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Vivissecção em pauta no Paraná

4 de dezembro de 2011
7 min. de leitura
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“O fim não justifica os meios. Mesmo se fosse verdade que os humanos colhem grandes benefícios e não sofrem danos com a prática, isso não justificaria a violação dos direitos dos animais cuja infelicidade é se encontrar em uma jaula de algum laboratório num lugar qualquer. Não devemos fazer o mal para que surja o bem. A vivissecção é exatamente o tipo de mal que não deveríamos fazer.”
(Tom Regan)
Relembrei o clima de embate de audiências públicas nessa semana, em Curitiba. Já participei de vários destes embates, não somente em audiências públicas, mas em outras plenárias, maiores até, como conferências, seminários e também em debates em rádio, seja na defesa dos direitos dos animais, do meio ambiente, das classes populares… Se nestes embates o lado contrário à exploração da vida sempre é minoria, imaginem quando se trata da defesa da vida não humana. Vale tudo, pela manutenção e ampliação deste tipo de exploração.
A audiência pública que debateu a questão sobre o uso de animais no ensino e na pesquisa, no estado do Paraná, não foi diferente. Nela, os dois grupos estiveram representados de forma equilibrada: os defensores dos Direitos Animais (DDAs), com argumentos e convicções abolicionistas e os defensores da manutenção das práticas que exploram animais no ensino e na pesquisa. E no meio do debate, os legisladores e seus anseios. [1] [2]
Um debate público como este serve para mostrar aos legisladores a representatividade dos grupos participantes, se estes estão convictos de seus princípios e se influenciam as pessoas em geral. É assim que as coisas acontecem no meio político, e ainda bem que o lado dos defensores dos animais, pelo menos neste momento, estava coeso, representado e firmado em bases abolicionistas. Nenhum dos defensores dos animais se posicionou de forma bem estarista na plenária. Se assim o fosse, entraríamos num consenso com o grupo de professores pesquisadores que defendem a experimentação animal.
A Lei Arouca é atualmente o instrumento primordial na defesa dos defensores da experimentação animal, posta na mesa antes mesmo da audiência pública, pelo que percebi na fala do deputado proponente. Por outro lado, DDAs se valem da lei maior, a Constituição Federal, bem como a Lei de Crimes Ambientais, o Decreto Federal sobre Maus Tratos aos Animais e a contradição da própria Lei Arouca.
Nessa audiência, ficou clara a falta de discurso próprio, do lado pró-experimentação animal. O que mais foi observado foi a série de tentativas de desconstrução dos argumentados abolicionistas. A cada posicionamento, uma tentativa de desmoralização. A simbiose mídia-política é uma arma predominantemente favorável ao especismo, como bem sabemos. O posicionamento dos cientistas foi considerado “cauteloso” em algumas matérias na imprensa. Já os DDAs, durante a audiência, foram taxados como “radicais”, o que não é novidade. Se nos remetermos à origem da palavra, é inevitável, um elogio atuar na raiz dos problemas [3]. Outros julgamentos sobre DDAs emergiram nos discursos, também esperados, como contrários ao desenvolvimento da ciência, leigos, irresponsáveis, generalistas, irracionais, sentimentalóides e até terroristas. Tanta retórica a ponto de negar que os animais sofrem violência nos laboratórios e até mesmo ao cúmulo de questionar a veracidade das imagens exibidas nos banners dos DDAs, daquelas tantas retiradas secretamente dos laboratórios. O bem estar animal é posto como forte aliado da manutenção das práticas de vivissecção.
Ao mesmo tempo em que nos acusavam de generalistas, os defensores da experimentação animal partiam de suas experiências pessoais como “eu nunca fiz isso”, “nunca permitiria isso no meu laboratório (ou na minha instituição)”, para defender que em todos os lugares em que existe experimentação animal as coisas vão muito bem, obrigado. “Os animais não gritam, eles confiam em mim, são imediatamente sedados”. Céus. Se for assim, os animais não gritam porque confiam nessas pessoas, eles são enganados. Lembro agora de tudo que já presenciei em meus momentos de docente e discente universitária. A não violência é convertida em não sentir dor. Morrer, isso é mero detalhe.
De forma rápida e fácil são postos de lado os sujeitos usados nos laboratórios. As vítimas, agora, são os cientistas e toda a humanidade. Os DDAs, então, o que são? Aqueles que levaram faixas como “pesquisa sim, tortura não” ou “por uma medicina mais responsável”, “vivissecção é violência: paz sem voz é medo”. A tecnocracia foi outra arma utilizada, no sentido de desvalorizar o direito de opinar do cidadão não cientista, a maioria da população, que paga impostos e financia com dinheiro público a maioria das pesquisas que se valem de vidas animais sem sequer se dar conta disso.
