EnglishEspañolPortuguês

HABITAT INÓSPITO

Corais: nova onda global de branqueamento já chegou ao Brasil e preocupa cientistas

12 de abril de 2024
6 min. de leitura
A-
A+
Foto: Sirachai Arunrugstichai/ GettyImages

Depois de ocorrências registradas em 2016, 2019 e 2020, uma nova onda global de branqueamento de corais está sendo detectada em várias partes do mundo. E, ao que tudo indica, ela será mais intensa do que as anteriores. Causada pelo aquecimento das águas do mar, no Brasil ela foi observada em fevereiro, primeiro na costa do Nordeste e depois na do Rio de Janeiro. Hoje, já há registros desde o Ceará até São Paulo.

Segundo o oceanógrafo Miguel Mies, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP), essa nova onda já era esperada. “Nós já sabíamos que ela iria ocorrer, porque temos dados de sensoriamento remoto em parceria com a NOAA, que é a agência de meteorologia e oceanografia norte-americana, que monitora a temperatura dos oceanos”, conta. “Nós imaginávamos que isso iria se manifestar no Brasil, como consequência do El Niño. Só estávamos esperando ver isso acontecer em campo.”

A extensão da nova onda de branqueamento está sendo mapeada por uma rede de pesquisa liderada pelo Projeto Coral Vivo, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), do qual Mies é coordenador de pesquisa. “A gravidade ainda é baixa, mas deve aumentar, visto que há previsão de elevação de temperatura”, explica o biólogo e doutor em Ecologia, Carlos Eduardo Leite Ferreira, da Universidade Federal Fluminense (UFF) e integrante da rede. “No Sudeste, especificamente em Arraial do Cabo, na semana do Carnaval, a temperatura da água chegou aos 28ºC e observamos que algumas espécies de corais em áreas rasas de praia branquearam parcialmente.”

Os corais vivem, em sua maioria, em regiões rasas tropicais. No Brasil, eles ocorrem desde o Maranhão até Santa Catarina, além das ilhas oceânicas de Abrolhos, Atol das Rocas e Fernando de Noronha. “É esperado o branqueamento este ano em todo o litoral brasileiro”, diz a oceanóloga Priscilla Teixeira Campos, coordenadora do Laboratório Interdisciplinar para Conservação da Vida (ConVida) da Universidade Federal de Sergipe (UFS). “Aqui no estado, demos o alerta em 6 de fevereiro, na primeira expedição realizada pelo nosso departamento.”

Ao pé da letra, branqueamento não seria a palavra exata para o fenômeno. Na verdade, os corais são animais invertebrados marinhos transparentes. O que dá cor a eles são as algas zooxantelas, com as quais vivem em simbiose. Elas ficam no tecido dos corais e, além da coloração, fornecem compostos orgânicos, dos quais eles se nutrem, produzidos durante a fotossíntese delas. Em troca, os animais fornecem a elas gás carbônico e nutrientes inorgânicos.

Em situações de estresse, como a causada pelo aumento da temperatura do mar, por exemplo, ocorre a expulsão das zooxantelas dos tecidos dos corais ou a destruição dos pigmentos fotossintetizantes delas. “Quando isso acontece, o que conseguimos ver é o esqueleto calcário dos animais, que é branco (como os nossos ossos)”, explica Campos. “No entanto, ao perder essas algas, o coral também perde boa parte de sua fonte alimentar, então fica fraco e suscetível a doenças e até à morte.”

Mies explica que a nova onda de branqueamento dos corais está relacionado ao fenômeno El Niño Oscilação Sul (ENOS), que ocorre, tipicamente, a cada seis, sete anos. “Ele tem três fases”, explica. “Uma em que superfícies do oceano esfria, conhecida como La Niña, uma neutra, que não resfria nem esquenta, e uma em que as águas ficam mais quentes, chamada El Nino. É este último que está ocorrendo aqui e agora, já tendo se manifestado no Hemisfério Norte, e agora no Sul.

De acordo com ele, trata-se de um fenômeno natural. “O problema é que atualmente o El Niño está se comportando de uma forma diferente, por conta das mudanças climáticas causadas pelo homem”, diz. “Ele está mais forte, mais intenso e duradouro e mais frequente. Agora, em vez de seis, sete anos, ele está acontecendo a cada cinco, mais ou menos.”

Mies explica ainda que, diferentemente da atual, a onda de branqueamento de 2019, não teve relação com El Nino. “Foi um fenômeno atmosférico local, em escala continental da América do Sul, no Brasil, no lado Atlântico, que bloqueou a chegada de frentes frias e que acumulou uma quantidade de calor absurda”, diz. “O que elas têm de similaridade é que aquela foi muito forte, historicamente nunca tínhamos visto algo como aquilo no Brasil, e a atual será tão intensa ou até mais.”

Para Campos, não se deve, no entanto, responsabilizar apenas o El Niño pelo branqueamento dos corais. “O aquecimento do oceano é um fator bastante estressante, sem dúvidas, apenas um ou dois graus é o suficiente para perturbar esses animais”, diz. “Mas atribuir o branqueamento apenas ao aumento da temperatura das águas, causado pelas mudanças climáticas globais, é cruzar os braços para nada ser feito diante da nossa impotência quanto à regulação do clima.”

De acordo com ela, os impactos mais severos sobre os corais são provocados pela ação humana. Entre eles, a pesquisadora cita a pesca predatória, a carcinicultura, o turismo desordenado, vazamentos de barcos a motor, resíduos sólidos e demais poluentes. “Podemos destacar também, a destruição e degradação em grande escala de hábitats naturais, a salinização do lençol freático de planícies costeiras, o despejo de efluentes com altas cargas de nutrientes, microplásticos, antibióticos e outros produtos químicos, além do escape acidental de espécies exóticas ou biotecnologicamente modificadas, que transmitem doenças aos estoques naturais”, acrescenta.

Campos inclui ainda o uso inadequado do solo, que aumenta o fluxo de sedimento; a poluição agrícola e doméstica e seus efluentes, o uso de fertilizantes e agrotóxicos, a exploração exagerada dos organismos recifais, principalmente para construção civil desde o Século XVII, além da destruição dos manguezais. “Podemos citar também como impactos antrópicos, a poluição em decorrência da instalação de projetos industriais e a exploração de petróleo”, diz. “No Nordeste, tivemos aquele grande derramamento de óleo em 2019. Não se sabe a consequência disso para esses organismos.

Além do papel que prestam para a biodiversidade marinha, os corais são fonte de recursos para o turismo, geram renda para comunidades costeiras, e ainda protegem as cidades litorâneas ricas nesse ecossistema da alta do nível do mar. Nesta semana, o BNDES lançou uma chamada permanente do Fundo Socioambiental do Banco para projetos destinados a contribuir com a recuperação e a conservação de recifes de corais rasos e bancos de corais brasileiros.

O objetivo da iniciativa de R$ 30 milhões é fortalecer a resiliência e contribuir com a diminuição de perdas e recuperação de recifes. Mas o investimento pode chegar a R$ 60 milhões, com a contrapartida dos parceiros que aderirem aos projetos. “Os recifes de corais representam para os oceanos o que as florestas tropicais representam para os continentes” disse a secretária nacional de mudança do clima do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Ana Prates.

Fonte: Um Só Planeta

    Você viu?

    Ir para o topo