EnglishEspañolPortuguês

Empresa portuguesa lança calçados veganos

18 de março de 2012
6 min. de leitura
A-
A+

Por Sônia Mendes da Silva

Paula Pérez (foto: João Bacelar)

O nome tem o cunho de um lema: NAE. No Animal Exploitation (Não à Exploração Animal) é o seu significado, integralmente levado a cabo por esta empresa portuguesa de calçado vegan, sediada em Algés, Portugal, que oferece os seus serviços on-line. Sapatos em materiais tão diversos quanto as microfibras, a cortiça e até pneus reciclados. A imaginação e o conforto como limite complementam um princípio fundamental – nenhum componente de origem animal.

Ciência Hoje – Como surgiu a ideia para o nascimento desta empresa de calçado? Parte de uma filosofia, de uma necessidade?

Paula Pérez – A NAE nasceu de um desejo de criar um negócio que não fosse um negócio meramente com o objetivo do lucro, mas que fosse baseado numa filosofia com a qual os seus criadores se identificam, que é uma filosofia vegana. Como tal, pensamos que seria interessante, estando nós em Portugal, um país produtor de calçado por excelência, criar uma empresa de calçado vegano, isto é., sem qualquer produto de origem animal, com toda a sua produção feita em Portugal, para dar resposta à crescente procura deste tipo de produto.

CH – Há quem entenda a indústria do calçado como um subproduto da exploração animal. Concorda?

PP – Comprar artigos em couro, nomeadamente sapatos, significa apoiar diretamente a indústria da carne e o sofrimento que ela implica sobre os animais, as pessoas e o ambiente. Grande parte do couro produzido vem das vacas que passam grande parte das suas vidas confinadas num espaço reduzido, sujeitas aos mais variados tipos de procedimentos dolorosos, como sejam a castração, corte de chifres, marcação a ferros etc., sem que tenham qualquer tipo de cuidados médico-veterinários. Está também comprovado que a indústria de curtumes produz resíduos sólidos tóxicos que têm consequências terríveis no meio ambiente e na vida humana, por via da contaminação do ar e dos rios. Nada disto é justificável, pelo que é importante que cada vez mais as pessoas se questionem acerca da origem do que compram e usam. É urgente um aumento da consciência social relativamente ao impacto que determinadas indústrias têm na vida humana, não humana e ambiental.

Dito isto, a indústria da pele (calçado) não é um subproduto da indústria alimentar, muitas vezes é o contrário, a procura da pele é tão elevada que faz descer os preços da carne.

CH – Pode concretizar um pouco mais essa ideia?

PP – Deixe-me dar só um pequeno exemplo que clarifica o argumento: imagine uma família com quatro elementos. No pior dos casos essa família come 2 kg de carne por dia, o que é um exagero, mas se assim fosse daria 730 kgs por ano. Isso é algo mais do que o peso de uma vaca. Portanto essa família super-carnívora cria uma procura de uma vaca por ano pela sua carne. Tente imaginar a quantidade de pele que pode consumir por ano uma família: sapatos, malas, cintos, casacos, pastas, etc.. A pele de uma vaca não chega nem por perto para satisfazer a procura de pele de uma família para um ano, e agora imagine que essa família decide comprar um sofá em pele de quatro lugares ou comprar um automóvel com estofos em pele. Será necessária a pele de pelo menos duas vacas durante dois anos, contando que comem 2 kgs por dia.

Portanto, os animais são mais explorados pela pele que pela carne. Se deixássemos de utilizar artigos em pele, quando temos alternativas, a procura da carne iria diminuir porque o seu preço vai aumentar, um princípio básico da economia. Os animais explorados seriam menos, e o meio ambiente iria sem dúvida agradecer.

CH – De que modo a diminuição do consumo de carne poderia contribuir para um ambiente mais sustentável?

PP – Estudos sobre os ruminantes – animais que no prato chamamos de “carne vermelha” – mostram que eles libertam grande quantidade de gás metano (gás do efeito estufa) no meio ambiente devido à flatuléncia que a digestão da celulose provoca. Segundo Rajendra Pachauri, cientista da ONU e do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), a produção de carne nas fazendas emite mais gases estufa na atmosfera do que os meios de transporte.

Sapato de tacão alto em cortiça preta - uma das tendências para a coleção Primavera-Verão 2012 da NAE

A Organização da Agricultura dos Alimentos da Onu (FAO), estima que as emissões diretas da produção de carne emitam cerca de 18% do total de gases estufa do planeta.

Com este cenário verdadeiramente dramático torna-se urgente o fim do consumo da carne, sob pena de haver consequências dramáticas, não só nas nossas vidas, mas nas gerações futuras.

CH – Que produtos são utilizados nos vossos sapatos e quem é o responsável pelo seu design?

PP – A NAE utiliza normalmente microfibras para substituir a pele. As microfibras são compostas por uma mistura de poliester, nylon e algodão. As percentagens variam, dependendo da microfibra. Algumas são mais resistentes, outras mais finas. Trata-se microfibras certificadas para calçado: impermeáveis, transpiráveis, antialérgicas, etc.. Também temos calçado com algodão, e a nova coleção de verão 2012 vai ser baseada na cortiça, material vegano, ecológico e biodegradável. Muitos destes produtos vêm da Itália, uma vez que ali se fazem coisas de muita qualidade. O resto é de Portugal e Espanha. Não compramos nada fora destes países, mesmo que os preços da Ásia sejam muito mais baratos. A nossa filosofia de produzir o nosso calçado localmente também se aplica na compra das componentes. Para as solas temos muita variedade, utilizando em algumas sandálias pneus reciclados. Vamos tentar implementar este tipo de sola reciclada em mais modelos.

Em relação ao design do calçado temos diferentes maneiras de trabalhar. Alguns modelos são encarregados a designers de calçado externos à NAE. A maior parte surge de nós próprios com a ajuda dos gabinetes técnicos das próprias fábricas.

Microfibras elegantes

CH – Como tem sido a recetividade dos consumidores a este produto?

PP – Embora tenhamos começado com a NAE logo no meio desta crise, onde as pessoas perderam poder de compra, a NAE tem visto aumentar a procura dos nossos sapatos. Isto é devido a uma visibilidade maior da nossa marca, fundamentalmente na Internet, assim como ao incremento dos consumidores “éticos”. Por exemplo em Espanha, este último ano, onde se fecharam imensas lojas, abriram muitas lojas veganas. Isto significa que a cada dia que passa há mais pessoas a consumir de maneira mais consciente e ética com as pessoas, com os animais e com o meio ambiente.

CH – Ter um negócio fundamentado numa filosofia e numa ética concretas provoca alguma sensação especial?

PP – A sensação que sentimos é de uma grande satisfação cada vez que vendemos um par de sapatos. E essa satisfação é por saber que além de estar a fazer crescer o nosso negócio, estamos a divulgar uma filosofia em que acreditamos fortemente e a contribuir para um comércio mais ético e justo, com respeito pelo meio ambiente e contra o sofrimento animal e a exploração laboral.

Fonte: Ciência Hoje 

Você viu?

Ir para o topo