Por Fátima Chuecco (da Redação)
Podemos dizer que no planeta Terra é assim: nós (humanos) de um lado e o resto (as demais espécies animais) do outro. Ninguém sabe de onde veio o sentimento de superioridade que acompanha o homem desde os primórdios de sua existência, mas todos sabem o quanto isso é marcante em nosso mundo. Já houve época em que os humanos (ainda não tão humanizados assim) disputavam comida e abrigo com feras (e até com certa desvantagem já que eram bem menos fortes que outros bichos). Aliás, em toda sua trajetória na Terra, talvez aquele tenha sido o único momento de humildade vivido pelo homem. Sua vida era dura, perigosa e curta.
Mas do tempo das cavernas para cá algo mudou o comportamento do homem. O desenvolvimento de sua inteligência acelerou mais que em outras espécies e, graças a isso, ele passou a entender que teria direito de explorar e escravizar qualquer outro animal. E uma das explorações mais cruéis é a vivissecção (contaminar, mutilar e manter sob tortura constante animais saudáveis, com o pretexto de obter curas para males que afligem os humanos). Cobaia não tem vida, mas sofrimento contínuo. E enquanto os laboratórios estão recheados dessa dor, o homem finge não enxergar que para um animal ter medo, angústia e desespero não é preciso um QI elevado. Basta estar vivo.
Vacina que não é vacina
Recentemente os brasileiros celebraram uma possível vacina contra a Aids. Grande parte da mídia, no entanto, não explorou a notícia com profundidade. Eufóricos com possíveis bons resultados todos preferiram pensar que o sofrimento das cobaias é apenas “um mal necessário”. O macaco rhesus, usado para o desenvolvimento da vacina, não desenvolve a doença embora possa ter o vírus. Então os pesquisadores vislumbraram nele a chance de criar um antídoto. Metodologia semelhante já vem sendo aplicada em humanos que contraem o vírus, mas parecem ter uma defesa natural contra a doença.
Em setembro, pesquisadores do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração (Incor/HC-USP) começaram um teste piloto em quatro macacos. A ideia é obter um método de imunização eficaz para ser testada, posteriormente, em humanos. A primeira fase da pesquisa dura oito meses. Depois outros 24 macacos serão usados para testar várias fórmulas da vacina. O tempo esperado de conclusão está entre 24 e 48 meses para os quais são necessários investimentos de R$ 200 milhões. Só então a vacina será testada em humanos que não apresentam o vírus.
No entanto, em entrevista ao Jornal O Estado de São Paulo, Edécio Cunha Neto (líder do grupo de pesquisa) explica que a vacina não vai evitar que a pessoa se contamine com o HIV, mas vai criar resposta imune prévia e, se um dia ela se contaminar, seu sistema imunológico já estará preparado para combater o vírus: “Na prática isso prolongaria o tempo para início do tratamento com o coquetel anti-HIV e reduziria drasticamente as chances dessa pessoa transmitir o vírus. Se a vacina funcionar, o número de casos novos de Aids diminuirá consideravelmente. Enquanto não existe uma vacina com anticorpos totalmente neutralizantes, essa seria a melhor solução”.
O possível fim dos testes em animais
Claro que todos queremos curas para as doenças. Não queremos sofrer e nem ver as pessoas que amamos sofrendo. Mas a medicina e também a indústria cosmética já têm acesso a vários meios que poupam cobaias. O que falta é investimento e mudança de cultura. Uma das descobertas mais geniais dos últimos tempos é a córnea artificial desenvolvida por pesquisadores japoneses no National Institute of Agrobiological Societies. Trata-se de uma membrana de colágeno ultrafina que permite o cultivo de células que, por sua vez, recriam a córnea humana.
Essa córnea mostrou-se mais eficiente que os olhos dos animais para detectar produtos tóxicos. Os resultados são mais específicos e próximos ao que aconteceria ao olho humano submetido as mesmas substâncias. E o melhor: a metodologia pode ser aplicada com células de qualquer parte do corpo, da pele aos órgãos internos, aposentando de vez os testes em animais que, inclusive, são bem mais caros que os testes in vitro.
“Do ponto de vista ético, é absolutamente injustificável o (ab)uso psicológico e físico de animais não humanos em experimentações científicas ou educacionais. E do ponto de vista científico, é de um grande obscurantismo continuar explorando animais. Contamos hoje com métodos substitutivos eficazes para quase todas as experiências como modernos processos de análise genômica e sistemas biológicos in vitro, culturas de tecidos, cordões umbilicais ou placentas. Vacinas também podem ser fabricadas a partir da cultura de células humanas”, comenta a jornalista Silvana Andrade, fundadora e presidente da ANDA, Agência de Notícias de Direitos Animais.
Palavra dos mestres da pesquisa
Segundo afirmou na época, o Dr. Albert Sabin, pesquisas em animais prejudicaram o desenvolvimento da vacina contra a pólio. A primeira vacina contra a doença teve bons resultados em animais, mas acabou provocando a morte de pessoas que receberam a aplicação. Sabin reconheceu que o fato de haver realizado pesquisas em macacos Rhesus atrasou em mais de 10 anos a descoberta da vacina.
“Cientistas renomados e que deixaram contribuições importantes para a Ciência declararam profundo arrependimento em ter usado macacos Rhesus e chimpanzés em testes”, afirma Silvana. O Dr. Christian Barnard, médico que fez o primeiro transplante de coração em humanos, disse: “Comprei dois chimpanzés machos que viveram em jaulas separadas, uma perto da outra, por muitos meses, até que usei um deles como doador de coração. Quando nós o sacrificamos, em sua jaula, em preparação para a cirurgia, ele gritava e chorava incessantemente. Não achamos o fato significante, mas isso deve ter causado grande trauma no seu companheiro, pois, quando removemos o corpo para a sala de operação, o outro chimpanzé chorava copiosamente e ficou inconsolável por dias. Esse incidente me tocou profundamente. Jurei nunca mais fazer experimentos em criaturas tão sensíveis”.
O Último Teste
A esperança é que nas sociedades futuras todo esse sofrimento ocasionado pela vivissecção seja absolutamente desnecessário. Enquanto isso não ocorre podemos sonhar e ir plantando sementes para um mundo em que animais humanos e não humanos vivam num mesmo patamar de respeito e dignidade. O livro “O Último Teste”, recém-lançado no Brasil, toca nessa questão dentro de uma trama fictícia, de muita ação e, especialmente, convidando à reflexão. O autor, Ricardo Laurino, ativista da causa animal e coordenador da Mostra Internacional de Cinema pelos Animais, de Curitiba (PR), fala dos mecanismos e resultados dos testes em animais em vários trechos da obra.
Mas a parte mais intrigante e surpreendente do livro é o dilema de um cientista defensor de animais as voltas com aquele que seria “o último teste”, ou seja, um “teste libertador” que convenceria a humanidade por definitivo a não usar mais outros animais como cobaias. Uma solução talvez antiética para conduzir à ética. Algo que, inclusive, já deve estar nas pranchetas e nos laboratórios de alguns cientistas. Um teste cujo resultado ousaria calar a humanidade fazendo-a descer de seu pedestal. Um teste que forçasse o homem a reconhecer que a terra não pertence unicamente a ele e que os demais animais não estão aqui para servi-lo.