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COMUNICAÇÃO

Baleias-jubartes transmitem seus cantos pelos oceanos

Cientistas tentam descobrir o motivo da cantoria, que percorre milhares de quilômetros em apenas dois anos

3 de setembro de 2022
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Baleia-jubarte salta em águas do Equador; pesquisadores descobriram que baleias na Austrália passam suas canções a outras na Polinésia Francesa; e essas, por sua vez, transmitem a outras no Equador – Ellen Garland/NYT

Uma das coisas mais notáveis de nossa espécie é a rapidez com que a cultura humana é capaz de mudar. Novas palavras podem espalhar-se de um continente a outro. Tecnologias como celulares e drones transformam o modo como as pessoas vivem em todo o mundo.

Ficamos sabendo agora que as jubartes, ou baleias-corcundas, têm sua própria evolução cultural de alta velocidade e longo alcance, e não precisam de internet ou satélites para isso.

Num estudo publicado na terça-feira (30/08), cientistas descobriram que os cantos de jubartes são transmitidos facilmente de uma população de baleias para outra, atravessando o oceano Pacífico. Um canto pode levar apenas dois anos para percorrer milhares de quilômetros.

Ellen Garland, bióloga marinha da Universidade de St. Andrews, na Escócia, é uma das autoras do estudo. Ela disse que ficou estarrecida ao descobrir baleias na Austrália transmitindo seus cantos a outras baleias na Polinésia Francesa, que, por sua vez, transmitiam seus cantos para baleias no Equador.

“Hoje metade do globo está vocalmente conectado pelas baleias”, ela disse. “É incrível.”

É até possível que os cantos percorram o hemisfério Sul inteiro. Estudos preliminares de outros cientistas estão revelando baleias no oceano Atlântico aprendendo cantos de baleias do Pacífico oriental.

Cada população de jubartes passa o inverno nos mesmos locais de reprodução. Ali os machos cantam canções submarinas em alto volume, que podem ter duração de até meia hora. Os machos no mesmo local de reprodução cantam uma melodia quase idêntica. E de um ano até o ano seguinte, o canto da população vai evoluindo gradualmente até se converter numa nova melodia.

Garland e outros pesquisadores trouxeram à tona uma estrutura complexa presente nesses cantos, algo que se assemelha a uma língua. As baleias combinam sons curtos, que cientistas chamam de unidades, para formar frases. Então combinam as frases para formar temas. E cada canto é composto de vários temas.

Ellen Garland, bióloga marinha da Universidade de St. Andrews, prepara microfone para gravar os sons das baleias no recife de Moorea, na Polinésia Francesa – M.Michael Poole/NYT

As jubartes macho às vezes mudam uma unidade em seu canto. De vez em quando acrescentam uma nova frase ou eliminam um tema. Os outros machos então copiam o que foi feito. Essas modificações embelezadoras levam o canto da população a evoluir gradualmente, resultando em melodias drasticamente distintas de uma população a outra.

O biólogo marinho Michael Noad, da Universidade de Queensland, descobriu que o canto de uma população de baleias pode ocasionalmente sofrer uma alteração grande e repentina. Em 1996 ele e seus colegas notaram que uma baleia macho na costa leste da Austrália desistira da canção local e começara a cantar uma melodia que correspondia a uma cantada anteriormente na costa oeste do país.

Em dois anos, todos os machos da costa leste estavam cantando esse canto. O estudo de Noad foi o primeiro a descobrir esse tipo de revolução cultural ocorrendo em qualquer espécie animal.

Garland fez seu doutorado com Noad no início da década de 2000, gravando cantos de jubartes em áreas de reprodução situadas mais a leste no oceano Pacífico. Quando comparou os cantos, ela descobriu o mesmo padrão flagrado por Noad: canções cantadas no leste da Austrália apareceram dois anos mais tarde na Polinésia Francesa, a 9.500 quilômetros de distância.

Depois de publicar essa descoberta inicial, em 2011, Garland continuou a gravar os cantos de jubartes nos mesmos locais de reprodução. E ficou curiosa para saber se os cantos estavam se disseminando para o leste pelo Pacífico.

Uma oportunidade para descobrir isso surgiu quando os biólogos marinhos Judith Denkinger e Javier Oña, da Universidade de San Francisco de Quito, no Equador, se ofereceram para colaborar. Eles estudam jubartes que se reproduzem na costa do Equador.

Cientistas descobriram que a transmissão das canções entre as baleias demonstra uma rápida evolução cultural da espécie – Judith Denkinger/via NYT

Para seu novo estudo, Denkinger e Oña gravaram jubartes entre 2016 e 2018. No mesmo período, Michael Poole, biólogo marinho do Programa de Pesquisas com Mamíferos Marinhos na ilha de Moorea, na Polinésia Francesa, gravou os cantos de baleias ali.

Os cientistas montaram microfones submarinos ancorados que podiam gravar os sons de baleias de passagem. Além disso, seguiram as baleias de barco, enfiando microfones na água para capturar seus cantos.

Em 2016 e 2017, as duas populações de baleias tinham canções nitidamente diferentes. Mas em 2018 houve uma revolução: as baleias do Equador estavam incluindo temas da Polinésia Francesa em suas canções.

Os cientistas relataram suas descobertas na terça-feira no periódico Royal Society Open Science.

Elena Schall, pesquisadora pós-doutoranda no Instituto Alfred Wegener, em Bremerhaven, Alemanha, e não envolvida no estudo, disse que têm visto alguns padrões semelhantes no oceano Atlântico. Baleias jubartes ao largo do Brasil e da África do Sul vêm adotando temas gravados previamente na costa do Equador.

 

Fonte: Folha de SP

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