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Para conservação da espécie, botos são monitorados por drones

23 de fevereiro de 2017
6 min. de leitura
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Embarcada, a equipe usou drones para monitorar animais no rio (Fotos: Divulgação/WWF Brasil)

Reza a lenda que nas festividades de junho, o boto cor-de-rosa se transforma num jovem belo e elegante, seduz a moça solteira mais bonita da festa e a leva para o fundo do rio, onde a engravida e depois a abandona. Na realidade, porém, pouco se sabe sobre os botos da Amazônia. Atualmente, as espécies estão classificadas como “Dados Insuficientes” pela Unidade Internacional de Conservação da Natureza (IUCN) e aparecem no Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção.

Realizar um censo destes animais é fundamental para sua conservação. Pensando nisso, o WWF-Brasil, o Instituto Mamirauá e a Conservation Drones deram início, no final de 2016, a um projeto para testar a contagem de botos das espécies cor-de-rosa (Inia geoffrensis) e tucuxi (Sotalia fluviatilis) com o uso de Veículo Aéreo Não Tripulado (Vant), popularmente conhecido como drone. A expedição, que faz parte do projeto Ecodrones Brasil, foi realizada de forma inédita e trouxe resultados promissores.

“Fizemos 48 voos de 10 minutos cada, gerando 8h de filmagem e monitorando 80 quilômetros dos 400 quilômetros que percorremos pelo rio Juruá, próximo ao Município de Tefé. A expedição durou oito dias. Foi um resultado muito bom. Agora temos três técnicos assistindo as imagens para fazermos a comparação com as informações coletadas pelos pesquisadores, que avistaram 791 botos”, afirmou o especialista de conservação do programa Amazônia do WWF-Brasil, Marcelo Oliveira.

O principal objetivo do projeto é testar e aprimorar técnicas e metodologias para a utilização de drones em pesquisas científicas e utilizá-los para otimizar atividades de campo que exigem grande esforço da equipe e alto investimento de recursos, além de estabelecer um protocolo para a realização de uma estimativa populacional de botos amazônicos. “Sabemos que os botos estão super ameaçados, mas não temos dados sobre eles. Isso é um grande gargalo para sua conservação”, destacou Oliveira.

Próximos estágios

Depois da realização do projeto piloto da Expedição Ecodrones – Botos da Amazônia, a expectativa é passar para a próxima fase, que é testar novas tecnologias. “Queremos testar novas altitudes, novos ângulos de câmera e equipamentos, bem como trabalhar em outras áreas amostradas, como nos rios Teles Pires, Juruena e Tapajós”, revelou o especialista de conservação. “A gente estima que para ter o novo método de contagem leve uns dois anos, pois precisamos vencer os obstáculos”, completou.

Divulgação

Oportunidade

Conforme o especialista de conservação do programa Amazônia do WWF-Brasil, Marcelo Oliveira, a ONG brasileira começou, em junho de 2015, a testar o drone para várias aplicações, entre elas, monitorar espécies. Mas o teste no cerrado não mostrou resultados animadores, porque a vegetação dificultava a visualização dos animais. Ao saber da expedição para contagem de botos no Mamirauá, Marcelo viu a oportunidade de aplicar o projeto numa nova realidade. E deu certo.

Websérie sobre o projeto está disponível na internet

A Expedição Ecodrones – Botos da Amazônia resultou, neste primeiro momento, numa websérie composta por cinco vídeos, de curta duração, que estão sendo divulgados na internet. Os episódios, disponibilizados nas redes sociais das organizações e também no site,mostram a incrível jornada dos pesquisadores para testar a contagem de botos com o uso de drones.

“Queremos que as pessoas acompanhem os desafios, as surpresas e as belezas naturais que vivenciamos durante essa expedição. Ficamos muito satisfeitos com o resultado e esperamos que isso possa chamar a atenção para a importância do uso de tecnologias em prol da conservação”, disse o especialista de conservação do programa Amazônia do WWF-Brasil, Marcelo Oliveira.

