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PREVISÕES DO IPCC

Crise climática agravada pela pecuária pode intensificar secas e temperaturas extremas

O relatório "Climate Change 2021: The Physical Science Basis" revelou que o Brasil central pode sofrer um aumento da temperatura de 4 ou 5°C nas próximas décadas

9 de agosto de 2021
Mariana Dandara | Redação ANDA
6 min. de leitura
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Foto: Daniel Beltrá

Um estudo realizado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês), da Organização das Nações Unidas (ONU), alerta para o impacto humano, sobretudo através da agropecuária, na crise climática. As previsões da organização científico-política foram divulgadas em um relatório nesta segunda-feira (9) e abordam o risco de temperaturas extremas se manterem por dias consecutivos, além de alertar para tempestades, secas severas e inundações.

De acordo com os pesquisadores, a ação humana gerou um aumento de 1,07°C na temperatura do planeta. Pela primeira vez, o IPCC quantificou a responsabilidade da humanidade no crescimento da temperatura mundial. Referência mundial sobre aquecimento global, o pesquisador Paulo Artaxo considera que o “Brasil precisa olhar com muito cuidado as conclusões do relatório do IPCC”, já que o documento revela, dentre outras questões, que no “Brasil central o aumento da temperatura pode chegar a 4 ou 5°C nas próximas décadas”.

Denominado “Climate Change 2021: The Physical Science Basis”, o relatório faz previsões regionais e expõe projeções alarmantes para a América do Sul. Dentre elas, o crescimento na duração das secas no Nordeste do Brasil; o aumento no número de dias secos e na frequência de secas na região norte da floresta amazônica brasileira; o crescimento da quantidade de dias com temperaturas superiores a 35°C na Amazônia, que poderão ser de no mínimo 60 dias por ano até o final do século, com possibilidade de passar de 150 dias em um cenário extremo; regime de monções alterado no sul do território brasileiro da Amazônia e em parte do Centro-Oeste, com chuvas torrenciais em atraso; aumento das secas agrícolas e ecológicas no sul da Amazônia brasileira e também em parte do Centro-Oeste caso a temperatura global suba 2°C ou mais; crescimento da estiagem, da aridez e das queimadas no sul da Amazônia brasileira e em parte do Centro-Oeste; agricultura prejudicada, dentre outros setores.

Os pesquisadores alertam ainda para o aumento do nível relativo do mar no Atlântico Sul e no Atlântico Norte e relatam o crescimento superior à média global nesse segmento nas últimas três décadas. No Pacífico Leste, o crescimento foi inferior à média do planeta. O IPCC acredita que há grandes chances do aumento relativo do nível do mar permanecer nos oceanos ao redor da América Central e do Sul, o que levaria a um número maior de inundações costeiras em áreas baixas e recuo da costa em partes arenosas.

A situação da Amazônia é especialmente preocupante, já que a floresta tem deixado de ser um “sumidouro de dióxido de carbono” para se transformar em um emissor do gás como resultado do desmatamento provocado pela agropecuária.

“No caso brasileiro, não é tanto negacionismo climático, como se vê em outros países grandes como Estados Unidos e Austrália, mas sobretudo desconhecimento. As coisas muitas vezes são apresentadas como ocorrendo dentro da sua variabilidade natural, como sendo fruto do El Niño ou de alguma outra dinâmica que se tenta explicar, mas o que este relatório do IPCC reafirma é precisamente que o clima do planeta não está dentro da sua variabilidade normal”, afirmou à CNN o biólogo Mairon Bastos Lima, pesquisador no think tank sueco Instituto Ambiental de Estocolmo.

Agropecuária: emissões de carbono e desmatamento

Um relatório do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima, revelou que quase a metade das emissões de carbono brasileiras tiveram origem no desmatamento em 2019. O desmate, por sua vez, é realizado na maior parte das vezes pela agropecuária, que devasta florestas para transformá-las em pasto para bois e plantios de grãos para alimentar esses animais.

