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Veterinário revela casos de maus-tratos e sacrifícios de animais em canil municipal

23 de junho de 2010
4 min. de leitura
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Wilson Grassi
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A história é verídica, embora eu não vá dar os nomes, pois existe um inquérito e apuração do Ministério Público e não quero atrapalhar o andamento do processo.

A situação começa com munícipes reclamando de animais soltos nas ruas perto de suas casas. Alguns tidos como agressivos, outros tidos como doentes. Ligam para o serviço de zoonoses de suas cidades e exigem providências, embora eles mesmos provavelmente não castrem nem prendam os seus animais.

Então algumas Prefeituras desejosas de cumprir seu papel de agentes de Saúde Pública resolveram varrer a sujeira para baixo do tapete. Em vez de terem seu próprio canil municipal, cumprirem a lei, investindo em controle reprodutivo e educação para guarda responsável, terceirizaram o serviço de recolhimento, manutenção e eutanásia de cães e gatos para uma empresa particular, logicamente pagando pelos serviços.


Esta empresa recebe uma lista de endereços e chamados e sai recolhendo os animais que ninguém quer mais em cinco cidades paulistas. Depois os levam para uma chácara e enjaulam. Fui até lá conferir. Disseram-me que praticamente não matam. Tratam e doam.

Bom, não havia um único frasco de analgésico nem antibiótico no local. Nem um livro de registro de entrada de animais. Nem estava lá o veterinário responsável. Ao abrir os freezers, pelo menos uns 20 cadáveres. A explicação que recebi era que estavam acumulando os cadáveres para o caminhão de coleta vir e levar tudo de uma vez. Que os medicamentos vinham junto com o veterinário responsável, que assim que chegava um animal doente ao canil – e vi chegar um – ia imediatamente ao local e tratava do mesmo.

Quanto à falta de registros, ficava por conta das Prefeituras. E as eutanásias só ocorriam em situações terminais. Esta é a versão deles.

A impressão que tive foi um pouco diferente. Pareceu-me que chegam lá dezenas de animais por semana, pois só em um único dia constatei 12. Eles juntam estes animais por alguns dias, pois recolhem cada dia da semana em uma cidade, alimentam com ração “pastel dog” e acionam o veterinário que vai até lá periodicamente e sacrifica quase todos os animais. Digo quase, pois acredito que o tratador gosta de animais e tenta salvar alguns do procedimento letal.


Culpados: muitos. A começar pelo munícipe que pouco faz para a coletividade e muito exige. Os prefeitos, que querem se livrar do problema e não investem um mísero real em programas de castração, mas não abrem mão de cobrar impostos sobre atividades que só existem em função dos animais, como o comércio de ração, medicamentos e serviços veterinários. O veterinário, autoridade sanitária do município, que até pode delegar a execução do serviço, mas nunca poderia se omitir de fiscalizar e acompanhar o que está sendo feito sob um contrato que ele assinou. Os empresários, que podem ganhar dinheiro, mas nunca à custa de uma atividade ilegal e cruel. O veterinário que executa os animais, que, antes de pensar no dinheiro que recebe, deveria refletir sobre o que o motivou a escolher esta carreira, lá atrás, quando ainda era um garoto.

Os comerciantes de animais, que têm enorme dificuldade em compreender que não dá mais para estimular a reprodução de cães e gatos e que o gosto por uma raça ou pelo lucro da venda de um filhote não paga o sofrimento de milhares de cães e gatos que têm final semelhante aos que eu vi dentro dos freezeres deste canil, condenados por nascer. E até mesmo nós, que tentamos e, por mais que façamos, não estamos tendo competência para virar o jogo e diminuir o sofrimento que nossa sociedade impõe aos animais de uma forma geral.

Portanto os culpados são muitos, e as vítimas também. Quanto ao andamento deste processo, como e quando vai terminar, basta saber que começou há oito anos  e até agora nada aconteceu. Triste também é saber que o que acontece nestes municípios não é exceção, mas evidência do descaso do Poder Público com a questão e do status de objetos descartáveis que ainda imputamos aos animais.

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