EnglishEspañolPortuguês

A verdade sobre os zoológicos

18 de junho de 2014
8 min. de leitura
A-
A+

Em diversos trabalhos pesquisados que abordam o tema dos zoológicos, há sempre a fundamentação de sua importância no papel que exercem (ou ao menos deveriam exercer) sobre a questão da conservação e preservação das espécies animais ameaçadas de extinção, bem como o seu acolhimento e proteção, afinal este não deixa de ser um entendimento correto dos objetivos de existência dessas instituições. No entanto a história de sua origem até os dias de hoje tem mostrado uma realidade nem um pouco condizente com essa proposta que é tanto defendida e justificada para a sua existência, pois revela uma trajetória sempre marcada por ambição e negligência, na qual o bem-estar dos animais nunca foi de fato o foco.

No Brasil, essa história começou no inicio do século 19, quando D. João VI ordenou que fossem enviadas da África para o Brasil diversas variedades de aves que ele chamava de “pássaros esquisitos”, de onde vieram as primeiras importações de animais, juntamente com os primeiros escravos africanos, dado o fato de haver nessa época um grande empreendimento colonial português. Isso resultou em grande quantidade de animais vindos ao Brasil, além de diversas matérias-primas desse continente. Nesse período os métodos de captura existentes eram os mais rudimentares e cruéis que possamos imaginar. Para a maioria dos mamíferos, por exemplo, os principais eram o laço e armadilhas, sendo a mais comum o fosso. Este consistia em um buraco profundo no qual o animal caía e ficava impedido de sair; mais de 90% dos animais sucumbiam de exaustão e por ferimentos nessas armadilhas, e a pequena parte dos que sobreviviam a essas capturas morria quase totalmente de exaustão nas longas e sofridas viagens de navio. Pode-se dizer com isso que, para cada animal que chegasse vivo ao Brasil dentre as centenas de milhares, independentemente da espécie de mamífero, ave ou réptil, sempre haveria por trás uma mortandade de centenas de milhares.

O escritor e historiador Manuel dos Anjos da Silva Rebelo, um dos responsáveis por descrever e enaltecer a história de D. João VI, relata a sua dificuldade em compreender os objetivos do rei ao solicitar tais animais, em razão do alto grau de futilidade que envolvia tais exigências. Nos documentos históricos consultados, consta a informação de que D. João VI havia ordenado o envio de seis zebras (das quais apenas uma sobreviveu até o destino) com o único objetivo de proporcionar algum tipo de diversão e recreio para os seus filhos adolescentes, dentre eles o príncipes D. Pedro I, futuro imperador do Brasil.

Pelo mundo, as primeiras coleções particulares de animais remetem desde a era Mesopotâmica, quando a coleção de animais passou a ser reconhecida como status de poder, riqueza e autoridade. Homens ricos e membros da realeza exibiam inúmeros leões para impressionar seus convidados e proporcionar-lhes alguma espécie de passatempo. Quanto mais raro, feroz e difícil de ser capturado o animal, mais orgulho e prestígio obtinha quem o exibia.

Com o Império Romano esse tipo de coleção chegou ao auge, com os imperadores ricos e fluentes passando a importar animais de outros continentes, chegando a haver milhares de tigres, leões, ursos, crocodilos e elefantes nas mãos de apenas alguns reis. Com o passar do tempo esse tipo de exibição foi inovada para a exposição dos animais em arenas para impressionar o público a um ponto em que jamais se poderia pensar que a humanidade pudesse chegar: colocavam-se milhares de animais para matarem-se uns aos outros, dilacerando humanos, principalmente mortos por gladiadores. Segundo registros, a coleção do rei Trajano de 11 mil animais ferais foi totalmente dizimada em apenas algumas celebrações públicas.

Embora mais tarde as grandes arenas romanas tenham desaparecido com o declínio do Império Romano, a ideia de expor animais em combate persistiu e seus efeitos espalharam-se pelo mundo até os dias de hoje, por meio de touradas, rinhas, rodeios, corridas de cavalos; ou seja, como nas antigas arenas romanas, continuamos a contrariar os animais colocando-os em situações de intenso estresse e sofrimento para o nosso entretenimento.

A ideia dos jardins zoológicos atuais começou na Inglaterra a partir de 1800, quando humanos também eram expostos ao lado de animais; desde então se avançou para um importante mercado lucrativo, com a exposição de animais e humanos de diferentes etnias em teatros, museus, salas particulares, galerias de arte, salas de música, espaços desportivos, jardins botânicos e zoológicos. Essa atividade foi interrompida mais tarde, mas a exposição dos animais continuou, com a fundação da Zoological Society of London, que tinha como aspecto central enfatizar a superioridade britânica perante o mundo.

