Por Cynthia Fernandez
Tradução de Ana Luiza Yoneda / Redação ANDA – Agência de Notícias de Direitos Animais
Há dois anos, enquanto documentava a atividade dos golfinhos-de-risso, notei um golfinho com uma coloração distinta. Ele era quase todo branco com áreas acinzentadas — um malhado. Por causa do cinza, o golfinho não era realmente albino, mas de qualquer forma era raro.
Eu assisti horrorizada enquanto o golfinho malhado, junto com outros de coloração normal, foram retirados da infame baía para serem despejados em um cativeiro no porto de Taiji, no Japão. Suas vidas mudaram para sempre e eles estavam destinados a viver aprisionados. O resto do pobre grupo foi morto.
Após alguns dias, fui checar o golfinho malhado e seu companheiro o máximo de vezes que consegui. Vi os treinadores jogarem lulas mortas nos cercados, e os pobres animais tinham que fazer o possível para sobreviver.
Observei-os sendo relocados para o Museu da Baleia de Taiji, escondido em um cercado atrás, onde eu não poderia enxergar muito bem. Infelizmente, tive que deixar Taiji, mas quando estava em um trem indo para o aeroporto, soube que mais um golfinho-de-risso distinto havia sido capturado. Dessa vez, um albino de verdade. Eu sabia qual seria o seu destino. Como vocês podem imaginar, eu deixei o Japão com um peso no coração.
No ano seguinte eu retornei a Taiji (2015), e fui direto para o Museu da Baleia de Taiji, para checar os golfinhos em cativeiro. Precisava ver com meus próprios olhos o que aconteceu com os golfinhos malhado e albino. Eu finalmente encontrei o malhado em um cercado junto com golfinhos nariz de garrafa. Não pude vê-lo muito bem, mas ele parecia agitado, não parava de se mover. Eu não sabia como ele estava e fiquei imaginando o porquê de ter sido separado dos outros golfinhos-de-risso.
Há alguns dias atrás, eu mais uma vez retornei a Taiji, como monitora da Dolphin Project Cove. Naturalmente eu estava ansiosa para ver como estava o malhado pelo qual eu senti uma conexão muito forte. Passei pelas piscinas na parte da frente, e na parte frontal da lagoa para ver o cercado dos golfinhos-de-risso.
Nada poderia me preparar para o que eu vi. Fiquei sem ar quando o encontrei. Aquele lindo animal estava cheio de cicatrizes de ancinho, grandes e pequenas, por quase todo o seu corpo. Algumas pareciam feridas abertas. Ele também possuía diversas lesões em volta da sua boca e aparentava ter sido espancado e estava ensanguentado.
Ele não foi apenas agredido sem dó, como também possuía uma espécie de problema de pele que fazia crescer calombos em diversas áreas do seu corpo. Enquanto eu tentava avaliar a sua situação, lágrimas caíam dos meus olhos. Entretanto, a coisa mais assombrosa foi a forma como ele olhava para mim. O pobre animal se ergueu na minha frente e olhou diretamente nos meus olhos. Não pude deixar de imaginar se ele sabia que eu estava com ele quando foi capturado e quis tão desesperadamente ajudá-lo. Seu olhar parecia um pedido de ajuda e partiu meu coração.
Eu me desculpei por não poder ajudá-lo e por tudo que minha espécie fez contra ele. Eu nunca vou entender como alguém pode achar que não há problemas em manter um golfinho em cativeiro, preso em um pequeno cercado com outros golfinhos frustrados. Não há como fugir quando um deles está sendo abusado, e não há escapatória dos ataques — um comportamento normal de um ser que está sendo preso contra a sua vontade. Como eu desejei que minha família nunca tivesse tentado migrar de Taiji, e que ele e sua família ainda estivessem nadando livremente no oceano. Enfrentei muito sofrimento aqui em Taiji, mas saber da profundidade de sua dor e se sentir impotente para ajudá-lo foi devastador.
Minha colega de monitoração, Alexandra Johnston, me mostrou outro animal que estava sofrendo — um golfinho nariz de garrafa, com cortes profundos em suas costas. Novamente, fiquei horrorizada. As lesões eram horríveis, e quando o golfinho se aproximou de nós no pier, implorando para que nós o déssemos algo, tive que me esforçar muito para eu não me abaixar e o confortar. Outros golfinhos nariz de garrafa apresentavam vários problemas de pele, e todos os golfinhos que documentamos passavam a maior parte do seu tempo nadando apáticos na superfície. Muitos atolavam seus rostos nas redes, o que os deixavam presos. O albino passava a maior parte do seu tempo no canto do cercado, pressionado contra a rede enquanto emitia diversos sons. Novamente, interpretei isso como um pedido de ajuda.
Antes que eu terminasse meu turno, retornei ao cercado onde estava o malhado. Seus calombos agora estavam roxos, cobertos de um tipo de remédio. Ele se ergueu perto de mim, e novamente, nos fitamos. Eu nunca vou esquecer o seu olhar e a culpa que senti por não poder ajudá-lo. Eu pedi para que ele tivesse força, e para que reagisse, para que os outros não abusassem tanto dele. Mesmo assim, enquanto eu dizia essas palavras, imaginava se a morte não seria a coisa mais humana para ele. Talvez assim, ele pudesse se juntar à sua família em um oceano livre de humanos e ser livre e selvagem por toda a eternidade.