Alex Blyth achava que sua empresa tinha uma estratégia genial para reinventar o tratamento do câncer. Ao examinar a imunidade dos poucos sortudos que não tinham histórico familiar da doença, a Lift Biosciences descobriu um tratamento potencial para destruir tumores em todos os outros. Então, a terapia celular teve um problema: não funcionou quando foi testada em camundongos.
A má notícia veio quando Blyth estava prestes a assinar uma rodada de captação de fundos de mais de 20 milhões de libras (R$ 124 milhões) para sua empresa de biotecnologia sediada em Cambridge, na Grã-Bretanha. Os investidores ficaram abalados com os dados negativos do estudo pré-clínico e, de repente, ele só conseguiu levantar 5 milhões de libras, com uma avaliação mais baixa.
Mas a cientista-chefe da Lift, Oxana Polyakova, recorreu a uma nova tecnologia que replica um tumor humano em miniatura em uma placa de laboratório: um tumoroide. Quando usada no tumoroide, a droga “destruiu totalmente” o câncer, diz Blyth, a ponto de o paciente estar em remissão completa.
“Isso mostrou que tínhamos algo que realmente funcionava. Os investidores ficaram entusiasmados: eles tinham acabado de entrar na rodada mais baixa”, diz ele. “Eu não estava tão emocionado.”
Blyth se sentiu obrigado a confiar na maneira tradicional de testar uma droga em animais para convencer os reguladores a deixá-lo iniciar um teste em humanos da terapia inovadora. Mas os glóbulos brancos dos camundongos consumiram a terapia, então ela não teve a chance de funcionar, enquanto a terapia podia sinalizar para os glóbulos brancos humanos para não tocá-la. “O camundongo não reconhece essa linguagem humana”, diz ele.
Os experimentos com animais têm sido a única maneira permissível de testar se um medicamento é seguro e eficaz antes de fornecê-lo a pessoas na fase de testes clínicos. Mas sua confiabilidade irregular é demonstrada pela baixa taxa de produtividade da indústria: muitos medicamentos eficazes em camundongos não funcionam bem em humanos e vice-versa. No câncer, as estatísticas são especialmente duras: estudos mostraram que os tumoroides são cerca de 80% preditivos da eficácia de um medicamento, superando em muito a taxa média de precisão de 8% em modelos animais.
À medida que os cientistas aprendem melhor como a biologia humana funciona, eles começam a entender a falta de confiabilidade dos modelos animais. A busca por alternativas se acelerou porque terapias inovadoras, baseadas em genes e células humanas ou mesmo personalizadas para pacientes, podem não funcionar em animais.
Embora não existam números confiáveis para a maior parte do mundo sobre testes e experimentos em animais, as estimativas sugerem que o total global é de mais de 100 milhões, com poucas mudanças nos últimos anos, diz Kerry Postlethwaite, diretora de assuntos regulatórios do grupo de pressão Cruelty Free International.
Os países europeus publicam estatísticas detalhadas e, no Reino Unido, os pesquisadores realizaram 3,06 milhões de procedimentos em animais em 2021, um aumento de 6% em relação a 2020, embora bem abaixo do pico de 4,14 milhões alcançado em 2015.
Acadêmicos e empresas farmacêuticas esperam que a tecnologia baseada em células humanas os ajude a eliminar ratos e macacos de seus laboratórios.
MARCO CIENTÍFICO
O termo genérico para o novo campo é sistemas microfisiológicos (MPS na sigla em inglês), que inclui tumoroides, organoides e órgãos-em-chip.
Os organoides são cultivados a partir de células-tronco para criar tecido 3D em uma placa que se assemelha a órgãos humanos em miniatura; os organoides do coração batem como os reais, por exemplo. Órgãos-em-chip são blocos de plástico equipados de células-tronco e um circuito que simula a mecânica de um órgão.
“Precisamos nos afastar dos animais de maneira sistemática”, diz Salim Abdool Karim, principal especialista em doenças infecciosas da África do Sul. “Isso envolve os reguladores receberem dados que mostrem que os sistemas biológicos não animais nos darão informações compatíveis, se não melhores.”
Nathalie Brandenburg cofundou a startup suíça Sun Bioscience em 2016 para criar versões padrão de organoides, o que torna mais fácil confiar que os resultados sejam comparáveis e convencer cientistas e reguladores a usá-los. “Quando começamos, tínhamos que dizer às pessoas o que eram organoides”, diz ela, referindo-se ao estágio inicial de sua jornada de pesquisa.
“Precisamos nos afastar dos animais de maneira sistemática. Isso envolve os reguladores receberem dados que mostrem que os sistemas biológicos não animais nos darão informações compatíveis, se não melhores”.