O aumento de casos de cães com leishmaniose em centros urbanos veio acompanhado da busca por tratamentos ensinados por veterinários, mas proibidos pelo governo. Tutores que preferem não entregar seus cães à morte encomendam medicamentos do exterior, internam os animais e até contratam advogados para defendê-los.
“Ingressamos na clandestinidade, fazemos contrabando. É fora da lei, mas nunca me perdoaria de entregar meus animais antes mesmo de fazer uma tentativa de tratamento”, afirma um publicitário de Brasília.
A medida é condenada por autoridades sanitárias. “Não há nada que comprove que o cão tratado reduza o risco de contaminação. É um risco para pessoas que têm contato com o animal, principalmente as com sistema imunológico debilitado”, diz o veterinário da Vigilância Ambiental da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, Péricles Massunaga.
O advogado Sérgio Cruz especializou-se no assunto. Hoje defende tutores e presta assessoria à Associação Nacional dos Clínicos Veterinários. “Não nego que ganhei um bom dinheiro nesses anos. Mas argumentos não faltam. Não há nada na literatura que impeça tratamento e, além disso, as regras criadas pelo governo são frágeis”, diz.
No início considerada uma doença rural, a leishmaniose vem se expandindo para centros urbanos e hoje atinge 20 Estados. Até 2008, o mais comum era usar remédios indicados para humanos. Uma portaria assinada pelos ministérios da Saúde e da Agricultura, porém, proibiu a prática com a justificativa de haver risco de o parasita desenvolver resistência aos medicamentos.
Segundo a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, testes em laboratório mostram que o parasita facilmente dribla a ação dos remédios. Há um número limitado de drogas e não há perspectivas de que novos medicamentos estejam disponíveis a curto prazo. Segundo argumenta a secretaria, não sacrificar os animais infectados pode trazer consequências graves para a saúde pública, com a disseminação de parasitas mais resistentes.
“Isso é só teoria. Os remédios são usados em outros países sem problemas. Os únicos casos de resistência estão na Índia e a origem não é de tratamento em animais”, assegura o veterinário Vitor Mário Ribeiro, professor da Escola Veterinária da Pontifícia Universidade Católica de Minas.
“Com o controle da doença, o nível de protozoários na pele do animal sofre tamanha redução que impede a transmissão para o mosquito”, afirma Norma Labarthe, professora da Universidade Federal Fluminense.
Em Brasília, a leishmaniose em cães começou a aumentar a partir de 2008. Um inquérito feito no Lago Norte, área nobre da capital, mostrou que 18% dos 5 mil cães analisados estavam contaminados.
Na época, moradores que não queriam entregar seus animais para a Vigilância procuraram advogados, levaram animais para outros lugares ou mentiram, dizendo que o animal já havia morrido. “O maior risco é a transferência do animal. É assim que a doença se alastra. Não seria melhor permitir que o cachorro fosse tratado?”, questiona Norma.
Para Ribeiro, sacrificar os animais não resolve o problema. “O mosquito-palha continua lá. Passado um período, a família compra outro cachorro, que novamente vai se contaminar.” Ele lembra que, desde a década de 50, a prevenção do problema no País é feita por meio do sacrifício de cães, e nada adiantou.
Colocar nos cães coleiras repelentes, deixar o animal em local com tela ao entardecer e à noite, quando o mosquito-palha está ativo.
Fonte: Estadão