No atual contexto mundial, em meio às contradições e às incertezas que afetam a humanidade, a viagem evolutiva da vida sobre a terra traz em sua bagagem novos desafios e profundas reflexões a respeito da superação de determinados dogmas e paradigmas.Trata-se de um processo de transformação cultural inerente à trajetória do homem neste mundo.
Um dos maiores desafios do bicho-homem será o de reformular a sua visão e a sua postura frente à natureza e aos demais seres vivos do planeta. E isso passa necessariamente por uma reflexão e um reordenamento da filosofia, do direito, dos valores morais e dos princípios éticos e religiosos de nossa civilização. É necessário rever e mesmo romper com toda uma tradição antropocêntrica, herança do pensamento judaico-cristão, do humanismo renascentista e do iluminismo.
Movido pela crença de que é o rei da criação, a obra-prima de Deus, e que lhe foi outorgado o domínio sobre as demais criaturas, o homem se vê livre para aprisioná-las, torturá-las, escravizá-las e destruí-las. Não importa que elas tenham as mesmas necessidades físicas (naturais) do homem, que tenham sentimentos, que sintam dor e que sofram na hora em que são mortas. Para com estas indefesas vidas o crente não se sente obrigado em estender os mesmos sentimentos que ele deve ter para com os seus semelhantes e que estão fundamentados nos princípios de sua fé e crença. Sentimentos como a solidariedade, a compaixão, o amor, a bondade e a empatia não existem somente para que sejam compartilhados entre os humanos. Aliás, os animais já demonstraram que o verdadeiro olhar do coração não vê as diferenças com indiferença.
No campo da filosofia, os princípios éticos da cultura ocidental e a própria formação do direito individual e do contrato social excluíram e subjugaram os animais, considerados seres inferiores. Novamente o antropocentrismo, motivado também pelo fato de o homem considerar-se o único ser inteligente do planeta, desconhecendo as diferentes formas de inteligência. Daí, a ideia da superioridade humana, que no viés religioso se dá pela crença de que o homem é o único ser dotado de alma. É bom lembrar que, no início do século XVI, muitos europeus que chegaram à América duvidaram da existência de alma nos indígenas, tornando-se necessária a intervenção do Papa Paulo III através da Bula “Veritas Ipsa”, de 1537.
O mesmo discurso da superioridade também serviu para manter a escravidão negra até o século passado. E, sob outra forma, sustentou o domínio do homem sobre a mulher (“ser inferior, de pouca inteligência”) até pouco mais da metade desse século.
Os animais são as últimas vítimas que merecem ser libertadas do discurso da superioridade.