O desaparecimento de pássaros grandes, como tucanos e arapongas, tem consequências muito mais graves do que se pensava.
Pesquisadores brasileiros viram que o sumiço desses animais em pontos da Mata Atlântica pode afetar a evolução das árvores na floresta.
Isso acontece por um motivo aparentemente banal: como essas aves têm o bico grande, conseguem comer –e, consequentemente, espalhar sementes maiores.
Quando só restam as de bico pequeno, como o sabiá-una, só as sementes menores são dispersadas.
Essa mudança exerce pressão sobre a evolução das plantas. Cada vez mais, apenas as que têm sementes pequenas se reproduzem, levando as gerações seguintes a também serem assim.
“As sementes menores são menos resistentes à seca. Em alguns casos, basta uma redução de 20% na quantidade de água para que elas não germinem”, afirma Mauro Galetti, professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e líder do trabalho publicado na “Science”.
Com o aquecimento global, a tendência é que os períodos de seca se intensifiquem. Com a mudança das sementes, a floresta fica ainda mais vulnerável.
Há décadas estudioso da dinâmica de dispersão de sementes, Galetti aproveitou o extenso conhecimento e seu banco de dados sobre a palmeira chamada de palmito-juçara (Euterpe edulis) para desenvolver seu trabalho.
Ele e um grupo de cientistas analisaram diversos aspectos da planta em 22 áreas da Mata Atlântica no país.
O bioma é o mais afetado pelo desmatamento no Brasil, restando hoje só cerca de 12% da sua cobertura original. A maioria dessas áreas -quase 80%- está fragmentada demais para que as grandes aves frugívoras sobrevivam. Já as pequenas conseguem resistir mesmo em áreas menores.
Além disso, as aves grandes também sofrem com a caça e a captura.
“Há muito já sabemos que essas aves têm um papel importante. A novidade é que as mudanças estão acontecendo em um ritmo muito acelerado. E é uma mudança evolutiva, não só ecológica”, diz Galetti.
Segundo o pesquisador, o fato de o palmito-juçara ter um ciclo de vida mais rápido ajudou os cientistas a notar essa influência. No caso de árvores cujo desenvolvimento leva mais tempo, como as da floresta amazônica, demoraria mais para que o fenômeno fosse percebido.
Embora o trabalho tenha sido feito na Mata Atlântica, os pesquisadores não descartam que essas mudanças possam ocorrer também na Amazônia, uma vez que a queda no número de grandes aves é observada em vária regiões.
“Mesmo se as populações de grandes pássaros voltarem a crescer, já não há como alterar a questão das sementes, pois não haverá mais o genótipo da planta de semente grande para ser reproduzido. Pode ser, sim, um caminho sem volta.”
Fonte: Jornal Folha de S. Paulo