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Cineasta comenta sobre como o cinema pode ser um grande aliado à causa animal

28 de setembro de 2013
9 min. de leitura
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Cineasta Fiori Vonière

Fiori Vonière tem 28 anos é protetora de animais e cineasta independente. Estudou Cinema e Vídeo pela Faculdade de Artes do Paraná e participa de produções cinematográficas atuando na direção de arte, fotografia e, principalmente, montagem.

Sempre ligada aos animais, conheceu um grupo de protetores do projeto Natureza em Forma de São Paulo, há oito anos, e a partir dessa experiência começou a adquirir conhecimento e proteger animais com mais consciência. Nesse período foi se envolvendo cada vez mais com a causa e decidiu que usaria o audiovisual para promover discussões pelo direito animal.

Em entrevista exclusiva para a repórter da ANDA, Natália Prieto, Fiori aborda questões como a utilização de animais no cinema, o retorno das pessoas com documentários do gênero e seus próximos projetos.

ANDA – Fiori, no filme “Quanto Custa” você aborda a relação de itens de consumo humano à comercialização da vida animal. Por que a escolha desse tema?

Fiori Vonière – A importância que nossa sociedade atribui ao dinheiro é uma questão que me intriga em todas as esferas. Dinheiro se tornou a medida de tudo. Seres humanos e animais têm uma etiqueta de preço tanto quanto objetos. Já vi anúncios de pessoas querendo trocar seu cachorro por Ipods, e nesses casos o anunciante sempre coloca o preço de mercado da raça do animal para mostrar que ambos os produtos têm o mesmo valor. Já que o brilho nos olhos do cão que ama seu tutor mais que a própria vida não pode ser monetizado, este não tem valor algum.

Quando se decide despedir um funcionário não são consideradas questões humanas, mas financeiras. Todos nós temos um preço, e para sobreviver somos obrigados a vender aos projetos dos outros a maior parte do nosso tempo. Acredito que a comercialização da vida animal é só mais um reflexo da desvalorização da vida pelo capital, porém, é uma pratica totalmente possível de ser combatida em curto prazo por meio da conscientização. A população não pode decidir chutar a bunda do chefe e ir pra casa brincar com os filhos, mas pode decidir adotar um animal ao invés de comprar um.

ANDA – Você afirma que seu novo projeto, “A morte de um cão”, foi inspiração de uma experiência no passado. Conte-nos um pouco a respeito dessa experiência.

Fiori Vonière – Quando nos deparamos com uma nova realidade sentimos todos os problemas sociais, mas com o tempo nos acostumamos. Por observação notei que até as pessoas mais sensíveis não percebem os animais sofrendo nas ruas, isso acontece por estarem há anos treinando os olhos para não ver. Então decidi que a melhor maneira de fazer o espectador rever essa realidade era recriar o mesmo processo interno que despertou.

Na época eu morava num pensionato no centro de São Paulo, e três cachorras foram abandonadas quando minhas vizinhas se mudaram, todas infestadas de sarna e duas estavam prenhas. Durante uma semana eu observei as cachorras na rua, com fome e com medo por terem sido deixadas à própria sorte. Morria de preocupação, mas achava que não havia nada que eu pudesse fazer. Fui observando a reação de todos ao redor e ao final de uma semana meu sentimento havia passado de tristeza para revolta. Eu não acreditava que ninguém iria fazer nada. Mal conseguia dormir pensando nelas, era impossível ignorar, já que não saíam da porta da pensão. Um dia, quando as mães cozinhavam o almoço com as portas abertas, uma das cachorras farejou o ar e sua enorme barriga, cheia de bebês, roncou. O olhar dela expressava o medo que devia estar sentindo do futuro. Nesse momento percebi como as cachorras estavam completamente sujeita à boa vontade de alguém, e que ninguém iria fazer nada. Tomei coragem e recolhi as três. Com o filme busquei esse momento, onde o espectador para de se indignar porque os outros não agem, e decide que ele mesmo gostaria de poder fazer alguma coisa. Por que ele pode.

ANDA – A situação de Paçoca, a cachorra do filme “A morte de um cão”, nos faz refletir, entre tantos temas, sobre a indiferença das pessoas com os animais abandonados. Como foi o relacionamento entre vocês durante o trabalho e quais suas impressões deste cenário durante as gravações?

Fiori Vonière – Quando a vi, Paçoca estava enroscada na porta da universidade, esquelética e fraca, enquanto dezenas de estudantes bem nutridos comiam suas coxinhas. Pedindo informações descobri que ela já estava ali havia três meses, definhando. Minha vontade era correr na cantina e acabar logo com aquela tortura, pelo menos momentaneamente, mas decidi que, pelo bem de outros cães abandonados, Paçoca passaria fome por mais algumas horas. As gravações da fase do abandono duraram apenas um dia, graças ao profissionalismo da menina. Na gravação evitei ao máximo olhar diretamente para ela, só olhava através da lente. Os animais são muito sensíveis, sentem a preocupação nos nossos olhos. Se Paçoca sentisse minha ânsia em ajudá-la poderia estragar o filme. Mas ela foi uma verdadeira atriz. Andava de um lado para outro encenando sua rotina, e ignorando completamente que atrás dela havia uma maluca se contorcendo no chão em busca de bons planos.

