Há alguns anos, quando ainda era a primeira-dama dos Estados Unidos, Laura Bush saudou os albatrozes de Laysan por se engajarem em compromissos de longo prazo. Lindsay C. Young, uma bióloga que estuda uma colônia dessas aves em Kaena Point, no Havaí, me disse o seguinte, quando estive lá:
– Eles são supostamente ícones da monogamia: um macho e uma fêmea. Mas eu não diria que o que você está vendo é um casal formado por um macho e uma fêmea.
Lindsay estuda os albatrozes de Oahu desde 2003, e eles foram o foco do seu doutorado na Universidade do Havaí. Ao longo do trabalho, a pesquisadora e seus colegas descobriram, quase incidentalmente, que 1/3 dos pares existentes em Kaena Point consiste de duas aves fêmeas, e não um macho e uma fêmea.
Os albatrozes de Laysan são uma entre várias espécies de animais em que os dois sexos parecem idênticos. Mas a maior parte dos casais de fêmea-fêmea de Kaena Point está junto há quatro, oito ou até 19 anos – ou até onde os registros existem. Esses pares de fêmeas incubam juntos os seus ovos e passeiam juntos na frente de todos os outros animais – que poderiam ser chamados de “héteros” – da colônia.
Mas Lindsay nunca usa o termo “casais héteros”, da mesma forma como ela se recusa a chamar essas duplas de “lésbicas”. E diz que não se sente confortável em fazer algum tipo de julgamento se aquilo, tecnicamente, pode classificá-las como lésbicas ou não. Até porque essa questão não faz sentido para o seu trabalho.
– Lésbicas é uma expressão humana – diz Lindsay, uma pesquisadora tão brilhante quanto cautelosa. – O estudo é sobre albatrozes, não sobre humanos.
Uma descoberta como esta pode ser desorientadora para a maior parte dos biólogos que trabalham no campo, caso eles levem esse assunto a sério, o que tradicionalmente não tem sido o caso. Várias formas de atividade entre animais do mesmo sexo já foram registradas entre mais de 450 espécies diferentes, de flamingos a bisões, de besouros a porcos selvagens.
Artigo gera ataque de conservadores
Na maior parte dos casos, esse tipo de observação tem sido relatado em estudos científicos como uma curiosidade, e não como um tema que mereça maiores análises. Biólogos tentam explicar o que veem como um ato isolado e sem sentido dentro do elegante universo darwiniano, no qual todas as faces do comportamento animal são dirigidas para a reprodução das espécies. Um primatologista chegou a sugerir que dois orangotangos faziam sexo oral entre si por motivos nutricionais.
Nos últimos anos, porém, mais cientistas estão olhando de forma objetiva para esse tipo de comportamento – e tratando dele como ciência. Para Lindsay, a existência de tantos casais de fêmeas albatrozes colocou abaixo preconceitos que ela nem sabia que tinha e levantou uma série de perguntas cada vez mais complicadas. Uma delas é como os cientistas vão conseguir falar disso, já que vivemos ansiosamente tentando comparar o sexo entre os animais com o nosso próprio.
– Essa colônia tem a maior proporção de… não sei o termo para isso… “animais homossexuais”?… do mundo – afirma ela. – Sei que algumas pessoas vão gostar de saber isso, enquanto outras não.
Sua precaução faz sentido. Há dois anos, Lindsay escreveu um artigo sobre esses pares de albatrozes fêmeas:
– Fomos cautelosos, apenas reportando o que vimos.
Mas a revista na qual o artigo foi publicado, “Biology Letters”, mandou resumos para a imprensa, dias depois de a Califórnia ter legalizado o casamento gay. Às 6h do dia seguinte, um repórter da Fox News ligou para Lindsay. A reportagem que se seguiu rendeu à pesquisadora comentários de que estava fazendo “ciência de propaganda, da pior espécie”.
Um senador disse que ela estava jogando no lixo o dinheiro público (embora suas pesquisas não sejam bancadas pelo governo). Um grupo gay pediu que ela pusesse uma bandeira com as cores do arco-íris em cada ninho, em “solidariedade”. Ainda hoje, a primeira coisa que todos perguntam a Lindsay – às vezes a única coisa que perguntam – é o que os albatrozes podem dizer sobre nós.
– Não respondo a essas questões – diz ela.
Fonte: O Globo