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INCONSCIÊNCIA

Vida dos coquís, sapo endêmico de Porto Rico, está ameaçada por turistas 

Visitantes têm usado produtos químicos para silenciar o canto do anfíbio, que é um símbolo cultural e está em risco de extinção.

3 de junho de 2025
Júlia Zanluchi
6 min. de leitura
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Foto: Wild Horizons/Getty Images

O canto do coquí é a alma de Porto Rico, um símbolo de resistência, identidade e conexão com a terra. Mas agora, esse pequeno sapo endêmico, venerado há séculos, enfrenta uma ameaça absurda: turistas que querem silenciá-lo e matá-lo com sprays químicos.

Porto Rico é o lar de 17 espécies de rãs Eleutherodactylus, conhecidas como coquís. E sua história remonta aos taínos, a população indígena de Borikén, que batizaram o sapo pelo som que ele faz: “co-quí”.

Dessas espécies, três estão extintas, enquanto várias outras enfrentam declínio populacional. Por exemplo, o Coquí-da-Montanha, endêmico das serras centrais da ilha, teve uma redução significativa e é classificado como ameaçado de extinção. Isso se deve à perda de habitat, mudanças climáticas, doenças e, agora, uma nova ameaça: os turistas.

Com o crescimento no turismo do país, que recebeu 6,6 milhões de visitantes em 2024, a ilha virou moda nas redes sociais. Mas enquanto muitos viajantes se encantam com a natureza local, outros agem como se estivessem num parque temático: querem a paisagem, mas sem seus “ruídos” naturais.

A polêmica começou há algumas semanas, depois que um usuário da plataforma Reddit compartilhou um post em um fórum com mais de 750 mil membros dedicado ao turismo em Porto Rico. Ele pedia ajuda para lidar com o “barulho” dos coquís.

“Ouvi um casal em um restaurante em Condado (em San Juan, a capital) falando sobre um spray que usaram em seu Airbnb para evitar que as rãs coaxassem a noite toda, já que são extremamente barulhentas, e disseram que funcionou. Não peguei que tipo de produto era, e eles saíram antes que eu pudesse perguntar. Não encontrei nada na internet nem em lojas. Alguém sabe o que poderiam estar usando?”, escreveu em inglês. “Definitivamente, eu gostaria de conseguir algo assim. Amo a natureza, mas meu Deus, essas coisas são muito barulhentas à noite e um pouco irritantes.”

O post, posteriormente excluído, logo se encheu de respostas de porto-riquenhos furiosos pelo que consideraram não apenas um ataque a uma espécie nativa ameaçada, mas um desprezo pela cultura da ilha. “Se você não gosta do som do coquí, saia de Porto Rico”, dizia um comentário.

Até o cantor Bad Bunny, estrela mundial e orgulho do país, juntou-se às críticas e postou em seu story do Instagram um trecho de sua música LO QUE LE PASÓ A HAWAii, onde se escuta o canto da rã.

Envenenamentos

É difícil precisar a qual produto o turista se referia. O mais provável é que seja algum químico, como um pesticida ou alvejante, que esteja matando os coquís, não apenas silenciando-os, explica Rafael Joglar.

O professor e pesquisador do Departamento de Biologia da Universidade de Porto Rico estuda a rã há mais de cinco décadas e é fundador do Proyecto Coquí, uma ONG para proteger e pesquisar sobre anfíbios e répteis. “Nosso grupo está muito alarmado porque nos preocupa que continuemos a perder outras espécies. Temos uma situação delicada em Porto Rico com os coquís”, afirmou por telefone em entrevista ao El País.

Segundo o especialista, se o coquí para de cantar, para de se comunicar e, portanto, não se reproduz. E se não se reproduz, desaparece, como já ocorreu com três espécies de coquí. Apenas o macho canta, e na verdade ele tem duas notas: o “co” e o “quí”.

“O ‘co’ é para alertar outros machos que estão perto para não invadirem seu território. É um som que só os machos ouvem”, explicou Joglar. Já o “quí” é um som que apenas as fêmeas ouvem e “é um chamado para convidá-las a uma noite de romance”.

O ouvido humano, no entanto, detecta ambos os sons no “coquí, coquí” que se repete a noite toda. O canto às vezes varia se, por exemplo, há dois machos se comunicando — nesse caso, apenas o “co” se repete. Ou, se uma fêmea se aproxima, a rã insiste no “quí”.

“São animais muito inteligentes”, observou Joglar. “Eles se posicionam em lugares estratégicos. Entram nas janelas das casas, por exemplo, ou em troncos de árvores, para produzir um efeito de amplificação do som. É como se procurassem microfones.”

Turistas invasores

Para Arturo Massol Deyá, biólogo da Universidade de Porto Rico, querer exterminar os coquís “é muito simbólico do que representa uma espécie invasiva”.

A espécie invasora é aquela introduzida em um ecossistema diferente de seu habitat natural e que causa danos ao novo ambiente. “Quando se pensa no coquí e em como este é seu ecossistema natural, é preciso perguntar quem está no lugar errado. E quem está no lugar errado não é o coquí. Ele é um tesouro natural e nacional”, disse o especialista.

“Se o som te incomoda, é porque você claramente não é daqui. É o simbolismo dessas pessoas que vêm ocupar esses espaços e se incomodam com o coquí, com o porto-riquenho e com nossa cultura. E, da mesma forma que querem jogar spray no coquí, jogariam nos porto-riquenhos”, opina o também diretor executivo da Casa Pueblo, uma organização de autogestão comunitária que luta pela conservação dos recursos naturais locais e promove o uso da energia solar. “O problema não é o coquí; é o invasor que está no lugar errado, com uma postura em que tudo se resolve com extermínio.”

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