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DESTRUIÇÃO AMBIENTAL

Ataque ao planeta aumentou o risco de pandemias nos últimos cinquenta anos

O risco de propagação de doenças infecciosas emergentes que possam causar outra pandemia cresceu nas últimas cinco décadas devido à crescente alteração ou destruição dos ecossistemas, o que gera um deslocamento forçado de espécies que, estando mais próximas dos humanos, podem provocar zoonoses

20 de agosto de 2021
Elys Marina | Redação ANDA
7 min. de leitura
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GUILLAUME HORCAJUELO | EFE

É de grande importância proteger as florestas e alterar as práticas agropecuárias atuais para prevenir futuras pandemias. Foi a conclusão que obteve o Grupo de Trabalho Científico Internacional em Prevenção de Pandemias, organizado pelo Instituto de Saúde Global e a Escola de Saúde Pública T.H. Chan, ambos ligados à Universidade Harvard (EUA). Um relatório publicado pelos pesquisadores analisa o risco atual de surgimento de novas doenças como a Covid-19 e as ações necessárias para reduzir essa ameaça.

O risco de propagação de doenças infecciosas emergentes que possam causar outra pandemia cresceu nas últimas cinco décadas devido à crescente alteração ou destruição dos ecossistemas, o que gera um deslocamento forçado de espécies que, estando mais próximas dos humanos, podem provocar zoonoses. Ou seja, um agente patogênico presente em um animal pode ser transmitido à espécie humana, desenvolvendo uma nova doença capaz de desembocar numa pandemia.

Esta pesquisa evidencia que a mudança climática, o desmatamento, o mercado de animais selvagens, a pecuária, a agricultura intensiva e outras atividades de destruição ambiental influenciam na propagação de agentes patogênicos presentes em animais selvagens. “As provas citadas neste relatório mostram que a melhor forma de prevenir uma pandemia é impedir esta transmissão de vírus zoonóticos de animais para humanos”, afirma a especialista em patobiologia Deborah Kochevar, integrante do grupo de trabalho e diretora da Faculdade de Veterinária Cummings da universidade Tufts (EUA). Kochevar observa que essas iniciativas devem ser acompanhadas de medidas de proteção ambiental e do fortalecimento dos sistemas de saúde. O relatório sugere a criação de plataformas de saúde unificadas, denominadas One Health (“uma só saúde”), que abrem um panorama multidisciplinar de prevenção de pandemias, envolvendo saúde humana e animal, meio ambiente e agropecuária.

Certas experiências deste estudo já foram realizados em âmbitos locais e mostram, por exemplo, como o desmatamento diminuiu em Bornéu graças a um fortalecimento do sistema de saúde, ou como o vírus Nipah foi controlado em áreas rurais da Malásia com a ajuda da construção de barreiras naturais de bambu que evitam o contato de morcegos frutívoros com os porcos, os quais haviam sido a origem de um surto que passou aos humanos em 1998. “O importante é que outros países vejam estes exemplos de sucesso e os repliquem, já que a partir das experiências locais pretendemos criar plataformas globais de trabalho contra pandemias entre organizações internacionais e governos”, diz Marcos Espinal, diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (OPS/OMS) para doenças transmissíveis e determinantes ambientais.

A equipe de pesquisadores enfatiza que as medidas de prevenção da disseminação de agentes patogênicos para evitar novas pandemias estão sendo subestimadas frente às dificuldades para controlar a Covid-19. Até o momento, os esforços estão exclusivamente na contenção: fortalecimento dos sistemas de saúde, mais exames de diagnóstico, remédios e vacinas, que são “fundamentais, mas insuficientes para poder controlar outras futuras pandemias”, de acordo com o grupo de estudo. Aaron Bernstein, líder do grupo de estudos e diretor do Centro de Pesquisas para o Clima, Saúde e Meio Ambiente Global da Escola de Saúde Pública T.H. Chan de Harvard, diz que até o momento foram gastos mais de seis trilhões de dólares (mais que o triplo do PIB brasileiro) para combater a pandemia provocada pelo coronavírus. Segundo os cálculos desse cientista, apenas 2% deste gasto (22 bilhões de dólares) seria o suficiente para financiar as atividades de redução do desmatamento e controle do comércio de espécies silvestres de modo a prevenir a disseminação de qualquer vírus com potencial zoonótico.

