(da Redação)
Animais podem sentir um terremoto antes dos humanos. Naquele dia, no Nepal, a maior parte das pessoas notou que os pássaros, como todas as criaturas aladas na região, tomaram os céus em uníssono, gritando um aviso sinistro aos que se encontravam lá embaixo.
Para Kelly Donithan, da International Fund for Animal Welfare (IFAW), o animal a dar o alerta foi um muito maior: uma vaca chamada Chameli. Seus olhos estavam parcialmente fechados momentos antes, enquanto ela usava uma das suas mãos para prover sombra no sentido de protegê-la do imperdoável sol.
Então, de repente, os olhos de Chameli se abriram, em pânico.
O tremor daquele segundo terremoto foi suficientemente assustador. KeIly conta ter estremecido quando pensou que o animal pode ter se lembrado que a mesma força da natureza a colocara naquela posição há pouco tempo atrás. As informações são do One Green Planet.
Chameli era uma vaca como muitas outras no Nepal após o terremoto de 25 de abril: derrubada, enterrada, ferida e/ou incapaz de ficar de pé por conta própria.
Ela estava debaixo de seu abrigo quando o primeiro terremoto a atingiu, e enterrou-a em escombros. Após pessoas terem limpado os destroços, ela ficou incapaz de se levantar, ficar de pé ou andar.
Seus “tutores” usaram bambus e pedaços de lona para criar um abrigo improvisado, e levavam-lhe comida e água diariamente.
Quando os voluntários da IFAW chegaram por volta do meio-dia do dia 12 de maio, ouviram dizer que ela havia acabado de dar à luz no dia anterior, apesar de suas lesões. Os moradores da vila puxaram o bezerro da mãe machucada e imediatamente passaram a cuidar do filhote, que estava saudável.
Após um exame inicial, nenhuma fratura evidente ou ferimento grave foi encontrado. A primeira ação urgente seria dar a ela algum suplemento de cálcio por via intravenosa, ideal por ser o meio mais rápido de absorção e tratamento crítico inicial para uma vaca muito debilitada, como estava Chameli.
De repente, conforme os seus olhos se abriam cada vez mais de medo e o chão debaixo de seus pés começava a se mexer em movimentos fluidos, Chameli rapidamente levantou a sua cabeça. Kelly posicionou a sua mão sobre o suporte da agulha para mantê-lo no lugar em seu pescoço.
Dentro de segundos, ficou claro que este não era um tremor menor.
O chão resistiu e então se ergueu, e Kelly encostou em um robusto pedaço de bambu para manter o equilíbrio, mantendo uma das mãos no pescoço de Chameli sobre a agulha enquanto tentava estabilizar a sua cabeça com o outro braço.
As paredes já danificadas do prédio balançavam como tecido, ao invés de tijolos. A estrutura de bambu e lona começou a cair em cima de Chameli e Kelly, eliminando o ângulo de visão da tratadora. Em meio aos ruídos da terra e dos gritos de pânico, ela ouviu avisos de seus colegas de que as paredes estariam desabando.
Kelly mexeu-se para retirar a agulha da veia de Chameli, tirou a lona e buscou um local mais seguro. Ela conta que foi difícil saber exatamente quando a Terra parou de tremer, pois as suas pernas continuavam. Os choros e gritos dos moradores enchiam o ar, e a equipe da IFAW correu em socorro daqueles que clamavam por pessoas e animais que podiam estar presos ou machucados. Felizmente, ninguém na área em que ela estava foi atingido fisicamente com gravidade. “No entanto, o trauma emocional sentido por todos os que passaram pelo terremoto ainda mais forte há duas semanas atrás era claramente difundido e comovente”, relata Kelly.
Apenas quando a “histeria” coletiva diminuiu, ela retornou o seu foco para Chameli.
Seus colegas e ela desmancharam o abrigo improvisado e terminaram a aplicação de cálcio. Tremores iam e vinham enquanto eles limpavam e medicavam as feridas em suas pernas e barriga, e ministravam analgésicos.
Eles gentilmente deslocaram-na de um lado para o outro, substituindo o tecido sujo debaixo dela por palha limpa. Tentaram erguê-la e colocá-la de pé, mas ficou óbvio que não seriam capazes de fazer isso sem a ajuda de mais pessoas.
Os moradores originalmente curiosos quanto à presença dos voluntários não retornariam à área, por medo das paredes instáveis que os rodeavam.
Sendo assim, eles usaram lona e redes de proteção contra mosquitos que eles haviam levado consigo para criar um novo abrigo improvisado em torno de Chameli e protegê-la do sol e das moscas. De acordo com Kelly, naquele momento, não havia mais nada que eles pudessem fazer.
Junto a veterinários locais, eles se asseguraram de que ela receberia tratamento e assessoria nos dias seguintes.
Dirigindo de volta da vila, pessoas surgiam das ruas e espaços abertos, e os voluntários souberam que haviam experienciado um terremoto de 7.3 graus de magnitude, originado de outra região do Nepal, diferente de onde estiveram.
“É devastador conhecer os desafios com os quais as pessoas e animais deste país são agora confrontados enquanto estão ainda juntando as peças de outra destruição recente. Mesmo assim, sinto-me encorajada após ter testemunhado o inegável espírito de resiliência de muitos que, em face do desespero, preocupavam-se com outros ao redor deles, tanto humanos quanto animais”, disse Kelly.
Organizações como a IFAW e seus parceiros locais continuam ajudando a prestar assistência às vítimas humanas e não humanas do Nepal, depois desses dois massivos desastres.