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CONFLITOS

Como as guerras pioram a crise climática e por que os governos devem ser cobrados por isso

Tem crescido a quantidade de críticas e estudos sobre como os conflitos armados geram milhares de toneladas de emissões de gases de efeito estufa e desviam atenção e recursos financeiros de ações climáticas

25 de março de 2024
Letícia Klein, para Um Só Planeta
10 min. de leitura
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Foto: Ilustração | Freepik

Quando pensamos na lista de causas das mudanças climáticas, dificilmente a palavra guerra vem à mente. Camufladas entre os outros fatores por conta da falta de transparência de dados militares, as forças armadas e suas cadeias de abastecimento são responsáveis por 5,5% das emissões globais de gases de efeito de estufa, estima estudo do Observatório de Conflitos e Meio Ambiente (CEOBS), organização não-governamental britânica que trabalha para aumentar a consciência e a compreensão das consequências ambientais e humanitárias derivadas de conflitos e atividades militares. Se o setor militar global fosse uma nação, teria a quarta maior pegada de carbono do mundo, maior do que toda a Rússia, diz o relatório.

Outro estudo, que contabilizou as emissões da guerra entre Rússia e Ucrânia, avalia que 18 meses de guerra geraram 150 milhões de toneladas de carbono equivalente (tCO2e), o que se equipara às emissões anuais de um país altamente industrializado como a Bélgica. “O principal resultado do nosso estudo sobre danos climáticos é que as emissões de gases estufa [vindas da guerra] são significativas”, afirma o pesquisador Lennard de Klerk, autor do estudo, em entrevista ao Um Só Planeta.

Durante conflitos armados, são diversas as fontes de emissões, segundo o pesquisador: as próprias atividades militares (como transporte e lançamento de bombas), incêndios em florestas, terras agrícolas e áreas urbanas, movimento de refugiados, além da reconstrução pós-guerra. No caso do conflito russo-ucraniano, a sabotagem dos oleodutos Nord Stream, que conectam a Rússia e a Europa via Mar Báltico, e as proibições do espaço aéreo, que exigiram desvios de voos e uso adicional de combustível, também consta na lista de fontes de emissões.

A guerra da Rússia na Ucrânia – em andamento desde fevereiro de 2022 – destruiu ou causou danos em casas, escolas, hospitais e outras instalações públicas essenciais, deixando milhares de pessoas sem acesso à água, eletricidade e assistência médica, além de provocar danos ambientais significativos, como a destruição da barragem de Nova Kakhovka, em junho do ano passado, considerada um dos maiores desastres industriais e ecológicos da Europa nas últimas décadas.

“Um dos impactos da guerra é que as florestas estão sendo derrubadas para fins militares (fazer trincheiras), mas também servem de lenha para os residentes que precisam aquecer as suas casas na ausência de aquecimento regular. Isso só levará a mais emissões.” A reconstrução da Ucrânia também aumentará a quantidade de emissões: segundo o estudo, o pós-guerra responde por 40% das estimativas totais de gases gerados, devido à alta demanda de cimento e aço.

As repercussões ambientais serão sentidas por um longo tempo. “Os conflitos armados têm uma vasta gama de impactos diretos e indiretos, que podem afetar todos os componentes do ambiente em diferentes escalas temporais e espaciais”, afirma Doug Weir, diretor do CEOBS, em entrevista ao Um Só Planeta. “Os impactos diretos podem incluir danos físicos aos ecossistemas através, por exemplo, do uso de força explosiva ou de incêndios. Os efeitos indiretos podem manifestar-se através de mudanças socioeconômicas, por exemplo, alterações na utilização dos recursos e no enfraquecimento da governação ambiental e da proteção que esta proporciona.”

Em somente dois meses, a guerra entre Israel e a organização palestina Hamas na Faixa de Gaza – em andamento desde o último outubro – gerou emissões superiores às taxas anuais de 20 países e territórios individuais, segundo estudo publicado na Rede de Pesquisa em Ciências Sociais. As 281 mil toneladas de dióxido de carbono geradas em dois meses de conflito – uma combinação de bombas, foguetes, artilharia e carregamentos de munições entregues por aviões de carga – equivalem ao funcionamento anual de 75 termoelétricas a carvão.

A pesquisa calcula que o custo de carbono de reconstruir os 100 mil edifícios danificados em Gaza, utilizando técnicas de construção contemporâneas, gerará pelo menos 30 milhões de toneladas de gases estufa, quantidade equivalente às emissões anuais da Nova Zelândia e superior a de outros 135 países e territórios, incluindo Sri Lanka, Líbano e Uruguai. Entre 36% e 45% dos edifícios de Gaza, incluindo casas, escolas, mesquitas, hospitais e lojas, foram destruídos ou danificados.

Em entrevista ao jornal inglês The Guardian, com quem compartilharam em primeira mão os resultados, os pesquisadores afirmaram que a situação ambiental em Gaza é catastrófica. As consequências climáticas, incluindo a subida do nível do mar, a seca e o calor extremo, já ameaçavam o abastecimento de água e a segurança alimentar na Palestina, mas, agora que muitas das terras agrícolas e das infra-estruturas energéticas e hídricas foram destruídas ou poluídas em Gaza, as implicações para a saúde serão devastadoras nas próximas décadas.

“Este estudo é apenas um retrato da pegada militar mais ampla da guerra, uma imagem parcial das enormes emissões de carbono e dos poluentes tóxicos mais amplos que permanecerão muito depois do fim dos combates”, disse Benjamin Neimark, professor na Universidade de Londres e coautor da pesquisa, ao jornal.

Como evitar e minimizar os danos da guerra?

 

Os efeitos de longo prazo de conflitos armados, especialmente os relativos à reconstrução, podem sim ser minimizados por meio de métodos de absorção de dióxido de carbono, ações aceleradas de mitigação climática e o evitamento de emissões futuras.

O estudo sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia afirma que muitas florestas morrerão no devido tempo e não conseguirão se recuperar naturalmente, sendo necessário o reflorestamento e a implementação de outras soluções baseadas na natureza para acelerar o sequestro de carbono. Outras duas formas de mitigar as emissões são por meio da implantação acelerada de energias renováveis na Ucrânia e via uma reconstrução de baixo carbono, com alternativas ao cimento e ao aço e o uso de materiais de base biológica, afirma Lennard.

Para Doug, do CEOBS, “as oportunidades para minimizar o impacto dos conflitos no ambiente incluem uma melhor formação militar e respeito pelo ambiente, maior monitoramento e visibilidade do meio ambiente durante os conflitos e novos mecanismos para aumentar a responsabilização pelos danos ambientais”. Este último pilar inclui os esforços mais amplos de descarbonização que as forças armadas e suas cadeias logísticas precisam fazer, e isso começa por divulgar as suas emissões de gases de efeito estufa.

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