A crise do clima gera problemas que vão além dos desastrosos efeitos sobre o meio ambiente e atingem, inclusive, a saúde mental da população. Foi isso que concluiu a maior pesquisa sobre ansiedade climática em jovens já realizada. Foram 10 mil pessoas, de 10 países do mundo, entrevistadas durante o estudo.
Um deles, Mitzi Tan, 23, das Filipinas, revelou ter crescido com medo de se afogar dentro de seu próprio quarto. De acordo com o estudo, 45% dos entrevistados afirmam que a ansiedade climática afeta suas vidas diárias, interferindo na forma como jogam, comem, estudam e dormem.
Os resultados da pesquisa serão publicados na revista científica Lancet Planetary Health por pesquisadores da universidade de Bath, do Centro de Inovação em Medicina Stanford, da Fundação Saúde NHS de Oxford, entre outros.
Os pesquisadores ouviram jovens de 16 a 25 anos no Reino Unido, Finlândia, França, Portugal, Estados Unidos, Austrália, Índia, Filipinas, Nigéria e Brasil. Durante o estudo, constatou-se que a crise climática gera um sofrimento psicológico “significantemente relacionado” à falta de ação dos governos.
Mais de sete em cada dez jovens (75%) acreditam que “o futuro é assustador”. O número sobe para 81% em Portugal e 92% nas Filipinas. Para 58%, os governos de seus respectivos países estavam traindo as futuras gerações. Outros 64% afirmaram que os líderes políticos não faziam o suficiente para evitar uma catástrofe climática. Por conta da crise climática, 39% dos jovens se consideram hesitantes em ter filhos.
É o caso da brasileira Valentina Ruas, de 18 anos. “Eu já não penso em ter filhos. É claro que o futuro é muito incerto, mas toda a vez que eu vejo notícias, artigos, eu penso que não quero pôr uma pessoa no mundo se eu não sei quão incerto esse futuro será. Se já é incerto para mim, imagina para as próximas gerações”, afirmou.
E embora o estudo tenha como foco crianças e jovens, psicológicos são unanimes em afirmar que a ansiedade climática não atinge apenas essas faixas etárias, já que causa prejuízos psicológicos a todas as idades, em toda parte do mundo.
Uma das principais autoras da pesquisa, a psicóloga Elizabeth Marks explica que a ansiedade climática não é uma doença mental. “É uma resposta racional ao estresse psicológico da realidade das mudanças climáticas, e um tal nível de estresse pode provavelmente acabar impactando na saúde mental. Quando perguntamos para eles como eles pensam o futuro das mudanças climáticas, eles descrevem um mundo cheio de oportunidades perdidas, assustador e inseguro”, relatou.
De acordo com a psicoterapeuta Caroline Hickman, que também participa do estudo, as entrevistas com os jovens foram realizadas para descobrir o quanto apavorados eles estavam em relação à crise do clima. “Uma criança disse para mim: eu estou com medo de respirar o ar fora da minha casa. Quando iniciamos a pesquisa, sabíamos que a vida cotidiana deles estava sendo afetada por isso, mas não sabíamos o quanto estava abalando a alimentação, o sono, o estudo e as brincadeiras”, disse. “E o que não sabíamos é o quanto esses sentimentos estão correlacionados com a ação ou a inação dos governos. Um adolescente britânico me disse: por que eu deveria querer viver num mundo que não se importa com as crianças, nem os animais?”, completou.
Mudanças climáticas podem ser irreversíveis entre 2040 e 2050
Um relatório publicado pela Chatham House, instituição britânica de pesquisa sobre o desenvolvimento internacional, revelou que as mudanças climáticas podem se tornar irreversíveis entre 2040 e 2050 caso as emissões de gases de efeito estufa não sejam drasticamente reduzidas nesta década.
As informações foram incluídas em um documento denominado “Avaliação de Riscos das Mudanças Climáticas”, que tem como objetivo embasar decisões a serem tomadas por chefes de governo e ministros antes da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021 (COP26), que deve ser realizada de 31 de outubro a 12 de novembro, em Glasgow, na Escócia.
O pesquisador sênior do Programa de Meio Ambiente e Sociedade da Chatham House, Daniel Quiggin, considera que as metas nacionais de redução de gases de efeito estufa podem ser apenas promessas vazias.
“Muitos países não têm políticas, regulamentações, legislação, incentivos e mecanismos de mercado proporcionais para realmente cumprir essas metas. Além disso, os NDCs [da sigla em inglês para Contribuição Nacionalmente Determinada] revisados globalmente ainda não fornecem uma boa chance de evitar o aquecimento em 2ºC. Devemos lembrar que muitos cientistas do clima estão preocupados que, além dos 2ºC, uma mudança climática descontrolada possa ser iniciada”, afirmou o pesquisador.
Além disso, as metas definidas pelos países, mesmo se forem executadas, não são capazes de neutralizar o carbono. “O balanço zero líquido das emissões depende de tecnologias de emissão negativa, que atualmente não são comprovadas empiricamente em escala comercial. Em resumo, as metas que os países buscam estão se movendo na direção certa, mas ainda não conseguem evitar a devastadora mudança climática. E as políticas de apoio às metas existentes são insuficientes para atingir essas metas”, explicou.
Caso medidas não sejam tomadas pelos governos, temperaturas extremas podem se tornar reais a partir da década de 2030, levando 10 milhões de pessoas à morte em decorrência das ondas de calor que poderão afetar 70% da população mundial. Secas severas e prolongadas também poderão prejudicar 700 milhões de pessoas anualmente.