Nestes tempos de realidades virtuais, a água virtual não é uma fantasia, como pode-se pensar, mas uma realidade quase invisível e de difícil mensuração. Entende-se que a água virtual é aquela utilizada na elaboração de um bem de consumo ou serviço, ela está embutida no produto de maneira indireta, pois são os recursos hídricos utilizados no processo de produção. Este conceito foi introduzido em 1993, pelo professor inglês John Anthony Allan, do Kings College, de Londres.
A maioria de nós tem noção do gasto direto individual mensal de água. Para obter-se esse dado o processo é simples, basta dividir-se o consumo de água de uma residência pelo número de moradores da casa. Considera-se como valor médio de consumo direto, na área urbana, 4m³ , que correspondem a 4mil litros, por habitante e por mês.
Pois bem, o consumo de água virtual é muito maior do que o consumo direto, apesar de ser quase invisível. Para se produzir um único par de sapatos de couro utiliza-se 8m³ de água, ou seja 8 mil litros. Se a pessoa comprar um par de sapatos de couro por mês a água utilizada na sua produção é o dobro do consumo médio direto mensal por indivíduo. Mas pode-se argumentar que poucas pessoas compram um par de sapatos de couro todo mês. Pois bem, para se produzir um único hambúrguer gasta-se 2,4m³ de água, ou 2 mil e 400 litros. Quem come apenas dois hambúrgueres por mês, está consumindo indiretamente uma quantidade de água 20 por cento maior do que todo o gasto direto individual, os dados são da WWF.
Dados da Unesco nos dão conta que para se produzir 1kg de carne bovina, de boi criado a pasto, o gasto de água é de 14 mil a 16 mil litros, para produzir-se 1 kg de carne de boi confinado o gasto com água passa de 20 mil litros, 1 kg de carne de frango gasta 4 mil litros e 1 kg de carne suína 6 mil litros de água. Para se produzir 1 kg de milho utiliza-se 0,45 mil litros de água, podendo esse valor subir para 1,1 mil litros se a cultura for irrigada e situar-se em local de elevada evapotranspiração. Para feijão usa-se 1,5 mil litros de água/kg e em cultura irrigada 2,3 mil l de água/ kg. Outros dados:
Banana: 500 litros/kg
Batata: 105 a 160 litros/kg
Laranja: 378 litros/kg
Tomate: 105 a 280 litros/kg
Trigo: 1150 a 2000 litros/kg
Manteiga: 18000 litros/kg
De maneira geral, os produtos de origem animal são disparados os maiores gastadores de água.
O Brasil exporta 8 milhões de toneladas de carne bovina anualmente, para produzir essa quantidade, são utilizados 128 bilhões de m³ de água, isto é 128 trilhões de litros. Esse volume inimaginável nos dá uma ideia do desperdício de água pela indústria da morte. Essa água de sangue e produtos químicos vai para os rios, o custo do tratamento dessa água é arcado por todos nós para que o pecuarista lucre, o industrial lucre e o governo comemore a entrada de divisas. A sujeira fica por aqui, para que o europeu possa comer carne sem sujar a água de seus rios. A isto, aqui, chamam de progresso: sujar a água, para que poucos obtenham vantagens. Agregada à indústria da carne está a indústria do couro, que, talvez, seja mais poluente do que a primeira, três a quatro vezes por ano lemos nos jornais que ocorre morte de peixes na bacia do Rio Dos Sinos causada pelos efluentes dos curtumes da região. Não há interesse em se apontar os responsáveis, até porque todos são conhecidos. Observe que usei como exemplo apenas a carne bovina, mas há a carne suína, carne de aves, açúcar, soja, álcool, café, suco de laranja, que são os produtos agrícolas exportados pelo Brasil em grande quantidade.
Há uma “outra” água que chama menos ainda a atenção do que a água virtual, mas que daqui para frente deve ser levada em conta no cômputo do gasto hídrico com produção, apesar de o volume ser pequeno quando se compara com a outra. Uma vez que os recursos hídricos do planeta estão sendo dilapidados rapidamente, em prol do consumismo exacerbado e nada racional, a “água de exportação” – aquela que sai do lugar de origem porque faz parte do produto exportado – terá cada vez mais destaque e creio que futuramente seu valor deva ser agregado ao produto.
Se somarmos às 8 milhões de toneladas de carne bovina que o Brasil exporta, as 2,5 milhões de toneladas e as 600mil toneladas de carne suína, o total de carne exportada é 11,1 milhões de toneladas. Na composição das carnes a água representa algo em torno de 75%, assim 8,25 milhões de toneladas de água, ou 8 bilhões e 250 milhões de litros d’água sairão do país este ano, com a exportação de carne. Essa quantidade representa valor muito maior do que o volume de água da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, que possui 6,55 milhões de toneladas de água, ou seja, 6 bilhões e 550 milhões de litros de água. Os outros produtos agrícolas exportados em grande escala pelo Brasil: suco concentrado de laranja, soja e café juntos levam do país 6 bilhões 678 milhões de litros de água. Por ano enviamos ao exterior duas Lagoas Rodrigo de Freitas em água. A indústria da morte é a campeã na poluição das nossas águas e na exportação. Pois bem, fiz a conta a partir do ano de 1963, ano em que começou a exportação de suco de laranja, apesar de que o Brasil já exportava café havia mais de cem anos, mas de 1963 para cá o país exportou volume de água maior do que a Lagoa dos Patos, que tem 265 km de extensão.
A UNEP publicou um relatório de 110 páginas, em inglês, sobre o impacto ambiental de diversas atividades humanas no mundo, a produção de carne e leite é considerada uma das mais poluentes, acesse www.alturl.com/fj3p.
Em outra oportunidade vou falar sobre ‘O boi verde e a vaca louca’.
José Otavio Carlomagno, engenheiro agrônomo
Vanguarda Abolicionista