berenguer.

Ela acrescentou que não esperavam encontrar níveis tão altos de morte de árvores. Entre as árvores nas categorias de estudo com um diâmetro de pelo menos 10 centímetros, a taxa de mortalidade foi de cerca de 75%; para árvores menores, era 90%. “Ainda assim, não esperávamos que, em nível regional, a cifra fosse da casa dos bilhões!” Disse Berenguer.

Ela disse que os resultados do estudo são importantes porque mostram os impactos altamente negativos que uma seca intensa, especialmente se associada a queimadas, pode ter sobre a mortalidade de árvores e, consequentemente, sobre as emissões de CO2.

“Embora a próxima seca extrema não seja evitável, os incêndios são, pois precisam ser iniciados por humanos. Como tal, é crucial desenvolver estratégias mais eficientes de manejo do fogo na Amazônia”, disse Berenguer.

Paulo Brando, professor assistente do Departamento de Ciência do Sistema Terrestre da Universidade da Califórnia, disse concordar com Berenguer. Ele disse que a Amazônia poderia fornecer serviços muito mais eficazes se os incêndios e outras causas de degradação florestal não fossem tão presentes. “As florestas podem se recuperar de secas episódicas, mas têm muito mais dificuldade quando outros distúrbios causados ​​por atividades humanas aparecem”, disse Brando por e-mail.

De acordo com Brando, que não esteve envolvido nesta pesquisa em particular (embora tenha estudado extensivamente secas e incêndios na Amazônia), essas novas descobertas são relevantes porque poucos estudos investigaram tantos detalhes sobre a resposta das florestas tropicais à seca e aos incêndios.

“O que os autores encontraram é surpreendente. Árvores estressadas pela seca podem experimentar aumento da mortalidade por muitos anos, provavelmente devido aos danos causados ​​aos seus sistemas hidráulicos. E a magnitude da mortalidade é alta, podendo mudar o balanço de carbono de toda a região”, disse Brando.

No entanto, ele disse que as novas descobertas não são necessariamente evidências de um “ponto de inflexão”. Em vez disso, ele disse que a pesquisa enfatiza muito bem “o que os cientistas já sabem: que as florestas amazônicas têm uma alta, mas limitada resiliência a múltiplos estressores”.

“O que é novo e importante é a quantificação dos estressores que prejudicam a capacidade das florestas tropicais de desempenhar seu papel na estabilização do clima por meio do armazenamento de carbono. Ele também destaca que as mudanças no clima e no uso da terra que estão acontecendo em grandes porções da Amazônia podem causar mudanças semelhantes. Se chamamos isso de um ponto de inflexão ou sinais iniciais de degradação generalizada é discutível, mas está além do ponto”, disse Brando.

Berenguer disse que são necessários mais estudos sobre as consequências do El Niño por conta de sua estreita relação com as mudanças climáticas, já que o aumento das temperaturas resultará em secas mais extremas.

“Embora existam muitos estudos mostrando os impactos das secas anteriores, a maioria não estava acompanhando os impactos da seca ao longo do tempo, então não entendíamos a duração de seus efeitos sobre a mortalidade das árvores. Nenhum estudo até o momento rastreou a mortalidade de árvores antes e depois de um incêndio florestal, apenas após”, disse Berenguer.

Pesquisadores dizem que secas extremas mais frequentes devem afetar a maior parte da Bacia Amazônica neste século devido às mudanças climáticas. “Dessa forma, o El Niño de 2015 pode ser visto como uma janela para o futuro, a partir da qual podemos ter percepções valiosas sobre a magnitude dos impactos dessas secas extremas”, disse Berenguer.

Citação: Berenguer, E., Lennox, G. D., Ferreira, J., Malhi, Y., Aragão, L. E. O. C., Barreto, J. R., … Barlow, J. (2021). Tracking the impacts of El Niño drought and fire in human-modified Amazonian forests. Proceedings of the National Academy of Sciences, 118(30). doi:10.1073/pnas.2019377118

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