Muitas vezes, o especismo é defendido com base no relativismo moral. Por exemplo, como no argumento a seguir:
“Certo e errado são relativos à cada sociedade. Portanto, devemos respeitar a tradição de cada cultura. Já que toda e qualquer cultura usa os animais não humanos como recursos, não há, então, o dever de se respeitar os animais não humanos”.
Esse argumento parte da idéia de que certo e errado morais (ou seja, certo e errado quanto ao que se fazer na prática) são relativos à cada sociedade. Isto é, tal visão defende que, por exemplo, se uma determinada prática (digamos, a escravidão) é condenada socialmente em um país, será errado escravizar quando se estiver nesse país, e, se a mesma prática for aprovada socialmente em outro país, então será correto escravizar quando se estiver nesse país, e assim para qualquer outra prática.
Discursos que são apenas aparentemente relativistas
Antes de discutirmos o argumento relativista, é importante observar que muitas pessoas que proferem um discurso relativista, muitas vezes estão a querer dizer outra coisa, e não, fazer uma defesa do relativismo. Por exemplo, algumas pessoas que proferem o discurso citado acima não querem dizer que, se alguém pratica escravidão em uma sociedade onde esta é aprovada, está a fazer uma coisa justa, que tem boas razões para ser feita. Querem dizer, ao invés, que isso será visto, nessa sociedade, como algo correto (e não que, de fato, éalgo correto). O que acontece é que muitas pessoas usam as expressões “é certo”, “é errado” como querendo dizer “é visto como certo”, “é visto como errado”. Assim, por exemplo, alguém que diz “a escravidão é certa no país x e errada no país y” muitas vezes está querendo dizer, na verdade, “a escravidão é vista como certa no país x e vista como errada no país y”. O mesmo acontece em relação ao tempo. Quando alguém diz “antigamente era certo escravizar, e hoje em dia é errado escravizar”, muitas vezes o que quer dizer é “antigamente, a escravidão era vista como certa, e hoje é vista como errada”. Se for esse o caso, então esse alguém não necessariamente é um relativista moral. Tudo o que está a fazer é descrever o que as pessoas em diferentes sociedades pensam sobre determinado assunto. Não está necessariamente a dizer que as razões para se fazer ou deixar de fazer algo dependem do que a sociedade onde estamos (ou, a visão predominante da época onde nos encontramos) acredita que deve ser feito.
Relativismo enquanto teoria sobre o significado dos termos morais e enquanto teoria sobre as razões para agir
Quando se fala em relativismo moral, há que se distingüir duas visões diferentes, que por vezes são chamadas pelo mesmo nome:
(1) Uma delas é uma teoria sobre o que alguém quer dizer quando falar sobre certo/errado morais (teoria sobre o significado);
(2) Outra é sobre como determinar o que é o certo/errado morais (teoria moral). A visão que é incorporada no argumento que estamos a discutir é a desse segundo tipo. Ou seja, alguém quer realmente dizer o que é certo/errado fazer.
Para entendê-la bem, precisamos comparar com a visão do primeiro tipo (a teoria sobre o significado):
O relativismo moral, enquanto teoria sobre o que alguém quer dizer quando diz “isso é certo”, “isso é errado”, afirma o seguinte: quando alguém diz “x é certo” está a dizer exatamente a mesma coisa que “minha sociedade aprova x”, e quando diz “x é errado” quer dizer exatamente a mesma coisa que “minha sociedade reprova x”.
