As 20 araras-canindé soltas, ontem, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) na Chapada Imperial saíram lentamente de suas gaiolas, para reencontrar a imensidão do verde, que desconheceram durante boa parte de suas vidas. Inicialmente com medo, deram alguns passos na grama antes de alçarem voo em um espetáculo que coloriu ainda mais o céu azul do Cerrado. Resgatadas em Belo Horizonte, eram mantidas em cativeiro e comercializadas de forma ilegal. Ao serem resgatadas, passaram por uma reabilitação de um ano no Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) mineiro, para que pudessem ficar saudáveis e reaprender a viver na natureza, onde é seu lugar.
“Queremos que os animais possam cumprir a missão deles na cadeia biológica. A soltura é para fazer com que isso aconteça, porque em cativeiro eles realmente não alcançam esse objetivo”, explicou o chefe do Cetas, Júlio César. Junto às araras, também foram soltos outros pássaros de pequeno porte, que voaram rapidamente com a abertura das gaiolas, como quem esperou aquele momento a vida toda. “Os pássaros vieram do nosso berçário. Chegaram em setembro, ficaram um período em recuperação e, agora, puderam ser soltos”, disse Júlio.
Quem pôde acompanhar de perto o espetáculo de asas foi a designer de interiores Jurema de Oliveira, 60 anos, que frequenta a Chapada Imperial há anos. “É emocionante ver essa ação, é algo de grande valor poder vivenciar esse momento”, disse. Jurema estava acompanhada da família que veio de muito longe, da França, e pôde prestigiar o acontecimento. “Fomos ao Rio de Janeiro também nessa viagem, mas fiz questão de trazer a família a Brasília, que é onde nasci. Amo esse lugar e a Chapada Imperial, porque podemos ver a natureza tão de perto e proporcionar isso às crianças também”, disse a gestora de projetos Naiana Pinheiro, 38, sobrinha de Jurema. Ela é casada com o empresário Julian Alves, 38, e mãe do Matheo, 8, e Eloysa, 5. Durante o passeio à Chapada, que contou com trilhas e banho de cachoeira, os pequenos franceses puderam participar da soltura de alguns dos pássaros. “É muito bonita, achei que era menor. Gostei muito”, disse Matteo, que antes havia visto apenas as ararinhas-azuis do filme Rio.
E realmente semelhante à cena de um filme, porém muito melhor por ser ao vivo e a cores, as aves se despediram de uma vida que não as merecia. Como diz a canção Gaiolas Abertas, de João Donato: Voa, bate asa e vai embora.
Lugar de recomeços
A Chapada Imperial, a 50km do Plano Piloto, conta com cerca de 4.700 hectares destinados à preservação ambiental. Com 33 cachoeiras visitáveis, o local é um paraíso do ecoturismo que, para além dessa função, também é cenário de recomeços de milhares de animais resgatados em situações insalubres e ilegais.
“Depois de soltas, às vezes elas vêm aqui visitar a gente. Algumas ficam morando por aqui nas árvores e depois se vão junto com os grandes grupos de araras”, disse Márcio Imperial, dono da Chapada, que faz questão de sempre acompanhar as solturas, realizadas diversas vezes na semana. “São aves, jabutis, répteis e coelhos. Sempre tenho o prazer de os ver saindo das gaiolas e correndo para o mato. É muito emocionante, toda vez. Um prazer imenso poder fazer essa parceria com o Ibama. Podermos acompanhar esses animais retornando para a natureza, que é o lugar que pertencem, não tem preço”, conta Márcio Imperial, dono da Chapada Imperial. Segundo ele, no local já foram soltos mais de 20 mil animais.
De acordo com o artigo 29 da Lei de Crimes Ambientais, é delito matar; perseguir; caçar; apanhar; utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente. O crime gera detenção de seis meses a um ano, além de multa, e a pena é aumentada em 50% caso os animais sejam de espécies raras ou considerada ameaçada de extinção. As araras-azuis e as araras-de-lear estão ameaçadas de extinção no Brasil devido à caça, ao comércio ilegal, à destruição de seu habitat e aos incêndios florestais.
Na semana passada, foram resgatadas cerca de 2,5 mil aves silvestres na altura da DF-130, na região do Paranoá. Os animais, que viviam presos, amontoados, em gaiolas precárias, iriam ser transportados de Goiás para Pernambuco, onde seriam comercializados por R$ 100 cada. Os três suspeitos de serem responsáveis pelo crime foram presos. O trabalho foi conduzido pela Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), por meio do Grupo Tático Ambiental (GTA) e do Comando de Operações de Divisas (COD). Após o resgate, as aves são inicialmente reabilitadas pelo Ibama, para então serem devolvidas à natureza, na Chapada Imperial.
Sobre elas
A arara-canindé é uma espécie abundante em várias partes do Brasil, em especial no Cerrado. É também encontrada no leste do Panamá e norte da Colômbia, Venezuela, Guianas, Peru, Bolívia, até o norte da Argentina, Paraguai e no oeste do Equador. Alta, medindo aproximadamente 80cm, chama a atenção pelo visual policromático, alternando entre o azul, o amarelo, o preto, o verde e o branco. Vivem em casais ou grupos de até 30 indivíduos.
Fonte: Correio Braziliense