Pioneirismo é exemplo na Bolívia

O especialista de conservação do programa Amazônia do WWF-Brasil, Marcelo Oliveira, esteve na Bolívia recentemente para apresentar os primeiros resultados obtidos com a Expedição Ecodrones – Botos da Amazônia a um grupo de pesquisadores que trabalha com botos de todos os países amazônicos. Conforme ele, os dados foram recebidos com entusiasmo pelos especialistas. “É a primeira vez que um projeto utiliza essa tecnologia para monitoramento populacional de botos. Eles souberam dessa nossa iniciativa e nos convidaram para apresentar o projeto. Agora há uma concepção maior em como pensar na proteção da Amazônia”, disse.

Meta agora é aprimorar a técnica para outros usos

Para a pesquisadora do Instituto Mamirauá, Miriam Marmontel, a Expedição Ecodrones – Botos da Amazônia foi uma ótima oportunidade de colaboração multidisciplinar e interinstitucional e de testar uma tecnologia de ponta com um enorme potencial para uso em pesquisa e conservação. A expectativa é aprimorar o método para ser aplicado com outras espécies.

“Estamos mais adiantados com a questão de botos porque já víamos pensando, pesquisando e nos preparando para isso há algum tempo e, com a expertise de Marcelo Oliveira e o contato que nos ajudou a fazer com o Conservation Drones, estamos avançando com facilidade. Entretanto, o potencial de uso em áreas protegidas é ainda um grande horizonte aberto”, afirmou.

Ela destacou que foi feito pequenos experimentos com avistagens de jacarés e documentação de praias de quelônios que os pesquisadores da área julgaram promissores. “E a tendência é melhorar à medida que a tecnologia evolui e se adéqua a nossas necessidades específicas. Por exemplo, para nosso uso seria ideal um drone UAV com maior autonomia de voo, melhor qualidade de imagem do que o modelo que utilizamos e idealmente a prova d’água. Isto significa que teremos que passar a uma fase de customização e possivelmente montagem de um próprio”, explicou.

Boto Rosa, Inia geoffrensis, Rio Tapajós, região de Santarem

Curiosidade

Miriam Marmontel, pesquisadora do Instituto Mamirauá, explica que por serem predadores piscívoros (animais carnívoros que se alimentam a base de peixe), os botos tem a capacidade de “desbastar” as populações de peixes daqueles indivíduos mais problemáticos ao capturar e consumir facilmente aqueles mais debilitados, seja por parasitismo, seja por doença, contaminação ou outra incapacidade.

Além disso, justamente por serem predadores “de topo”, na cadeia alimentar, tendem a concentrar elementos nocivos à nossa saúde (contaminantes, poluentes, mercúrio) e ao apresentarem sintomas (há vários relatos de outras espécies de botos com problemas de pele em áreas contaminadas) “acionam o alarme”, funcionando como o que se costuma dizer “espécies sentinela”, que são indicadores da poluição do meio ambiente.

Blog: Miriam Marmontel, pesquisadora do Instituto Mamirauá

“É difícil dizer com certeza como está à situação dos botos no Amazonas porque precisaríamos de dados de dinâmica populacional para dizer o status real – tanto é que a IUCN os categoriza (ambas as espécies) como “dados deficientes”. Como não temos dados de reprodução, mortalidade e abundância, nossa avaliação fica prejudicada. Por isso fazemos estas estimativas de abundância, coletamos carcaças (para examinar tratos reprodutivos documentar mortalidade). Mas certamente sabemos de ameaças preocupantes. Julgo os emalhes em redes de pesca como o principal – embora não quantificado. Certamente o grande número de usinas hidrelétricas projetadas também é preocupante, por isolar populações, alterar o ambiente e química da água e modificar as espécies de peixes base da alimentação dos botos. Mas, recentemente, o problema da pesca da piracatinga levou o governo brasileiro a classificar o boto vermelho como ameaçado – embora aqui também a documentação sobre o problema seja pequena. O monitoramento populacional destes animais é fundamental para que possamos gerar dados científicos que nos levem a definir criteriosamente seu status e a contribuição real de cada ameaça. Desta forma será possível projetar ações que eliminem, reduzam ou mitiguem esses impactos”.

Fonte: A Crítica

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