Não é difícil ver onde está o erro com essa teoria. Imagine, por exemplo, que duas pessoas estão a discordar. Uma fala “a escravidão é certa”, e a outra fala “claro que não! A escravidão é errada”. Obviamente, essas pessoas estão discordando. Mas, se o relativismo moral, enquanto teoria sobre o significado, estivesse correta, não estariam a discordar. Uma pessoa estaria simplesmente a dizer “minha sociedade aprova a escravidão” e a outra estaria a dizer “minha sociedade condena a escravidão” (estariam apenas a descrever o que se passa nas suas respectivas sociedades). Mas, obviamente, não é isso o que querem dizer quando falam sobre a moralidade da escravidão. Quando alguém diz “a escravidão é errada”, está a dizer “não deve-se escravizar”, e não “minha sociedade condena a escravidão”. Assim sendo, o significado dos juízos morais é sobre o que deve-se e o que não deve-se (e o que tanto faz) fazer na prática, e não, descrições sobre que visão predomina em cada sociedade sobre o que deve-se e não deve-se (e o que tanto faz) fazer na prática.
Agora estamos em posição de entender o relativismo moral enquanto teoria sobre como determinar o que deve-se, o que não deve-se, e o que tanto faz, fazer na prática. O relativismo moral dirá: “queres saber a resposta para essas coisas? Pergunte à sociedade onde você está qual é a resposta”. Assim sendo, o relativismo moral dá, como critério para saber o que é certo e errado morais (ou seja, certo e errado quanto à prática), aquilo que cada sociedade pensa sobre o certo/errado morais. Muitas pessoas defendem o relativismo moral. Acreditam, por exemplo, em uma sociedade que condena a escravidão, ninguém deve escravizar, e, em uma sociedade que aprova a escravidão, está-se justificado a escravizar. Assim sendo, tal visão mantém que as razões para agir deveriam ser determinadas pela visão predominante em determinada sociedade sobre essas razões para agir.
Um argumento contra o relativismo moral
Existe uma razão geral para se rejeitar o relativismo moral. A razão é como se segue. Se a visão moral predominante em uma determinada sociedade é tal, certamente há uma razão para que seja assim. Isto é, acredita-se que, por exemplo, “é certo fazer x” por algum motivo. Assim, haverá algum argumento visando justificar a posição em questão. Mas, obviamente, é possível avaliar esse argumento, como acontece em qualquer outra questão moral. Mas, a avaliação do argumento é totalmente independente do que as pessoas pensam sobre ele. Assim, só faz sentido as pessoas manterem determinada posição moral se houverem bons argumentos a favor de tal visão.
Por exemplo, se uma determinada sociedade defende que é correto escravizar pessoas que tem mais de cinco letras no nome, faz sentido perguntar por que isso seria correto. E, para se provar que isso não é correto o que devemos fazer não é perguntar “você, que tem menos de cinco letras no nome, gostaria de ser escravizado se o seu nome tivesse mais de cinco letras?”, pois, ele poderia nos responder “não gostaria, mas é o certo a se fazer”. O que temos de perguntar é o seguinte: “por que razão deve-se respeitar quem tem menos de cinco letras no nome?”. Qualquer razão sincera, que realmente explique o motivo pelo qual deve-se respeitar apelará ao possível prejuízo que ocorreria à vítima caso esta não fosse respeitada (aliás, é somente por isso, e nada mais, que faz sentido reivindicar o dever de respeitar alguém). Mas, se isso explica o dever de respeitar quem tem menos de cinco letras no nome, explica automaticamente o dever de respeitar quem tem mais de cinco letras no nome. Isso é assim, como vimos, porque as razões que explicam o dever de respeitar alguém não tem absolutamente nenhuma conexão com o número de letras no nome. Mas, também não tem absolutamente nenhuma conexão com a raça, o gênero e a espécie de alguém. Assim sendo, não importa se uma sociedade inteira acredita que essas considerações são relevantes para saber quem deve e quem não deve ser respeitado. Elas não são relevantes. O fato de todo mundo acreditar que são relevantes não as torna relevantes.
Assim, temos um argumento geral inicial para rejeitar o relativismo moral e, com ele, a defesa do especismo que nele se baseia. Contudo, existem outros argumentos a favor dessa teoria. Nas próximas postagens, analisaremos alguns argumentos comuns que são comumente utilizados para defender o relativismo:
O argumento genético
O argumento da possibilidade do desrespeito
O argumento de que todos os julgamentos morais são igualmente arbitrários