Por Lobo Pasolini (da Redação)
O ator e comediante Fábio Porchat escreveu para o Estadão uma crônica onde ele expõe, de forma muito sincera, seu dilema em relação à carne e outros produtos de origem animal. Ele começa o artigo dizendo o quanto gosta de carne mas como odeia o sofrimento dos animais que serão comidos. Ele menciona os paradoxos da carne orgânica e também a contradição que é comer ovo e leite se a questão com a carne é ética – afinal das contas, a produção de leite é ovo é tão horrível quanto.
Depois de ponderar tudo, Fábio pergunta se existe um meio termo, se é possível escapar do 8 ou 80 para onde a análise da situação aponta. Sem verbalizar explicitamente, ele admite que o veganismo parece ser a única saída ética mas alimenta uma esperança de que talvez exista uma outra via, onde ele possa consumir produtos animais sem culpa.
É interessante como o ator descreve um dilema pessoal como forma de ilustrar uma indagação que está longe de ser exclusivamente sua. Eu acredito que muitas pessoas sensíveis se questionem e se culpem por financiarem a exploração animal, mas algo as impede de dar o passo e tornar-se veganas.
É fácil dar uma resposta à Porchat: sim, é uma situação 8 ou 80. Não existe produto de origem animal que não seja baseado na exploração e que não envolva dor e morte. Qualquer operação onde o corpo de um ser senciente se torna propriedade de um animal humano envolve uma relação de poder violenta, mesmo quando as aparências enganam.
A chamada carne humanizada e outras formas de marketing suavizador que injetam uma anestesia moral no comedor de carne são parte de uma categoria maior de greenwashing, o marketing verde elaborado para aliviar a culpa de consumidores mais sensíveis. Mas vários artigos e livros já demonstraram que todas essas operações não são tão verdes e éticas como parecem e, no final das contas, como qualquer outro negócio, visam lucro. Se for necessário fazer algum corte de despesas, adivinha quem é o primeiro a ser sacrificado? O animal, obviamente, porque ele é quem vai ser literalmente sacrificado no final das contas, é esse o propósito maior de qualquer operação dessa natureza.
E aqui está o problema maior que talvez tenha passado despercebido para o ator: o animal como propriedade alheia, como produto, como coisa. Esse é o X da questão. Não estamos falando apenas de consumo, estamos falando de filosofia e ética. Ser dono de alguém é errado, é o maior afronto que qualquer ser vivo pode sofrer. Tratar uma entidade viva, com sentimentos complexos, um corpo que clama por liberdade e satisfação de seus instintos e de realizar suas paixões alegres, como diria o filósofo Spinosa, é uma forma de violência e de abuso. Assim como a homofobia, o racismo, sexismo e outros preconceitos são inaceitáveis, o especismo, que é o sistema ideológico que sustenta a falácia antropocêntrica, é uma aberração ética.
Então fica aqui a mensagem para Porchat: sim, é verdade que podemos comer carne. Somos onívoros. Sendo assim, temos a escolha. É comprovado cientificamente que o ser humano pode viver de uma dieta vegana em qualquer estágio de sua vida. A dieta vegana é tão variada quanto a imaginação do vegano. Hoje em dia, nas principais cidades do Brasil existem vários restaurantes veganos, dos mais simples aos mais gourmet, que surpreendem mesmo os paladares mais exigentes.
Ao invés do dilema, Porchat, escolha a certeza de que no seu prato não existe crueldade ou culpa. O que talvez ainda te impede de eliminar esses produtos de sua dieta é o apego, memórias afetivas, talvez um receio de ficar antissocial. Mas tudo isso é bobagem. Desapega e o problema estará resolvido.