Por Lobo Pasolini (da Redação)
Esta semana uma das histórias que acenderam o debate na arena dos direitos animais foi a presença de três urubus em uma instalação da Bienal de São Paulo feita por Nuno Ramos. Os urubus ficam confinados em um viveiro grande com música alta e obviamente objetificados como meros elementos de cena em um projeto de alguém completamente irrelevante para eles.
Em uma entrevista ao programa de TV do Jô Soares, Nuno disse que demorou dois anos até encontrar as aves, já que elas são protegidas por lei. Ele finalmente se deparou com um treinador de falcões em Sergipe que criava os urubus e, como eles nasceram em ‘cativeiro’, o Ibama deu licença para o uso dos animais. Ou seja, Nuno efetivamente procurou um buraco na lei para poder levar a cabo seu projeto.
Em relação a esse detalhe técnico, está na hora de o Ibama parar com esse legalismo e se dar conta de que o problema não é se o animal nasceu em cativeiro ou não. Para eles isso é irrelevante. O problema é explorar animais, ponto final. Animais não são coisas que podem ser postas a serviço da vaidade de uma pessoa, independente do suposto ‘bem-estar’ pelo qual a organização diz zelar. Como o Ibama pretende acabar com o tráfico de animais enquanto apoia a exploração destes é um mistério para mim.
A instalação tem o nome de ‘Bandeira Branca’ e fica no vão central do prédio da Bienal. A maior parte, inclusive telas, é feita com material escuro, e os animais convivem permanentemente com o som de músicas como ‘Carcará’, ‘Bandeira Branca’ e ‘Acalanto’, com muitos alto-falantes instalados em caixas de vidro.
Não é a primeira vez que Nuno Ramos explora animais em benefício próprio. Em 2006, ele usou burros em uma instalação onde os animais eram obrigados a portar grandes caixas acústicas amarradas no seu lombo. A instalação foi exibida no Instituto Tomie Ohtake.
Ativistas já se mobilizaram e estão protestando contra mais esse caso de arrogância e falta de ética. A questão aqui não é censura. O artista tem o direito de fazer o que quer, se expressar livremente, mas com certeza ele não tem direito de causar sofrimento e reforçar a opressão. Imagine se para tratar de um tema como o estupro de mulheres, digamos, o artista tenha que reproduzir uma cena real em sua instalação ou filme? Animais podem ser usados na arte, desde que como representação e não forçados a participar de algo que para eles não tem significado algum.
A legislação ambiental, inclusive a Lei de Crimes Ambientais, em seu Art. 32 criminaliza quem pratica abusos, maus-tratos, fere ou mutila animais.
“Os animais evidentemente não estão em situação de bem-estar, não têm liberdade nem para se esconder e se alimentar. Essas aves, na natureza, recolhem-se ao final da tarde. A arte, a meu ver, não pode ser cega para o sofrimento e os incômodos causados a qualquer forma de vida”, disse o vereador Roberto Trípoli.
Criticar obras de arte baseadas no sofrimento de animais não é um ato de repressão e censura, como alguns detratores podem querer alegar. Um artista, por mais iconoclasta ou rebelde que seja, jamais cogitaria a possibilidade de explorar um ser humano em uma instalação. Se ele considera a possibilidade de explorar um animal como algo aceitável, é porque ele não tem a capacidade de analisar seu próprio preconceito contra outras espécies; ele não consegue transpor sua própria atitude antropocêntrica. Ou seja, por trás de um verniz de vanguarda, ele na verdade é um conservador.
Em tempo: no Rio de Janeiro o uso de periquitos em uma instalação na artista Rosana Palazyan na casa França-Brasil, onde os animais seriam usados para ler a sorte dos visitantes, foi proibida pela Secretaria Especial de Promoção e Defesa dos Animais com base na lei 3.402 de 22 de maio de 2002. Mais uma vez o Ibama havia dado autorização para essa exploração dos animais, mas felizmente o bom senso prevaleceu. Esperamos que o mesmo aconteça no caso dos urubus da Bienal.