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PLANEJAMENTO

Políticas de gestão de risco ainda são insuficientes para limitar impacto de efeitos climáticos extremos

Se o segundo evento for mais intenso do que o primeiro, o impacto tende a ser maior para a população quando a gestão de riscos deixar de projetar casos extremos

22 de outubro de 2022
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Sistema Cantareira, que abastece cerca de 9 milhões de habitantes da Região Metropolitana de São Paulo, durante a seca de 2014             Foto: ALSP

Os impactos de eventos climáticos extremos têm crescido em vários países, principalmente em razão do aquecimento global. Estudos estimam que os danos econômicos com inundações podem duplicar no mundo e com secas triplicar na Europa e na China caso a temperatura média da Terra aumente 2 °C. Com isso, políticas de gestão de risco para desastres ambientais têm ganhado cada vez mais importância.

Uma pesquisa com a participação de 91 cientistas de vários países, incluindo o Brasil, publicada na revista Nature jogou luz sobre essa discussão. O grupo analisou uma série de eventos climáticos registrados nas últimas décadas no mundo e mostrou que a gestão de risco reduz os efeitos de inundações e secas, mas tem alcance limitado para minimizar impactos de ocorrências seguidas com magnitudes ainda maiores.

De acordo com o trabalho, se o segundo evento for mais intenso do que o primeiro, o impacto tende a ser maior para a população quando a gestão de riscos deixar de projetar casos extremos, como o transbordamento de rios ou o rompimento de diques e reservatórios, e/ou estiver baseada apenas em episódios anteriores.

“A gestão de riscos ambientais tem de ser revisitada e vista como um nicho de oportunidades reais. O caminho é desafiador e cheio de oportunidades, como no caso do Brasil”, afirma à Agência FAPESP Eduardo Mario Mendiondo, professor do Departamento de Hidráulica e Saneamento da Escola de Engenharia de São Carlos, da Universidade de São Paulo (EESC-USP), e coautor do artigo.

Mendiondo é pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas Fase 2 (INCT-MC2), que é apoiado pela FAPESP. Também é mentor do Water-Adaptive Design & Innovation Lab (WADILab) e faz parte de dois Núcleos de Apoio à Pesquisa (NAPs) da USP: Incline (Interdisciplinary Climate Investigation Center) e Ceped (Centro de Estudos e Pesquisas sobre Desastres no Estado de São Paulo).

O estudo foi liderado pela pesquisadora Heidi Kreibich, do Centro Alemão de Pesquisas em Geociências (GFZ, na sigla em inglês), localizado em Potsdam (Alemanha). Ela é coordenadora do movimento Panta Rhei, da International Association of Hydrological Sciences (IAHS), uma organização científica da hidrologia que completou cem anos em 2022. O movimento buscou na última década construir alianças regionais e internacionais para dar uma visão mais integrada, multidisciplinar e inclusiva da coevolução de sistemas hidrológicos e sociais, como nos sistemas descentralizados de abastecimento de água.

No mapa estão localizados os eventos climáticos extremos analisados no estudo. Crédito: Kreibich, Heidi et al/Nature

Abrangência

Na pesquisa global, foram analisados dados de 45 pares de eventos de inundações ou secas extremas registradas na mesma área com intervalo médio de 16 anos entre um e outro. São 26 eventos pareados de cheias e 19 de secas em diferentes contextos socioeconômicos e hidro climáticos de todos os continentes, que ocorreram entre 1947 e 2019. Um dos objetivos foi verificar como fatores envolvidos no risco se alteraram entre o primeiro e o segundo episódio extremo e seus impactos subsequentes.

No caso do Brasil, os pesquisadores da EESC-USP desenvolveram estudos no sistema de abastecimento de água da Região Metropolitana de São Paulo, incluindo o do Alto Tietê e o da bacia do Sistema Cantareira. “O sistema de São Paulo, apesar de envolver rios menores se comparados a de outras regiões, como a Amazônia, tem uma relevância enorme não só pela grande quantidade de moradores atendidos como pela sinergia envolvendo vários setores. Ao trazer novos olhares, o estudo promove soluções participativas, descentralizadas e mais duradouras”, explica Mendiondo.

Em São Paulo, os cientistas destacam que a construção de reservatórios para conter efeitos de secas é fundamental para a segurança hídrica. Porém, seu sucesso está condicionado a campanhas permanentes de popularização da ciência e de políticas educacionais que incentivem o uso racional e o reaproveitamento de água.

“Evidências científicas comprovam que, se houvesse sido planejado o reaproveitamento da água pluvial de forma segura e descentralizada na Região Metropolitana de São Paulo nos últimos 40 anos, seria possível conviver com as três grandes secas do século 21 sem necessidade de construção ou ampliação de grandes sistemas de reserva de água e sem racionamento nos bairros. Isso mostra que a influência não é só do fator clima, mas também do tipo de planejamento que é priorizado. Depende da coevolução cultural entre água e sociedade: sem conscientização cultural e [o cultivo de] melhores hábitos, a construção de mais reservatórios pode até induzir a um consumo maior de água, ampliando riscos de déficits hídricos no futuro e incrementando um círculo perigoso de insegurança hídrica. É o que ocorre hoje na Califórnia [Estados Unidos] e em Shanghai [China]”, observa o professor.

Para exemplificar, Mendiondo cita o resultado de outro trabalho publicado em fevereiro deste ano comparando as secas que atingiram a Região Metropolitana de São Paulo em 1985-1986 e em 2013-2015 (mais extrema do que a primeira). O resultado mostrou que o atraso na implementação de políticas públicas de reaproveitamento descentralizado de água pluvial e a dependência das áreas de serviço em poucos reservatórios expuseram a região à maior vulnerabilidade. Entre os autores dessa pesquisa estão o doutorando Felipe Arguello de Souza e os ex-alunos da EESC-USP Guilherme Mohor e Diego Guzmán, todos coautores do artigo agora publicado na Nature.

Sucesso

Entre os 45 eventos analisados no novo estudo, apenas duas histórias foram consideradas bem-sucedidas – uma em Barcelona e outra na Europa Central. Dois fatores comuns se destacam: a melhoria da governança da gestão de risco, com mais integração no gerenciamento de emergências e sistemas de alerta precoce; e a implementação de uma série de medidas estruturais que exigiram altos investimentos, como a construção de reservatórios de águas pluviais e diques.

Outro ponto que os cientistas destacam como positivo é a interdisciplinaridade ao lidar com essas questões, incluindo as pesquisas, o que pode evitar que a ciência fique isolada ou abordada em “silos”, sem diálogo aberto. Um exemplo dessa ação interdisciplinar é o incentivo a novos instrumentos de transferência de riscos, como seguros indexados a mudanças climáticas.

Os pesquisadores usaram conceitos de risco que consideram o impacto como resultado baseado em três fatores – perigo, exposição e vulnerabilidade. Os três podem ser exacerbados por deficiências de gestão. Na análise foram avaliados impactos diretos (fatalidades, danos monetários), indiretos (interrupção do tráfego ou turismo) e intangíveis (impacto na saúde humana ou patrimônio cultural).

O perigo reflete a intensidade de um evento, como uma área inundada ou déficit de seca, medido pelo índice de precipitação padronizado. Já a exposição avalia o número de pessoas e ativos na área afetada pelo evento, ou seja, mudanças nesse fator são influenciadas por alterações na densidade populacional e nos desenvolvimentos socioeconômicos.

A exposição e a vulnerabilidade ainda podem ser agravadas pela implementação abaixo do ideal de medidas não estruturais, como planejamento regional com consciência de risco ou alerta precoce.

Fonte: Oeco

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