Nascida em 14 de junho de 1844, a britânica Charlotte Despard foi uma ativista política, sufragista, pacifista e defensora dos direitos dos animais. Ela acreditava que não era certo defender os direitos das mulheres e dos trabalhadores e ao mesmo tempo ignorar o fato de que animais eram explorados e mortos em grandes quantidades para atender vícios alimentares humanos. Além disso, fazia ferrenha oposição à vivissecção. O que a levou para o vegetarianismo foi o trabalho do poeta romântico britânico Percy Shelley, defensor do vegetarianismo ético e autor dos ensaios “A Vindication of Natural Diet” e “On The Vegetable System of Diet”. Mais tarde, o posicionamento de Charlotte a favor da não violência não apenas contra seres humanos, mas também contra animais, ganhou força após um encontro com Mohandas Gandhi em 1909.
A ativista britânica tinha tudo para levar uma vida tranquila sem se preocupar com os interesses dos menos desafortunados, fossem eles animais humanos ou não; isto porque ela era de uma família de classe alta, e em 1870 casou-se com um homem igualmente abastado – Maximilian Carden Despard, um empresário anglo-irlandês que tinha negócios no Oriente. Porém, viver imersa nessa realidade, ignorando o que acontecia com quem não tinham tais privilégios, não era o seu ideal de vida.
Após a morte do marido em 1890, ela se engajou cada vez mais em causas sociais e políticas. Seus olhos se abriram completamente para a realidade da pobreza e do sofrimento dos seres humanos e dos animais. Em 1892, ela foi eleita para compor o Kingston Poor Law Board, em Londres, supervisionando as condições de vida dos trabalhadores assalariados. Na região Sul de Londres, ela ficou chocada com a realidade das mulheres. Foi isso que a fez enxergar com maior rigor a importância do sufrágio feminino, inclusive se tornando uma das ativistas mais importantes do movimento – sendo presa duas vezes no distrito londrino de Holloway.
Charlotte se tornou sufragista em 1900, um ano depois que se converteu à teosofia. Em 1907, fundou a Women’s Freedom League, uma organização que lutava pelos direitos das mulheres e dos animais, com ações ilegais não violentas. O seu engajamento era tão grande que ela passou os primeiros cinco meses após a fundação da liga percorrendo a Inglaterra em uma caravana, encontrando membros, buscando filiações e dando palestras aos apoiadores. À frente dessa liga, a ativista britânica montou oficinas para a produção de roupas para a população carente e abriu restaurantes vegetarianos em Londres e em algumas províncias. As roupas confeccionadas pela WFL eram projetadas por Charlotte.
Ela também criou bancos de leite materno, clínicas de maternidade e um albergue sem qualquer custo onde as crianças poderiam se hospedar por até três meses enquanto suas mães se recuperavam de um parto ou alguma doença. A Women’s Freedom League, liderada por Charlotte, promovia a alimentação vegetariana e administrava um hospital com 50 leitos que ela construiu com dinheiro do seu próprio bolso. Além disso, fundou o Despard Arms em Hampstead Road, em Londres, um local onde eram servidas refeições e bebidas não alcoólicas.
A WLF possuía um jornal que visava atrair apoio para a causa sufragista. Intitulado “The Vote”, também ajudava a divulgar o vegetarianismo. Um exemplo é uma foto de uma edição de 1910 em que a senhora Agnes Leonard, secretária honorária da filial de Sheffield, aparece preparando um jantar vegetariano – sendo apontada como uma “perita em culinária vegetariana”. Esse registro é um exemplo de como Charlotte Despard promovia o vegetarianismo na Liga dos Direitos das Mulheres. Em janeiro de 1911, ela financiou a palestra “A Ética da Reforma Alimentar”, de Dan Hamilton, um vegetariano bastante respeitado à época.
“Perto do final de 1912, a filial de Edimburgo informou que uma demonstração extremamente interessante de culinária vegetariana foi dada por Miss MacDonald (de Glasgow), assistida por membros da Sociedade Vegetariana de Edimburgo”, registrou Leah Leneman, na página 272 da obra “The awakened instinct: vegetarianism and the women’s suffrage movement in Britain”, publicada pela Universidade de Edimburgo, no Reino Unido, em 1997. A senhora MacDonald era membro da organização fundada por Charlotte Despard.
Como pacifista, a ativista britânica criou o grupo Women’s Peace Crusade, ou A Cruzada das Mulheres pela Paz, e fez campanha contra a Primeira Guerra Mundial e a Guerra dos Bôeres. O que mais a incomodava era o recrutamento de jovens para a guerra, porque sabia que muitos deles eram vulneráveis e miseráveis sem qualquer entendimento do que os aguardava. Charlotte entendia que a guerra trazia ainda mais desgraças para os mais pobres, porque aqueles que morriam na guerra sempre deixavam algum familiar desolado, desamparado ou à mercê da própria sorte – ou azar. Nesse período, ela fez franca oposição ao seu irmão John French, que era chefe do Estado-Maior do Exército Britânico e comandante da Força Expedicionária Britânica.
Charlotte Despard também era muito ativa no Partido Trabalhista inglês e foi selecionada como candidata por Battersea North em 1918, recebendo um terço dos votos. Uma das marcas inconfundíveis da ativista britânica era uma mantilha de renda preta que ela usava o tempo todo. Sempre se vestia com simplicidade, usando somente roupas pretas e sandálias. Ao longo de décadas, organizou e participou de muitas manifestações e protestos – falando inclusive para multidões de homens, não apenas de mulheres. Ela era abertamente uma anti-vivisseccionista – lutava pelo banimento das experiências com animais em laboratórios, considerando esse tipo de prática um ato de crueldade contra seres vulneráveis. Em 1931, ela se tornou vice-presidente da Sociedade Vegetariana de Londres, um ano depois que foi convidada a ingressar no Conselho Executivo do Congresso Mundial da Fé.
Em 1921, Charlotte se mudou para a Irlanda, mas continuou viajando por Londres e por toda a Europa fazendo ativismo. Na década de 1930, com mais de 90 anos, ela ainda participava de manifestações antifascistas. Charlotte Despard, a ativista que defendia os direitos das mulheres, dos trabalhadores e dos animais – na realidade, dos desafortunados em geral, independente de tipo e espécie, faleceu em 10 de novembro de 1939 aos 95 anos em sua casa perto de Belfast, na Irlanda do Norte – depois de mais de 50 anos de ativismo.
Referências
Leneman, Leah. The awakened instinct: vegetarianism and the women’s suffrage movement in Britain. Página 272. Universidade de Edimburgo, Reino Unido (1997).
Linklater, Andro. For Mrs Despard. An Unhusbanded Life. Londres (1980).
Charlotte Despard. Women Working for Peace. Peace Pleadge Union Project. The Men Who Said No.
Charlotte Despard. Battersea Arts Centre. Digital Archive.
Charlotte Despard. The Open University. Making Britain.