O hábito de jogar medicamentos no lixo comum, na pia ou privada está contaminando a água, o solo e até o ar do planeta. Iniciativas que promovem a reciclagem e a logística reversa desses produtos têm crescido pelo país, mas ainda falta conhecimento do consumidor sobre a gravidade da situação e sobre como agir.

“Medicamentos são produtos químicos, que se espalham no meio ambiente. Eles contaminam o lençol freático – e essa água volta para a nossa casa”, alerta a farmacêutica Ingrid Zattoni, professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).

Um estudo da Universidade de York, na Inglaterra,  coletoi mais de mil amostras de 258 rios em 104 países. O material, publicado em fevereiro deste ano, aponta que foi encontrado pelo menos um derivado de medicamento foi encontrado em cada ponto. A maioria vinha de remédios para dor, antidepressivos e ansiolíticos.

Esse lixo tóxico chegou até rios de aldeias indígenas na Venezuela, que em geral não recorrem a esses produtos. Ou seja, os contaminantes seriam capazes de provocar danos à distância, assim por dizer.

Mesmo tratada, a água que chega para a população não estaria livre de todas as moléculas desses remédios. Agricultura, pecuária e até a água contaminada das chuvas também trariam resíduos de medicações.

Uma das consequências mais perigosas disso é o desenvolvimento de superbactérias. “Quando um antibiótico é descartado na natureza, ele mata as bactérias mais frágeis e faz uma seleção natural que dá espaço para que as mais fortes permaneçam”, explica o biomédico André Almo, co-fundador e atual colaborador projeto DescartUFF – Descarte Consciente de Medicamentos, da Universidade Federal Fluminense, em Niteroi (RJ).

Não são só eles. Os anticoncepcionais liberados no ambiente estariam provocando uma mudança de hábito sexual em peixes, o que afeta a cadeia alimentar em rios e mares. Antidepressivos e ansiolíticos também alterariam o comportamento de animais.

“Sabemos que um quilo de medicamento descartado no meio ambiente tem o potencial de poluir 450 mil litros de água”, afirma Giuliana Ortega, diretora de Sustentabilidade da RaiaDrogasil. Essa rede de farmácias é uma das que fazem coletas de medicamentos e embalagens.

O que dizem as leis?

O problema é de conhecimento das autoridades. A Política Nacional de Resíduos Sólidos, de 2010, descreve que a destinação correta de lixo é uma responsabilidade compartilhada entre a indústria e o varejo.  Só em 2020, no entanto, houve uma regulamentação específica para descarte de medicamentos, a partir do Decreto Federal nº 10.388.

Pelo texto, farmácias de municípios que abrigam mais de 100 mil habitantes devem ser as primeiras a ter dispensadores em suas lojas. Essa meta foi dividida em fases. A implementação e treinamento ainda estão em andamento, segundo cronograma relatado pelo governo.

Para a população, a recomendação é buscar esses ou outros locais na hora de jogar os remédios no lixo.

Iniciativas que já dão certo

Ainda não há um programa nacional que possibilite o descarte correto dos medicamentos em qualquer cidade do país. Hoje, universidades, ONGs e empresas privadas têm iniciativas isoladas.

A farmacêutica Ingrid relata que, em Curitiba (PR), já existe essa organização da prefeitura. “Existe um cronograma no qual a população encontra caminhões que param em pontos de grande circulação e retiram lixo tóxico domiciliar. Isso inclui os remédios e também embalagem de inseticida, de tinta, entre outros”, conta a professora da PUCPR.

Já o programa Descarte Consciente, desenvolvido pela BHS, empresa incubada no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec) da USP, atua em diversas frentes. Além de fazer a gestão desses resíduos, transforma o lixo coletado em estudos e pesquisas sobre o tema. Eles também estão iniciando um programa de incentivo para que lojas de animais de estimação recolham medicamentos veterinários.

Como é feita a reciclagem de medicamentos

Para que esses produtos químicos não cheguem à natureza, eles precisam ser incinerados. “Essas cinzas são destinadas a um aterro sanitário preparado para receber tóxicos”, completa Ingrid.

São considerados tóxicos os medicamentos e as suas embalagens primárias. “São aquelas que entram em contato direto com o remédio e, por isso, também tem o potencial de contaminação”, pontua André. É o caso, por exemplo, dos vidros que abrigam um medicamento em formato líquido.

Apesar de não serem tóxicas, vale considerar levar as embalagens secundárias (caixinhas) para os dispensadores, uma vez que elas podem ser recicladas. “Nosso objetivo é conseguir usar esse material fazer novas sembalagens, mas ainda não há estrutura para isso”, projeta Giuliana, da RaiaDrogasil.

O que descartar nos dispensadores para medicamentos

. Remédios que não foram consumidos até o fim, sejam eles vencidos ou não
. Cartelas, vidros e embalagens de pomada – elas entram em contato direto com os fármacos e também são tóxicos
. Caixinhas e bulas podem ir para a reciclagem comum de papel, mas também são recebidas por esse esquema de descarte
. Farmácias não podem receber objetos cortantes, como seringas e canetinhas de insulina. Esses devem ser levados ao posto de saúde mais próximo

Como fazer o descarte correto de medicamentos

Grandes redes de farmácias e alguns postos do Sistema Único de Saúde (SUS) recebem fármacos e suas embalagens. O site e-Cycle tem um sistema que ajuda o consumidor. Basta escrever a palavra medicamento na busca e o CEP de sua casa. Além de pontos de venda privados, a página indicada AMAs e UBs que estão preparadas para receber esse material.

O site da rede RaiaDrogasil também disponibiliza endereços mais próximos de coleta em sua rede própria.

A rede Extrafarma anunciou que suas lojas terão dispensadores de remédios e embalagens até o fim de agosto.

Fonte: Veja saúde