Ainda é comum o costume, por parte de muitos defensores dos Direitos Animais, apelar para a inteligência dos animais vítimas da exploração animal, de modo que as pessoas tenham compaixão e empatia por (alguns d)estes serem tão inteligentes. Por exemplo, argumenta-se muito que porcos podem ser mais espertos do que cães e isso seria um grande motivo para não comer mais carne suína. Mas essa estratégia é um tiro no pé da conscientização vegano-abolicionista, por diversos motivos.
Um deles é que promover o apelo à inteligência animal promove, e não abole, a tradicional hierarquia especista de consideração moral, que considera que, quanto mais inteligente, mais digno de respeito e consideração moral o animal é. Se porcos não devem ser comidos por serem muito inteligentes, isso acaba implicando que seria menos inaceitável comer um camarão ou um escargot, que têm capacidades cognitivas bem menos avançadas.
E nessa hierarquia, o ser humano não deixa de estar no topo dela, já que é o animal mais inteligente da biosfera terráquea. É seguido pelos mais inteligentes e “mais respeitáveis”, como primatas, cães e porcos, e quanto menos dotado de inteligências semelhantes às humanas, mais abaixo o animal estará nessa pirâmide.
E é em se falando de inteligência humana que vem o segundo motivo. Atribuir respeitabilidade e consideração moral a animais mais inteligentes é necessariamente respeitar mais ou menos um animal por ter características mais ou menos parecidas com as dos humanos. É colocar o ser humano como referencial de animal a ser respeitado. Isso porque, no apelo à inteligência, a presença de característica humanas no animal, ao invés da existência de interesses próprios do animal independentes de suas capacidades cognitivas e comportamentais, é o grande determinante do merecimento de respeito moral de um animal. E isso favorece, como já foi mencionado, que animais com inteligências “inferiores” sejam menos dignos da empatia humana e mais “exploráveis”.
O terceiro motivo da inadequação do apelo à inteligência é o seu caráter capacitista. Falar de inteligência como motivo de reconhecer os direitos de um animal implica não só uma hierarquia especista, mas também a hierarquização dentro da própria espécie humana. Se a presença de capacidades mentais avançadas é um grande motivo de se respeitar um ser, então seres humanos com limitações dessas capacidades tornam-se “menos respeitáveis”. Isso implica que pessoas com deficiência mental e/ou limitação intelectual são “inferiores” àquelas com capacidades ditas “normais”.
E também, como agravante, pode ser usado para argumentar em favor da “superioridade moral” daqueles que usam mais suas capacidades mentais-intelectuais para trabalhar. Ou seja, poderia ser argumentado, graças à hierarquização por inteligência, que engenheiros, filósofos e cientistas, por terem um domínio intelectual maior de suas áreas de conhecimento do que outras pessoas, seriam “superiores” a pessoas que, por exemplo, vivem de trabalhos braçais simples e não têm o mesmo domínio da linguagem científica e da filosofia.
E um outro porquê é que falar de inteligência do outro como razão de considerá-lo um sujeito moral implica também o etarismo, preconceito por faixa etária. Poderia-se argumentar que, já que um adulto é mais inteligente do que uma criança de cinco anos, seria mais digno de respeito e direitos do que ela. Se a criança, por exemplo, não aprendeu ainda a identificar cada ser humano ou não humano pelo nome, nem a manusear instrumentos de coleta de frutas, poderia ser considerada “inferior” a um porco ou a um chimpanzé, já que não é tão esperta quanto estes.
Sendo o apelo à inteligência animal uma maneira especista e capacitista de se defender o respeito aos animais, ele deve ser abandonado o quanto antes. Ao invés dele, precisamos usar os argumentos certos, como a presença de interesses próprios inerente à senciência do animal – interesses como o de continuar vivo, preservar sua integridade física e usufruir ao máximo seu território. Independentemente de suas capacidades inteligentes, o animal, se tem esses desejos individuais, deve ser respeitado, deixado em paz, nunca tratado como um objeto ou escravo.