“Existe certa dicotomia entre a prevenção da propagação de um vírus para a espécie humana e a preparação para a contenção de uma epidemia, porque investir em algo que não aconteceu não favorece tanto o discurso público”, observa Guilherme Werneck, professor de epidemiologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e integrante do grupo de pesquisadores. Mas, ele defende que não existe nenhum antagonismo entre estas ações, e que ambas devem ser levadas a cabo paralelamente. O especialista defende também que o atual processo de vacinação contra a Covid-19 é essencial, assim como desenvolver outras vacinas que evitem contágios de possíveis vírus entre animais.

De acordo com o estudo, 50% das doenças infecciosas emergentes detectadas nas últimas décadas provinham de animais selvagens. Os principais portadores de vírus potencialmente contagiosos são os morcegos com predominância para vírus como o coronavírus (SARS), paramixovírus (Nipah), filovírus (Ébola) e rhabdovírus (raiva) – , os roedores – potenciais transmissores dos arenavírus (febre de Lassa) e buniavírus (síndrome pelo hantavírus) e os símios, que principalmente portam retrovírus como o HIV. O contágio respiratório é o modo de transmissão com maiores probabilidades de provocar uma pandemia, só que a rápida propagação do Zika que migrou do Hemisfério Oriental para o Ocidental entre 2013 e 2015,  aponta o potencial de propagação das doenças virais transmitidas por vetores, ou seja, por organismos vivos como mosquitos e carrapatos.

Entre os anos de 1960 e 2019, as novas práticas de uso agrário, principalmente o desmatamento provocado pela pecuária e a agricultura intensiva, alteraram um terço da superfície terrestre do planeta. Essas mudanças no uso da terra são responsáveis por mais de 50% das doenças infecciosas zoonóticas que afetaram a espécie humana desde 1940, segundo explica o grupo científico. O relatório aborda estudos que demonstram como o desmatamento na América Central provocou o crescimento da população de roedores portadores do hantavírus com síndrome pulmonar, assim como o desmatamento em países da África central e ocidental provocou uma maior incidência do ebola. “Não é surpreendente que os lugares considerados com maiores riscos de propagação de agentes patogênicos de animais para humanos sejam a China, o Sudeste Asiático, a África e a América do Sul, porque neles ainda há grandes florestas tropicais e os ecossistemas estão sendo alterados muito rapidamente, com modificações substanciais de habitats naturais para fins produtivos”, diz o epidemiologista Werneck. Ele complementa dizendo que a precariedade nos sistemas de vigilância e biossegurança nas fazendas nas quais animais são explorados para consumo também constitui uma vulnerabilidade contra possíveis pandemias. A expansão da agropecuária tem colocado a humanidade e os animais em uma maior proximidade com a fauna selvagem e com outros vetores de transmissão de doenças. As criações de porcos e aves, que aumentaram grandemente nas últimas décadas na China e no sul da Ásia, têm sido focos de contágios de gripe com altos riscos pandêmicos.

Os cientistas também encontraram indícios de 36 agentes zoonóticos, entre eles variantes do coronavírus da SARS, em animais vendidos em mercados locais como o do Laos (Sudeste Asiático). A partir desta e de outras evidências, o relatório apresenta a importância do controle do comércio tanto da carne de caça como de animais exóticos vivos. O mercado de espécies silvestres se valorizou 500% desde 2004, com os Estados Unidos como principal consumidor, com uma importação de 10 a 20 milhões de animais por ano.

Dentre as atividades humanas que impactam os ecossistemas, estão as alterações de cursos de água doce, como ocorre por exemplo na construção de represas hidrelétricas. É o caso da central de Assuã, no Egito, relacionada com o aumento de um mosquito vetor da filariose linfática, ou de outras hidrelétricas no Sri Lanka e Índia que provocaram o aumento da malária, também transmitida por um mosquito.

“O estudo global dos fatores que influenciam as zoonoses de doenças emergentes mostra que há partes do mundo que são focos potenciais para a propagação de vírus entre espécies”, afirma Epstein, diretor do estudo. “Identificar os lugares com maior probabilidade de surgimento de pandemias permite que a comunidade sanitária global concentre os recursos e as estratégias para prevenir o salto entre espécies e a propagação de um vírus entre os humanos”, finaliza.

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