Era fim da temporada passada quando o Instituto Sea Sherpherd — também chamado de Guardiões do Mar ou ISSB — protocolou a primeira denúncia contra o turismo de observação de baleias-francas. Eles usaram fotografias publicadas no site de uma das operadoras, que mostram as embarcações muito próximas dos animais, para convencer a Justiça de que poderia haver prejuízos à espécie. O processo andou, o ICMBio não soube se explicar e a juíza responsável pelo caso entendeu que existem falhas de gestão. Agora, para reverter a decisão que proíbe a atividade em Laguna, Imbituba e Garopaba, um estudo de impacto ambiental terá que ser apresentado — o que pode levar até quatro anos para ser feito.
A projeção é da APA da Baleia Franca, braço do ICMBio no litoral sul de Santa Catarina. Maria Elizabeth da Rocha, chefe da unidade, tentou argumentar com dados da temporada passada, que indicam aumento de 12% na quantidade de baleias que migraram para o litoral catarinense no período de acasalamento e cria dos filhotes. Ainda assim, para a Justiça, insuficiente para provar que o turismo embarcado não oferece riscos aos animais. Há três meses, a juíza Daniela Cavalheiro, da comarca de Laguna, determinou a suspensão da atividade. A medida já passou por duas análises no Tribunal Regional Federal (TRF), a última delas no dia 9 de agosto, e em ambas a decisão foi mantida.
Fotografias subsidiaram decisão da Justiça
Nas fotografias anexadas ao processo — e que subsidiaram as decisões judiciais — as baleias parecem estar bem mais próximas das embarcações de turismo do que os 100 metros previstos na lei ambiental. Em uma delas, passageiros aparecem com os pés para fora do barco, quase que encostando no animal. Para Karina Groch, pesquisadora do Projeto Baleia Franca — ONG que estuda o comportamento da espécie desde 1987 —, as imagens podem gerar dupla interpretação.
— Quando a embarcação chega até a distância limite, é obrigatório que desligue o motor. Mas a baleia pode se aproximar do barco. Então não temos como saber se foi o barco que chegou perto ou se foi a baleia que veio em sua direção — observa.
Em desfavor da APA ainda conta uma determinação judicial de 2006, nunca executada. A unidade deveria ter elaborado um plano de manejo, que previa a contratação de quatro fiscais — enquanto que, até hoje, somente um trabalha no local. Maria Elizabeth justifica que a questão ainda depende de decisão central em Brasília.
APA empurra elaboração do estudo para operadoras de turismo
Apesar de a cobrança da Justiça estar exclusivamente direcionada ao ICMBio, a chefe da APA da Baleia Franca garante que o estudo de impacto não é responsabilidade do órgão ambiental.
Segundo Maria Elizabeth, são as operadoras de turismo que devem providenciar a pesquisa. Ela diz que existem dois caminhos: procurar a Fatma (que pode recuar, alegando se tratar de área da União) ou o Ibama. Para os dois casos seria necessária a contratação de uma empresa de consultoria especializada, que demandaria alto custo — além de gastos com a pesquisa técnica, teriam os investimentos com barco e combustível. Despender recursos próprios da APA, conforme admite a chefe da unidade, estaria descartado.
— Nós não temos nem um bote, nos falta estrutura. Sem contar o tempo de pesquisa, precisaria de, no mínimo, quatro temporadas para que conseguíssemos fazer as comparações ano a ano — analisa.
Por se tratar de um estudo complexo e nunca antes exigido nos moldes em que a Justiça determina, a elaboração da pesquisa é permeada por dúvidas. No Brasil, existe uma outra unidade ligada ao ICMBio que também monitora o turismo de observação de baleias. É o Parque Nacional Marinho de Abrolhos, na Bahia. Lá, a observação é de baleias jubarte e ocorre na mesma época (entre junho e novembro) que no litoral sul de SC.
Segundo o diretor da unidade, Ricardo Jerozolimski, o sistema é muito parecido: são três operadoras cadastradas, que encaminham relatórios sobre os passeios e cada uma tem a sua própria equipe de trabalho (fiscais do ICMBio não acompanham os passeios). E as pesquisas sobre a espécie são feitas por uma ONG parceira do parque.
Quem é o Sea Sherpherd
Fundado por remanescentes do Greenpeace, o Instituto Sea Sherpherd tem base nos Estados Unidos e escritórios na Austrália, Canadá, Inglaterra, Holanda, França e África do Sul. O processo contra o ICMBio é movido pelo escritório no Brasil, que se intitula como o único do mundo com total autonomia da matriz nos EUA — tem sede em Porto Alegre e funciona desde 1999.
Segundo a chefe da APA da Baleia Franca, integrantes do Instituto faziam parte do conselho gestor da unidade (grupo que a cada fim de temporada recebe um relatório com todas as informações sobre os passeios realizados) e nunca teria questionado a maneira como a atividade estava sendo desenvolvida. Eles teriam procurado diretamente a Justiça.
A reportagem telefonou durante toda a semana para a sede do Sea Sherpherd, mas não foi atendida em nenhuma das vezes.
O que dizem as operadoras citadas pelo Instituto Sea Sherpherd:
Base Cangulo — O diretor geral da empresa, Murilo Ternes, considera a proibição precipitada e extrema, já que, segundo ele, não se pode afirmar pelas fotos apresentadas pelo Sea Sherpherd se foi a embarcação que se aproximou dos animais ou se foi a baleia que se aproximou do barco. Ternes planeja ingressar com ação na Justiça. Ele reclama que as empresas não foram citadas no processo contra o ICMBio e diz que a APA informou sobre a ação somente no dia 15 de maio (seis meses após a denúncia) — às vésperas da temporada. Ele precisou demitir três funcionários.
Instituto Baleia Franca — Ana Rita dos Santos-Lopes, coordenadora de pesquisas da ONG, alega que a entidade não promovia os passeios. Ela explica que havia uma parceria com a empresa Vida Sol e Mar. Biólogos da ONG palestravam para os turistas, antes do passeio, durante o percurso serviam de guia (narrando o comportamento dos animais) e monitoravam o cumprimento das normas. Os passeios também serviam como instrumento de uma pesquisa desenvolvida desde o ano 2000. O Instituto está reunindo dados para enviar à APA — o que poderia sustentar, agrupado às pesquisas desenvolvidas pelo Projeto Baleia Franca, o estudo de impacto que deve ser apresentado à Justiça.
Vida, Sol e Mar — a reportagem entrou em contato por diversas vezes, mas o proprietário, Enrique Lipmann, não foi encontrado nem retornou às ligações. Pioneira da atividade na região, a operadora se tornou o alvo da denúncia. À Justiça, o Instituto Sea Sherpherd usou fotografias publicadas no site da empresa, que mostram a proximidade entre as embarcações e as baleias.
Fonte: Diário Catarinense