EnglishEspañolPortuguês

A delicadeza dos chimpanzés

21 de dezembro de 2015
5 min. de leitura
A-
A+

Dr. Pedro com César e Jimmy (Foto: Projeto GAP)
Dr. Pedro com César e Jimmy (Foto: Projeto GAP)

Se algo tenho aprendido em meu convívio de 15 anos com chimpanzés é apreciar a delicadeza que eles têm quando tratam semelhantes ou humanos que eles confiam.
Através de filmes, depoimentos, narrativas e até declarações de primatologistas que nunca tiveram a sorte de conviver com esses primatas, tem sido difundida a teoria de que eles são violentos, agressivos, intolerantes e até perigosos.
Confesso que em meus primeiros anos de vida em comum com os chimpanzés levei alguns sustos e tive pequenos acidentes.Porém, a relação mútua estava sendo construída e eles não me conheciam o suficiente, e eu também não tinha a habilidade necessária para compreendê-los.
Hoje, isso mudou e por isso decidi colocar no papel esta minha opinião, que pode ser considerada até exagerada por aqueles que não tiveram a minha vivência.
O chimpanzé sabe que ele é forte, muito mais que qualquer humano e pode machucar até sem querer. Mas com aqueles que confia, sabe comportar-se cuidadosamente e não faz brincadeiras que seu parceiro humano não possa acompanhar.
Nos chimpanzés que criamos desde pequenos e não têm nenhum resquício de loucura como os que chegaram adultos, sofridos e machucados pela ação humana, a delicadeza é ainda mais característica no tratamento conosco. O respeito que eles têm comigo não existe na relação entre humanos. Eles me veem como um pai e aceitam todas as nossas iniciativas e decisões sem nos rechaçar. Eu posso entrar e sair de um recinto, na frente deles, que não tentarão forçar a saída para escapar, que é um divertimento que todos procuram se tiverem a oportunidade.
Se eu cochilo quando estou dentro de um recinto com um grupo, ou com algum chimpanzé sozinho, não perturbam e aguardam pacientemente até que eu acorde, para brincar ou praticar o “grooming” comigo.
Dias atrás estava com Noel, que foi o segundo chimpanzé que chegou ainda bebê ao Santuário de Sorocaba, e dormi. Eles têm muita curiosidade por meus aparelhos de audição e Noel tirou um deles, sem me acordar. Deve ter brincado um pouco com o mesmo e o deixou depois junto a mim, sem estragá-lo.
Coisa parecida também tem acontecido com meu celular. Anos atrás eles terminavam abrindo e danificando-o. Hoje não mais. Se eles o roubam em algum descuido, é só pedir de volta que eles me devolvem.
Eles se preocupam muito com nossa saúde, se espirramos, tossimos ou se temos uma ferida, Se for em alguma parte que eles enxergam, querem vê-la e cuidar com sua saliva, que consideram miraculosa para curar ferimentos. No dia seguinte eles pedem para ver a ferida de novo e,até que esteja tudo OK, não sossegam em sua preocupação.
Dias atrás, Emílio, que é cabeçudo, decidiu ficar na área de cerca elétrica, a qual compartilha com Guga durante as manhãs em que estou no Santuário e durante dois dias não voltou para o recinto murado. Como castigo para que ele entendesse que a disciplina era importante, não o deixamos voltar para área de cerca, enquanto Guga ia. Quando ele percebeu que nós estávamos magoados com sua atitude e que minha esposa Vânia estava brincando com Guga, ele veio com um cacho de uvas, como agrado para dar para ela. Após esse dia não deixou de voltar para o seu recinto murado no horário habitual.
Tem alguns chimpanzés que eu não vejo sempre e às vezes até durante 2 ou 3 semanas, já que não estão em meu roteiro de trabalho diário no Santuário. Quando apareço para visitá-los, a alegria e o escândalo que fazem é inacreditável.
Me recordo uma vez quando Marcelino, filho de Tata e Peter, era ainda bebê, me pediu o boné e eu dei a ele. Quando Tata chegou, o viu com meu boné e o fez devolver, pensando que ele tinha roubado de mim. Eu terminei dando o boné de novo na presença dela para que soubesse que seu filho não tinha feito nada errado.
Tanto com César, como com suas irmãs – Sofia, Sara e Suzi, sempre os tirei dos recintos quando eram pequenos, para desfrutar de alguns minutos brincando na mata, ou na casa onde eles passaram seus primeiros meses de vida e sempre os levei de volta para sua mãe Samantha, ou seu pai adotivo Jimmy, sem que por isto eles achassem que eu os estava tirando de seu convívio, e a relação com os pais sempre manteve o mesmo nível de respeito e carinho.
Em casos de fugas, nestes 15 anos, quando estava presente, sempre acompanhei os fugitivos em suas andanças pelo Santuário visitando seus colegas, e os levei para seus recintos, usando diversos recursos ou enganos, e eles nunca colocaram em perigo a minha segurança. Na última fuga de Caco – há 10 anos não entrava no recinto dele – , ele me recebeu como um amigo e me pediu que o levasse de volta ao seu recinto, já que ele não conseguia pular o muro de volta.
Confesso que anos atrás, quando entrava nos recintos de alguns chimpanzés sentia algum medo de reações inesperadas. Porém, hoje eu me sinto mais seguro na companhia deles do que de muitos humanos. Os chimpanzés são muito sentimentais, sabem amar, odiar, ter ciúmes extremos e podem mudar de comportamento num piscar de olho. Mas quando eles te conhecem e confiam em ti, nunca ficarás em perigo com eles, já que sabem se controlar em seu espírito primitivo e espontâneo, e te dar a segurança que você aprecia quando fica com eles.

Você viu?

Ir para o topo