por Dra. Marlene Nascimento
Nosso país está passando por graves problemas sociais e o tema proteção animal é encarado com certo preconceito. O que muitos governantes não percebem é que o perfil das pessoas que lutam pelos direitos dos animais mudou. O defensor não é mais aquele que fica chorando pelo que está acontecendo, mas o que se informa, pesquisa e vai a luta. Apresenta sugestões e trabalha não só em defesa do animal, mas também como um colaborador, quando lhe é permitido, dos órgãos de saúde pública.
Em nosso trabalho de defesa animal nos deparamos com situações desgastantes. Mas nenhuma que se iguala a que encontramos quando nos deparamos com a forma como são encaradas as zoonoses (doenças como raiva, leishmaniose, leptospirose e toxoplasmose). Em nome delas, são sacrificados milhares de cães e gatos no mundo inteiro, como se a vida destes animais não tivesse nenhum propósito neste planeta e o ser humano fosse o senhor absoluto do universo.
Nas grandes metrópoles, e mesmo em pequenos povoados, assistimos à depredação do meio ambiente, à falta de saneamento básico, a seres humanos convivendo com o lixo e a miséria, a governantes corruptos desviando verbas e a situações cada vez mais caóticas.
A interferência no meio ambiente
A interferência do ser humano no meio ambiente (desmatamento, acúmulo de lixo, circulação de animais, etc.) causou danos irreparáveis ao planeta e fez aparecer, em zonas urbanas, doenças como leishmaniose, leptospirose e outras consideradas de zona rural. Quando os detentores do poder se deparam com estas doenças, começam a combatê-las matando cães e gatos. Esquecem-se que estes são vítimas das ações depredatórias do ser humano e que também sofrem com a doença. É fácil sacrificar animais indefesos, tão fácil quanto é transferir a culpa pela incapacidade de resolver problemas tão primários.
Toneladas de inseticidas são utilizadas para combater este ou aquele vetor. Muitos animais são mortos e suas carcaças jogadas em lixões a céu aberto ou em valas comuns. Prefeituras disputam, com estatísticas aterrorizadoras em mãos, verbas para combater esta ou aquela doença. Muitas zoonoses estão emergentes devido à depredação do meio ambiente ou técnicas laboratoriais mais eficientes ou, o que é pior, devido a pesquisas dirigidas com a finalidade de disputar as verbas federais, equipamentos para laboratórios ou para alimentar o ego de alguns pesquisadores. O cão ou o gato são as primeiras vítimas caso tenham algum envolvimento com a doença.
A leishmaniose que agora se alastra pelo Brasil, a leptospirose, ou outra, não importa qual doença, a dinâmica é a mesma. Prefeituras disputam verbas com suas estatísticas e defensores dos animais tentam em vão salvar a vida de animais, vítimas inocentes. Se as verbas destinadas aos municípios fossem utilizadas para combater a raiz do problema, que com certeza não é o cão, nem o mosquito, nem o rato, mas a interferência do ser humano no meio onde vive, não teríamos tantas doenças que estão levando tanto o homem quanto o animal ao sofrimento.
A (ir)responsabilidade do ser humano
A partir do momento em que o ser humano domesticou o cão e o gato, tornou-se responsável por alimentá-lo, supervisioná-lo e, inclusive, interferir em sua capacidade reprodutiva através da esterilização, evitando assim a superpopulação e a disseminação de doenças.
Quanto ao rato, ao mosquito e a outros vetores, o homem contribui proporcionando o habitat para os mesmos como acúmulo de lixo e esgoto a céu aberto.
As zoonoses, muitas vezes, nos parecem “minas de ouro”, pois a cidade que mais apresentar problemas recebe maior verba. E assim, ano após ano, veremos animais sendo sacrificados em nome da saúde pública, como foi o caso de Araçatuba (SP), e agora é a vez de São Borja (RS) estampar as manchetes. Qual será a próxima cidade?
Ainda estamos consternados com as perdas causadas pela febre amarela, que levou muitos bugios a morte, alguns pela doença, mas a maioria morta cruelmente pelo bicho homem com a intenção de se proteger da doença.
Agora perguntamos: quantas pessoas morreram de febre amarela no Rio Grande do Sul e quantas morreram de problemas provocados pela vacina? Cobrem estes dados dos responsáveis. Esta maneira alarmista e insensível de proteger a saúde tem feito vitimas inocentes que, no caso da febre amarela, também atingiu os seres humanos.
Com a Leishmaniose “instalada” no Rio Grande do Sul, veremos milhares de cães serem abandonados e suas mortes serão inevitáveis, mesmo que pesquisas confirmem que matar cachorros não reduz a incidência da doença, mas as normas ditam: leishmaniose em cães significa morte, fazendo do Brasil o único país que mata os cães soropositivos.
Falta operador responsável para a máquina pública
Nós, cidadãos, estamos sustentando a máquina pública com o dinheiro de impostos, que são muitos, pagando para ver situações intermináveis de sofrimento de animais, e nenhuma solução de bom senso. E o que ouvimos é que investir em vacinas (no caso de leishmaniose) não é interessante. Esterilização? “Nem pensar, não resolve o problema”. Não somos SUS. Cães e gatos mesmo que esterilizados continuam albergues de doenças e estão sujeitos ao extermínio.
A situação se assemelha ao que acontece no nordeste: a seca assola a região, que recebe milhões em verbas todo o ano, mas nenhuma é investida na raiz do problema que é a “falta de água” e a seca continua sendo a “mina de ouro” do nordeste.
Precisamos fiscalizar as verbas
Estamos acostumados com lamentos: falta verba para a saúde, não é feita medicina preventiva neste país, etc. Se analisarmos todas as verbas que chegam aos nossos municípios para o combate a dengue, leishmaniose, entre outras, e somarmos a que chega para o meio ambiente, saneamento básico e muitas outras, veremos que na realidade não é tão pouca como dizem. Nós, cidadãos, devemos nos unir e fiscalizar onde essas verbas estão sendo gastas e cobrar para que sejam gastas na “raiz do problema”, caso contrário, estaremos sujeitos a passar o resto de nossas vidas vendo os nossos animais sendo bodes expiatórios de uma política de saúde pública enganosa e viciada como, até hoje, os nordestinos são vítimas da seca e fome.
Somente através da mudança da política de saúde pública é que conseguiremos evitar que milhares de cães e gatos sejam sacrificados em nosso país, pois não importa a gravidade da doença. Pode ser a raiva, uma doença mortal, ou uma simples verminose: qualquer uma é motivo para sacrifício de animais dentro da política atual. Vivemos numa ditadura em que os sanitaristas têm “poder de polícia” e nós temos que assistir o abuso praticado contra os animais em nome da saúde pública. Não importa qual o vetor nem a doença, o culpado pela disseminação do vetor e da doença sempre será o homem com a sua interferência no meio onde vive.
Saúde se faz com educação, saneamento básico, respeito ao meio ambiente, erradicação da miséria e efetivando políticas publicas com respeito a vida. Chega de matar animais em nome da saúde pública.
Dra. Marlene Nascimento
Médica veterinária, especialista em Saúde Pública, fundadora e presidente do Clube Amigos dos Animais.