Esqueça os ratos de laboratório. Alguns pesquisadores já estão testando medicamentos num chip de silício que pode oferecer melhores informações sobre como um remédio ou tratamento funcionam.
Esses cientistas estão construindo “órgãos num chip”, unindo as células importantes que compõem, por exemplo, um pulmão, e em seguida imitando suas principais funções. Os pesquisadores então fazem testes para ver qual o impacto de uma possível droga sobre esse sistema semelhante a um pulmão, criado num chip de apenas alguns centímetros de comprimento.
As empresas estão começando a experimentar a nova tecnologia, sobretudo em seus processos internos de decisão, já que os órgãos reguladores da saúde ainda não autorizaram seu uso para decidir se uma dada substância pode entrar em testes com seres humanos.
Nos laboratórios da Merck & Co. em Boston (farmacêutica conhecida fora dos Estados Unidos como Merck Sharp & Dohme), os pesquisadores estão tentando usar microchips projetados para se assemelhar a um pulmão doente, na busca por um novo tratamento para a asma.
Os cientistas da empresa querem ver se esse “pulmão num chip” pode ajudá-los a compreender melhor a biologia da asma e identificar substâncias promissoras para remédios, diz Don Nicholson, que supervisiona a pesquisa de medicamentos para doenças respiratórias da Merck.
Se os esforços como esses da MSD derem frutos, os laboratórios podem dispor de uma nova e poderosa ferramenta e evitar o desperdício de milhões de dólares pesquisando substâncias que não terão sucesso.
O pulmão num chip demonstra a viabilidade do conceito, diz Christopher Austin, diretor do Centro Nacional para o Avanço das Ciências Translacionais, que faz parte dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos e está ajudando a financiar projetos para replicar diversos tecidos e órgãos.
“Futuramente, teremos um sistema de 10 órgãos reunidos”, diz Michael Shuler, presidente do departamento de engenharia biomédica da Universidade Cornell, no Estado de Nova York.
Por enquanto, a tecnologia ainda está em estudos. Os reguladores ainda não estão prontos para eliminar a exigência de testes em animais ou outros métodos atuais para determinar se uma molécula promissora parece segura e eficaz o bastante para ser testada em pacientes.
As farmacêuticas ainda estão analisando os dados iniciais, enquanto vários laboratórios tentam desenvolver chips que imitam as funções dos rins, fígado e outros órgãos.
“Ainda é necessário muito trabalho antes que esses sistemas possam substituir nossos métodos atuais para avaliar a segurança e a eficácia de um medicamento. Mas o potencial existe”, diz Douglas Throckmorton, vice-diretor de regulamentação científica na divisão de medicamentos da FDA, a agência americana que regulamenta os remédios e alimentos.
O pulmão num chip não recria tudo que um pulmão faz, mas reproduz muitas de suas funções importantes. Consiste numa tira transparente de borracha de silicone, mais ou menos do tamanho de um cartão de memória, com minúsculos canais ocos pelos quais o ar e os fluidos podem passar. Esses canais são divididos por uma membrana flexível, cujos lados são revestidos com paredes de tecido pulmonar humano e células de vasos sanguíneos.
Tal como ocorre na respiração, as paredes das células podem relaxar e se contrair, graças à sucção. Como num pulmão vivo, o ar flui sobre as células do pulmão humano que revestem um dos lados da membrana, enquanto um fluido que mimetiza o sangue passa pelos capilares sanguíneos do outro lado.
Pesquisadores do Instituto Wyss para Engenharia Inspirada na Biologia, da Universidade Harvard, revelaram o pulmão num chip em 2010. Eles o infectaram, introduzindo bactérias junto às células pulmonares, e depois viram as células imunológicas migrarem para o local e atacarem as bactérias, tal como acontece no órgão real.
Os pesquisadores também introduziram no pulmão artificial num chip uma doença que dificulta a respiração, o edema pulmonar.
“Podemos realmente imitar respostas complexas de órgãos”, diz Donald Ingber, diretor fundador do Instituto Wyss.
Em colaboração com o Instituto, a farmacêutica GlaxoSmithKline GSK.LN -3.36% PLC testou os efeitos de uma possível droga sobre um pulmão humano doente recriado num chip, e descobriu que este replicava a resposta observada em modelos de edema pulmonar em cães, camundongos e ratos.
A GlaxoSmithKline está explorando agora como usar o invento para avaliar a segurança e eficácia de outras substâncias respiratórias, diz Kevin Thorneloe, veterano cientista da Glaxo.
Essa validação desperta a esperança de que os órgãos em chips melhorem o processo de descoberta de drogas. Apenas uma em cada 10.000 substâncias descobertas em laboratório acaba sendo aprovada para utilização em pacientes, geralmente após mais de uma década de pesquisa e desenvolvimento e dezenas de milhões, quando não centenas de milhões de dólares em investimentos, de acordo com estudos.
As limitações dos animais como substitutos para pacientes humanos são uma grande motivação para as pesquisas. As doenças animais não reproduzem fielmente a asma, por exemplo, que é uma doença exclusivamente humana, diz Nicholson, da MSD. Os modelos animais não reproduzem a constrição das vias aéreas e todas as outras características da doença.
“Já descobrimos ótimos mecanismos capazes de controlar a asma num animal”, diz ele. “E a maioria deles fracassou” nos seres humanos.
A MSD planeja configurar o pulmão num chip de modo a assemelhar-se aos pulmões de alguns pacientes predispostos geneticamente à asma, diz Nicholson. A farmacêutica quer explorar as diferenças biológicas entre esses pulmões doentes e os saudáveis.
A MSD também quer investigar os efeitos que os possíveis mecanismos das drogas possam exercer sobre os pulmões doentes.
A divisão de neurociência da AstraZeneca AZN.LN -4.07% PLC está em negociações para usar um microchip que simula o fígado, fabricado pela Hurel Corp., firma de capital fechado. Ela deseja fazer alguns testes para ver com que rapidez uma molécula é metabolizada, diz Doug Burdette, um dos dirigentes da pesquisa da AstraZeneca.
A informação é útil para descobrir qual a dose necessária para que uma substância proporcione um benefício, evitando efeitos colaterais indesejados.
Fonte: The Wall Street Journal