Em momentos cruciais, mesmo eu estando colada nela, nem olhava para a câmera e agia como se eu não estivesse ali. Muitas vezes Paçoca refazia ações, me dando a chance de gravar uma mesma cena de ângulos diferentes. No dia seguinte fizemos a cena da morte, resgatamos e corremos para a clínica. Por todo o tempo tive a impressão que Paçoca sabia exatamente o que estávamos fazendo ali, e o que ela deveria fazer para atingirmos nosso objetivo, mas quando assisti o material que havíamos gravado, essa impressão virou certeza.

Durante as filmagens a indiferença das pessoas apareceu de maneira inusitada, muitos colegas da faculdade de cinema olhavam com desdém o meu esforço para fazer planos de um cachorro. Uns, com as sobrancelhas franzidas, perguntavam o que eu estava fazendo como quem não vê ali nada de importante a ser filmado. Um funcionário disse “que cachorro chique, vai virar artista, queria ser chique como ele”, e já sem nenhuma paciência eu respondi “chique? se um dia eu te encontrar definhando de fome eu faço um filme”. Porém, após alguns meses tive a prova do poder do cinema. Numa mostra universitária pude observar as mesmas pessoas que assistiram inertes Paçoca definhar, chorarem como crianças ao se depararem com o sofrimento dela durante apenas 12 minutos na telona.

ANDA – O “Resgate Seu Amigo” é um trabalho de continuidade de seu último filme. Como ele tem ajudado as pessoas a respeito da causa animal?

Fiori Vonière – Lancei o site há pouco tempo, mas o retorno que tenho recebido já é grande. Os grupos de proteção animal têm elogiado bastante, e isso é muito importante para que eu mesma acredite no potencial do projeto. Teve uma parte do público que se mostrou muito entusiasmada com a quantidade e qualidade das informações. Recebi retorno de pessoas que afirmaram terem aprendido muito e mudado a maneira de pensar. Recebi relatos de quem já usou as informações na prática, tendo se sensibilizado e resgatado o animal que encontrou em sofrimento. Muitas pessoas me disseram que apesar do tamanho dos textos, leram o site todo em uma tacada só. Mas o que considero o mais interessante foram os “retornos involuntários”, estou percebendo uma súbita conscientização por parte de conhecidos, que de uma hora para outra mostraram interesse em castrar seus animais, soltaram discursos de respeito com informações obviamente adquiridas no site, o que mostra que essas pessoas não apenas o acessaram, mas que o leram por inteiro.

ANDA – O que você acha dos documentários e filmes que usam animais?

Fiori Vonière – Já assisti filmes incríveis na Mostra Internacional de Cinema pelos Animais, porém, estes têm a proposta clara de ser uma ferramenta em prol dos animais, realizados por ativistas que lutam pelos seus direitos. Nos filmes que não têm essa proposta, a maioria das vezes os animais são apenas mais um objeto de cena, que são alugados, emprestados ou comprados, usados para atingir os objetivos estéticos e dramatúrgicos, e então devolvidos, revendidos ou mortos, muitas vezes até durante as cenas. Nesses casos, o uso de animais no cinema é apenas mais uma faceta do uso de animais para entretenimento, como circos, zoológicos, rinhas, rodeios etc. Arte é sensibilidade, pode e deve representar a dor e a morte, mas uma obra que produz dor e morte, ou que usa de exploração para atingir uma proposta estética, para mim não é arte, pois perdeu a razão. Acredito que o cinema, assim como todas as artes, tem o dever de dar exemplo de sensibilidade e compromisso social.

ANDA – Como o cinema pode ajudar a causa animal?

Fiori Vonière – O cinema tem a capacidade de pegar uma experiência de vida, uma verdade ignorada ou uma tese complexa e transformá-las num produto consumível por todo tipo de pessoas, podendo atingi-las em um nível mais profundo com questões que muitas pessoas não teriam acesso de outra maneira. A arte esta na base das grandes transformações sociais. Tudo que é verdadeiramente arte produz alguma coisa, sentimentos, questionamentos etc. O cinema tem grande capacidade de sensibilizar, pode recriar o homem e a sociedade, quando bem realizado é capaz de desligar a chavinha da razão no espectador, para ser entendido na profundidade do espírito. Por tanto, acredito que quando realizado com responsabilidade social, o cinema pode nos ajudar a construir a sociedade que almejamos, servindo a todas as causas justas.

ANDA – Quais são os seus próximos projetos?

Fiori Vonière – No momento estou gravando um curta-metragem sobre idosos abandonados para inscrever na Mostra Animal que vai acontecer em novembro, e até o final do ano espero conseguir alguma empresa vegana como anunciante para o Resgate Seu Amigo, pois quero investir esse dinheiro na divulgação do projeto.

ANDA – Como enxerga o papel da ANDA dentro do ativismo animal?

Fiori Vonière – Admiro demais o trabalho da ANDA e acompanho há muito tempo. É uma agência incrível, muitas vezes me pergunto como vocês conseguem estar sempre a par de tudo. Hoje temos Caderno Animal em vários jornais, mas além de não serem tão bem informados e conscientes, acredito que se não fosse os anos de trabalho da ANDA estes cadernos nem existiriam. Além dessa parte das notícias, tenho admiração especial pelas colunas, onde pessoas inteligentíssimas colocam seus neurônios para pensar política, arte e filosofia pelos animais. Quando decido fazer um filme, escrever um texto, ou até mesmo discutir no Facebook, recorro a ANDA como principal fonte de pesquisa. Sou muito grata a vocês por disponibilizarem um material tão completo e útil.

Para saber mais sobre seu trabalho: http://resgateseuamigo.com.br/

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