No final do século 19 o empresário alemão Carl Hagenbech criou um império empresarial de animais para zoológicos com grande clientela de compradores pelo mundo. Seus fornecedores eram naturalistas, exploradores e soldados das forças armadas coloniais, mas principalmente caçadores por ele contratados. Os métodos de capturas que ele empregava eram os mais seguros, mas somente para os raptores; todos o integrantes dos grupos dos grandes felinos e elefantes eram mortos para a captura de seus filhotes. Já dos animais como girafas, cervos e antílopes eram capturados os adultos, e os filhotes eram deixados à própria sorte. Apesar das grandes perdas de animais durante o transporte, seu negócio se tornou altamente lucrativo, com a venda de milhares de animais. Apesar de tudo o que Hagenbech possa ter feito de ruim para os animais, foi ele o precursor dos zoológicos com ambientes que reproduzem o hábitat natural das espécies animais, como foram espelhados pelos zoológicos da atualidade.

Os zoológicos dos dias de hoje têm uma proposta de caráter educativo para população em relação às espécies cativas que nele vivem, além da conservação e reprodução em cativeiro dos ameaçados de extinção. No entanto o que podemos constatar na realidade é que apenas mudaram os problemas para os animais de zoológico, seus sofrimentos ainda são contínuos e intensos, apenas foram variados. Um aspecto muito pouco abordado hoje em dia sobre a problemática dos zoológicos são os animais excedentes, pois ao mesmo tempo em que os zoológicos promovem a reprodução de uma variedade de espécies, constantemente são descartados animais indesejados. Geralmente animais mais velhos são substituídos por animais mais jovens e mais atraentes ao público pagante de ingressos.

O descaso que os poderes públicos têm com o meio ambiente e, consequentemente com essas instituições, faz com que haja sempre problemas com espaços físicos nos recintos, filhotes extras, animais não reprodutivos, animais cujos genes já são bem representativos na população total etc. Segundo o escritor sobre esse assunto Vick Croke, 10% dos mais acreditados zoológicos e aquários dos EUA produzem todos os anos mais de oito mil animais extras que são descartados. Então, para poderem se manter, os administradores dos zoos adotam diferentes formas para lidar com essa situação, sendo as mais comuns a doação ou venda para outros zoológicos, para negociantes, santuários privados e até para campos de caça. A arquitetura é outro problema sempre presente para a grande maioria dos zoológicos, segundo Croke: em um total de 1400 zoológicos licenciados nos EUA, apenas 149 são considerados “acreditados” como os que ao menos representem os ambientes naturais das espécies e não possuem grades. A grande maioria ainda mantém os animais em más ou péssimas condições, confinados em pequenas jaulas de concreto e ferro.

A realidade é que a falta de incentivo do governo e iniciativa privada faz com que os zoológicos dependam principalmente dos ingressos das bilheterias e da venda de animais excedentes. Itens como instalações adequadas para os animais, fiscalização para todos os colecionadores particulares ou não, reprodução para as espécies em risco de extinção, orientação para o comportamento dos visitantes, bem como controle do número dos mesmos, e projetos para educação ambiental, assim como para a reintrodução de animais na natureza, são aspectos sempre carentes.

É comum o senso popular achar que os animais passem bem nos zoológicos e muitas vezes tenham até mordomias e regalias, dados os eventuais noticiários de jornais e TV mostrando macacos recebendo picolés de frutas congelados no verão, ou ar-condicionado instalado para os pinguins (pois sem isso morreriam no calor), ou um atendimento odontológico para a extração de um dente podre em um tigre. No entanto, as condições de vida dos animais nesses parques quase nunca são mostradas.

Durante minha formação acadêmica sempre fui convencido a acreditar que os zoológicos desempenham um importante papel para o meio ambiente, na preservação e conservação dos animais, no entanto, investigando um pouco mais a fundo daquilo que tudo já me foi apresentado, ou seja, da sua verdadeira origem até os dias de hoje, e vendo as perspectivas futuras, não há como deixar de cair na realidade e ver que essas instituições não passam de coleções de animais que são mantidas para que possamos, em um final de semana qualquer, ir até lá para passarmos o tempo, sempre à custa do sofrimento alheio.

 

Referências

http://noticias.r7.com/blogs/patas-ao-alto/tag/protecao-de-bichos/

http://www.nethistoria.com.br/secao/artigos/360/os_gladiadores_sangue_e_gloria_na_arena/capitulo/6/

http://www.girafamania.com.br/introducao/zoos_inglaterra_londres.htm

https://www.anda.jor.br/08/03/2011/passeio-ao-zoologico-sob-outra-etica

http://en.wikipedia.org/wiki/Carl_Hagenbeck

http://en.wikipedia.org/wiki/Carl_Hagenbeck

Scientific American, N° 56 – Libertação Animal

_______
Gabriel Gasperin é biólogo, pós-graduado em Gestão em Saúde. Trabalha na Secretaria de Vigilância em Saúde de Gravataí – RS.

Você viu?

Ir para o topo