A alimentação vegetariana é saudável e segura para crianças e há diversos estudos publicados na literatura científica sobre o assunto. No entanto, há muitos erros metodológicos nos estudos que condenam o vegetarianismo que só podem ser detectados ao lermos as publicações em sua integralidade.
Para exemplificar, uma parte da literatura científica sobre crianças veganas com problemas de crescimento e desnutrição foram decorrentes de uma comunidade espiritual chamada Black Hebrews.
O líder espiritual da seita determinou que as crianças que nasciam na comunidade deveriam ser amamentadas no peito até três meses de vida, quando o leite materno seria suspenso e a criança deveria receber suco de couve com maçã e uma mistura de água com grãos de soja liquidificados.
Esse tipo de conduta não é referente a uma dieta vegetariana, mas sim a uma ignorância no ato de conduzir a alimentação infantil. Fica claro que, nessa condição, caso a seita orientasse que houvesse caldo de carne no suco, o bebê ficaria desnutrido da mesma forma (e a criança não seria vegetariana), tendo em vista que o alimento que supre as necessidades do bebê até seis meses de vida é apenas o leite materno.
Na sua ausência, podem ser usadas fórmulas específicas desenhadas para lactentes. A retirada do leite materno (ou de fórmula específica substituta do leite materno) nessa implica em sério risco de desnutrição, pois não atende as necessidades do bebê.
Abaixo, explico como os principais nutrientes podem ser extraídos de uma dieta vegetariana.
Proteína
Não há deficiência de nenhum aminoácido nos alimentos de origem vegetal, e isso pode ser conferido nas tabelas de composição nutricional obtidas no Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. Infelizmente, as tabelas brasileiras ainda não permitem essa comparação. Não há problemas de absorção desses aminoácidos.
Para exemplificar a segurança da alimentação vegetariana, utilizando as diretrizes do Guia Alimentar da Sociedade Brasileira de Pediatria, montamos uma dieta de 1300 kcal para uma criança de 2 a 3 anos de idade. Uma simples substituição da carne dessa dieta por mais feijões, adicionando batatas (contêm pouca proteína) e óleos (não contém proteína), promove a ingestão de 42 g de proteína, mais do dobro do que é necessário à criança.
A lisina e a metionina, aminoácidos mais questionados quanto à segurança de uma dieta sem carne, serão ingeridos em quantidade 5 vezes maior do que a necessária.
Ferro
O crescimento rápido da criança leva ao gasto de ferro estocado no organismo, pois para aumentar o volume de sangue e músculos, por exemplo, o ferro é utilizado.
O uso do ferro como suplemento é feito rotineiramente dos 6 meses de vida até pelo menos 2 anos de idade, e preconizado para as crianças onívoras, segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria.
E é errado dizer que os vegetais têm menos ferro que os produtos animais. Por exemplo, em 100 g de carne vermelha magra há 1,9 mg de ferro, contra 4,2 mg que são encontrados em uma concha de feijão. Absorvemos 18% (0,34 mg) do ferro dessa carne e 10% (0,42 mg) do ferro desse feijão.
Por mais que a absorção do ferro seja maior na carne, a maior quantidade existente nos feijões supera a absorção obtida pela carne. Assim, a recomendação de ferro na infância (por via alimentar e por uso de suplementos) será a mesma para a criança vegetariana.
Zinco
O ácido fítico é o fator nutricional que mais atrapalha a absorção de zinco. Para reduzi-lo nos vegetais (especialmente nos feijões) basta deixar os grãos de molho em água por 8 a 12 horas. É fácil otimizar a absorção quando usamos o zinco de fonte vegetal.
Cálcio
É fornecido pelo leite materno. Quando seu uso não é possível ou desejado, será substituído por fórmulas específicas, desenhadas para bebês, que contêm esse mineral em ótimos níveis.
O cuidado com o cálcio para os que não utilizam leite é o mesmo para as crianças com alergia à proteína do leite de vaca e para as intolerantes à lactose.
Não se faz alarde a essa adequação na dieta dessas crianças e, da mesma forma, não há motivo de alarde para o cálcio numa dieta vegetariana sem laticínios, pois é fácil adequá-la.
Vitamina B12
É o único nutriente ausente no reino vegetal pois, até o momento, a B12 encontrada em alguns alimentos (como algas e alimentos fermentados) não conseguiu se mostrar ativa no organismo humano.
Sua suplementação pode ser importante na dieta vegetariana estrita – e é importante saber que cerca de 50% da população brasileira que come carne tem níveis corporais insuficientes dessa vitamina, o que torna os cuidados com os onívoros também muito importantes.
Ômega-3
Carne de boi e frango não são boas fontes de ômega-3 e, para piorar, são fontes de ômega-6 elongado (ácido aracdônico), que atrapalha a ativação do ômega-3.
Conseguir ômega-3 na dieta vegetariana é fácil, pois linhaça é uma ótima fonte. E para garantir que seu ômega-3 seja convertido para suas formas mais ativas, basta não ingerir ômega-6 em grande quantidade, o que se consegue evitando o consumo de frituras, alimentos muito processados e de óleos em grande quantidade nos alimentos.
Conclusão
A dieta vegetariana, inclusive estrita, pode ser adotada com segurança para crianças desde o desmame, com as devidas orientações, da mesma forma que são feitas para a criança onívora. Uma alimentação vegetariana desde a infância promove o uso de alimentos mais diversificados que a dieta onívora, assim como hábitos alimentares saudáveis que tendem a acompanhar a criança até a idade adulta, auxiliando na prevenção das doenças crônicas que mais causam morte nos adultos – como as doenças cardiovasculares, diabetes e diversos tipos de câncer.
*Eric Slywitch, 39 anos, é médico nutrólogo e diretor do departamento de medicina e nutrição da SVB (Sociedade Vegetariana Brasileira)
Fonte: Boa Informação