No inverno, uma hiberna, a outra supõe-se que parte em migração. Na primavera e no verão encontram-se e partilham o mesmo condomínio. Segunda e última parte de uma expedição científica na Rota da Seda.
O relato que ouviu de um cientista estrangeiro, de visita a Portugal no ano passado, encantou-o tanto que quis ver se era verdade — e foi assim que Nuno Monteiro acabou numa pradaria na China, 2500 metros acima do nível do mar.
A história é esta: na pradaria de Bayanbulak, que fica num planalto da cordilheira Tianshan, na região chinesa de Xinjiang, existe uma espécie de marmota (roedor semelhante ao esquilo) que partilha a casa com uma ave durante a primavera e o verão. É por essa altura que ambas cuidam dos filhos que acabaram de nascer. Com a aproximação do inverno e da neve que cobre o planalto, a marmota hiberna na sua toca e a ave pensa-se que parte para terras mais quentes. Talvez até África.
Há agora uma planície de gramíneas, um rio que corre em meandros, cada vez mais fortalecido pelo degelo da neve, uma montanha em redor que continua branca nos picos, o sol que desponta pela manhã fria, a brisa que se sente no rosto, um casal de cisnes que pousa na água, uma única casa nesta parte da pradaria, com vista desafogada, onde vive um guardador de lobos — e no chão muitos buracos, as tocas das marmotas, que são roedores.
Nunca tal associação surgiu descrita num artigo científico, mas foi esse o relato que Nuno Monteiro ouviu a Ablimit Abdukadir, quando este investigador do Instituto de Ecologia e Geografia de Xinjiang visitou, em meados de 2009, o Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (Cibio) da Universidade do Porto.
“Relações tão próximas entre espécies tão distintas são raras. Envolvendo mamíferos, creio que não foram ainda descritas”, diz o biólogo do Cibio e docente de Parasitologia na Universidade Fernando Pessoa, no Porto.
“Achei a história apaixonante”, continua Nuno Monteiro. “Cresci vendo os documentários da BBC, invejando intensamente o David Attenborough pela sua capacidade de surgir entre a câmara e o mais exótico dos animais. Ouvia-o imediatamente a narrar a história desta amizade improvável, e achei que íamos para a frente com o projeto.”
Foram mesmo para a frente, ele e Albano Beja Pereira, zootécnico também do Cibio, e assim incluíram nos objetivos de uma expedição por Xinjiang, no coração da famosa Rota da Seda, o estudo da convivência entre uma marmota e uma ave.
Com informações do Ecosfera