O uso de animais no ensino é algo bem mais rápido de ser superado, como temos percebido. Isso em muito pelas campanhas educativas dos DDAs e por estudantes que tem se posicionado pela escusa de consciência, divulgando seus direitos e formando opinião. O tema incomoda quando se fala da defesa da manutenção das pesquisas com animais como “complemento” para estudos em medicina e produção de medicamentos para humanos. O que imperou foi o velho argumento recortado do benefício da experimentação animal, que tem maior potencial de remexer nos íntimos de cada um. Isso graças à superestimação dos benefícios (a qualquer preço) e desconsideração dos danos [4]. A falta de investimento em métodos que substituam o uso de animais faz com que a fala fique muito confortável para quem defende o uso animal, pois “se não existe método que substitua, então, continuaremos fazendo em animais”. Mesmo que estes animais sejam considerados somente um “complemento”.
A questão é que se por um lado somos acusados de não conhecermos os benefícios da vivissecção, por outro deixamos claro que vivisseccionistas não estudam o assunto em profundidade, e sim aplicam a vivissecção como tradição, já que não se investe de forma significativa em metodologias livres do uso de animais. Ao mesmo tempo em que vivisseccionistas alegam que os experimentos em animais podem trazer benefícios somente em longo prazo (quando criticamos a falta de aplicação mais imediata para a resolução de um problema), eles não usam esse mesmo argumento para investir em métodos substitutivos. E as pesquisas clínicas aplicadas diretamente em humanos? Com necessidades imediatas e capacidade de dizer sim ou não? Isso não faz parte da argumentação de quem defende a experimentação animal.
Por tudo que vivenciei nesta audiência, reafirmo a importância das virtudes necessárias a um agente moral abolicionista, nas palavras de Sônia Felipe [5]: “discernimento, coerência, justiça, proposito existencial sincero de não violência contra qualquer ser capaz de sofrer, coragem, serenidade, persistência, humildade, e … vontade sincera de aprender muito sobre a vida dos outros animais.” Virtudes imprescindíveis diante da urgência em defender o fim da exploração de animais pela ciência, pois remamos contra a maré da opinião pública, que diz amém para qualquer coisa que alegue ser “comprovada cientificamente”. Mesmo que isso leve à morte na prática.
Enfim, independente do que vier pela frente aqui no Paraná, após essa audiência pública, o importante é que agora conquistamos um espaço para definir o que é crueldade. Este foi o compromisso firmado pelo deputado proponente e fazemos o chamamento para que todos que defendem os Direitos Animais colaborem conosco nesta construção. Outro compromisso firmado na audiência, pensando na árdua caminhada rumo à abolição da experimentação animal, seja em curto, médio ou longo prazo, é a prestação de contas de todas as práticas de ensino e pesquisa que utilizam animais em todas as instituições de ensino do Paraná. Quantos animais, quais as espécies, qual é a procedência, quais são os departamentos que se utilizam, os seus protocolos e professores responsáveis, e também, quais são as agências de fomento e o montante de verbas públicas investido nisso tudo.
Assim como ocorre nas outras formas de exploração animal, é preciso divulgar essas informações para a sociedade, saber mais sobre a realidade dos laboratórios e dos biotérios. É direito do cidadão que paga seus impostos, saber para onde vai o dinheiro público. Este é mais um passo para a superação do especismo: o direito à informação.
Notas:
1.  Assembleia Legislativa debate uso de animais em laboratórios. Disponível em: www.anda.jor.br/30/11/2011/assembleia-legislativa-debate-uso-de-animais-em-laboratorio
2. CRMV-PR debate uso de animais em experimentos científicos em audiência pública. Disponível em: www.crmv-pr.org.br/?p=imprensa/noticia_detalhes&id=2909
3. FELIPE, Sônia. Ética e radicalidade. Disponível em: www.anda.jor.br/19/06/2009/etica-e-radicalidade
4. REGAN, Tom. Jaulas Vazias: encarando o desafio dos direitos animais. Porto Alegre: Lugano, 2006.
5. FELIPE, Sônia. Direitos Animais: desdobramentos das pregas morais. In: ANDRADE, Silvana. (Org.) Visão abolicionista: ética e direitos animais. São Paulo: Libra Três, 2010. (p. 17)

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