De 2004 a 2010, o Brasil havia registrado queda nas emissões decorrentes do desmate. A partir de 2021, aumentos voltaram a ser registrados. “Talvez haja menos um negacionismo e mais um receio em contar ao público brasileiro que mais de 70% das emissões brasileiras provêm da agropecuária ou do desmatamento. A agropecuária, por si só, mesmo excluindo as emissões pelo desmatamento, ainda emite mais do que toda a indústria brasileira e transporte somados”, acrescentou.

Foto: Corbari

Como o desmatamento infere no regime de chuvas por diminuir a evapotranspiração, é possível que a floresta entre num ciclo autodestrutivo. “Menos árvores, menos chuva, e se transformar numa savana. É o chamado ‘forest dieback’, que este relatório pela primeira vez explicitamente reconhece”, explicou Lima.

Diretor-executivo do WWF-Brasil, o engenheiro florestal Mauricio Voivodic lembra, no entanto, que zerar as emissões não é suficiente para o Brasil, que também precisa remover o gás presente na atmosfera. “E a floresta amazônica precisa ser protegida urgentemente, pois ela é um dos grandes sumidouros naturais de carbono do planeta. É necessário zerar o desmatamento e favorecer os serviços ecossistêmicos para reduzir nossa vulnerabilidade diante das mudanças climáticas”, comentou.

De acordo com Lima, “se passarmos do ponto de não-retorno no qual esse processo tem início, as consequências são gravíssimas”. “A Amazônia está diretamente envolvida no chamado Sistema de Monção da América do Sul, que gera as chuvas — das quais dependem muito da agricultura e das hidrelétricas brasileiras — do Sudeste e Centro-Oeste do Brasil de novembro a março. O relatório do IPCC aponta que esta região pode experimentar um aumento de temperatura até duas vezes maior que a média global. Então o problema diz respeito a nós muito diretamente”, acrescentou.

O aumento do nível do mar também gera preocupação nos especialistas. Segundo o físico Paulo Artaxo, pesquisador na Universidade São Paulo (USP), esse aumento pode chegar a até um metro nas próximas décadas. “Imagine o impacto em cidades como Santo, Rio de Janeiro, Recife e Florianópolis? O impacto no Brasil é enorme e somos nós quem temos as maiores vulnerabilidades”, alertou.

A crise climática também poderá gerar prejuízos severos à agricultura, o que refletirá nos preços dos vegetais, impactando vários outros setores, inclusive as despesas familiares dos brasileiros. “Diversas regiões da América do Sul vão experimentar o que chamamos de secas agrícolas e ecológicas. Isso quer dizer que eles preveem impactos em larga escala sobre a produção agrícola, quebras de safra e isso, obviamente, vai impactar em questões como inflação. Isso tem conexão com as preocupações de bancos em tentar regular os riscos climáticos, gerir os riscos climáticos. Porque isso pode afetar nossa estabilidade financeira e controlar alguns componentes da macroeconomia”, explicou à CNN Natalie Unterstell, presidente do think thank Talanoa e mestre em políticas públicas pela Universidade de Harvard.

A aprovação do PL da Grilagem, que beneficia invasores de terras públicas, e o desmonte ambiental promovido pelo governo federal também são alvos de críticas. De acordo com o pesquisador Leite Filho, o Brasil não pode manter a narrativa de que o desenvolvimento necessita de destruição florestal. “É importantíssimo a gente entender que é necessária a mudança de paradigma. O relatório fala que haverá um aumento de seca em várias regiões do globo, mas esses efeitos variam — em alguns pontos haverá aumento na precipitação; em outros, secas severas. Na bacia amazônica, a previsão é de secas fortes, a precipitação deve diminuir à medida que o mundo for se aquecendo”, pontuou.

“Como grande parte da fronteira agrícola do Brasil avança ali, em direção à floresta, precisamos verificar também o desmatamento, qual a responsabilidade que temos quanto a isso. Já há evidências de que a Amazônia emite mais CO2 do que é capaz de absorver, devido ao desmatamento”, concluiu.

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