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Vegetarianos e veganos estendem seus hábitos e dietas a animais domésticos

23 de junho de 2015
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Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

Meggie não pode ver um talo de couve dando sopa na sua frente que vai logo abocanhando. Pitoca, acredite, adora pimentão. Preta é campeã em furtos de brócolis e couve-flor, mesmo competindo com Pipoca, Lelê, Fila e Chulé, seus outros companheiros, que também não dispensam uma clorofila. Bidu já é mais do doce e prefere maçãs e melancias. Estes serzinhos naturebas são os animais da tatuadora Ana Mendes, 23, da engenheira e autora do blog Beleza Vegana, Eliana Castro, 30, e da terapeuta holística Ramina El Shadai, 38. Cães de raças variadas e habitantes de lares diferentes, eles têm em comum uma dieta rica em frutas, verduras, legumes e livre de carnes.
São os animais vegetarianos, cuja alimentação é reflexo do estilo de vida e da ideologia de seus tutores, que ganham mais adeptos nos lares brasileiros. Segundo pesquisa do Ibope, 8% da população se declara vegetariana e, em Belo Horizonte, esse número é um pouco maior, somando cerca de 9%. Sobre os veganos, caso de Ana, Eliana e Ramina, não existem estatísticas precisas, mas é só olhar ao redor para perceber que a criação de marcas e estabelecimentos que oferecem produtos sem derivados animais na cidade está crescendo e muito.
Em um país em que, a cada cem famílias, 44 criam cachorros e 36 têm crianças, como revelam dados do IBGE, não é de se espantar que a indústria de produtos para animais também venha acompanhando a tendência verde. Rações e petiscos sem carne e roupinhas e brinquedos sem derivados animais são algumas das novidades de um setor que cresceu 10% no ano passado, colocando o Brasil em segundo lugar no ranking deste mercado, atrás apenas dos Estados Unidos, conforme números da Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Domésticos.
Com os números, crescem também as controvérsias com relação às vantagens e aos riscos de privar cães e gatos – naturalmente carnívoros – do consumo de carne e demais derivados animais. O que é parte de uma discussão muito maior, comentada aqui por tutores e especialistas, sobre até onde é possível estender dietas, crenças e modos de vida aos animais.
Coerência
Eliana parou de comer e utilizar qualquer produto com derivados animais, aqui também incluso roupas, acessórios e cosméticos, há 15 anos. Como seu interesse no modo de vida vegano era não financiar qualquer indústria que explorasse o sofrimento animal para o consumo humano e a geração de lucro, a blogueira considerava incoerente da sua parte alimentar seus animais domésticos com as tradicionais rações industrializadas, afinal, muitas delas, além de conservantes, corantes e saborizantes, contêm partes variadas de animais.
“Quando me tornei vegana e tive acesso a informações de que existia uma ração vegetariana para cães em lojas de Belo Horizonte, perguntei a dois veterinários renomados sobre essa ração. Como eles disseram que era uma ração super premium suplementada e atendia as necessidades nutricionais, decidi que passaria a comprá-la para os cachorros”, conta Eliana, lembrando que, além da carne, a ração não contém leite e ovos, mas ainda é alvo de discussão sobre a origem da vitamina D, supostamente retirada da lã de ovelhas.
Por isso, ela usa o “vegetariana” e não “vegana”, até porque, como se sabe, este termo engloba fatores que ultrapassam a dieta. No exterior, já existem rações inteiramente veganas para cães e gatos, mas ainda não estão disponíveis no mercado nacional.
Cada um é cada um
A flexibilidade para se adaptar a dietas diferentes própria aos cães, que são originalmente carnívoros, muito se deve ao aspecto onívoro (aquele que come de tudo) desenvolvido ao longo de sua domesticação pelo homem. No entanto, segundo Bruno Divino, presidente da Associação Nacional de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais (Anclivepa-MG) e professor do curso de veterinária do Uni-BH, há mais fatores em jogo. Para ele, nenhum alimento deve ser oferecido sem se considerar aspectos físicos e fisiológicos.
“Cada raça tem suas necessidades energéticas específicas. Também mudam as necessidades se for macho ou fêmea, adulto ou filhote. Então, é importante procurar um veterinário, nutricionista ou zootecnista que faça uma formulação balanceada para cada caso”, adverte Divino. Pelo sem brilho, quebradiço, pele seca, com crostas são alguns dos sintomas de uma subnutrição ou desnutrição, que, diminuindo a imunidade do animal, pode causar doenças gástricas, metabólicas, além de infecções urinárias e na pele, dentre outras.
Além do mais, o veterinário chama a atenção sobre as consequências que uma dieta nada carnívora pode acarretar. “A partir do momento que você opta por ingredientes vegetais, para atingir os requisitos nutricionais talvez seja necessário aumentar o volume de comida, e, se o animal comer mais, o volume de fezes aumenta, alterando aspectos como consistência e odor”.
A terapeuta Ramina sabe bem disso. Adepta de uma filosofia que crê na conexão especial entre homens e animais, ela alimenta o boxer Bidu com dieta livre de carne desde que ele nasceu e está sempre atenta aos sinais de seu corpo. “Hoje, com 8 anos, é um cão saudável, com hálito normal, com fezes normais e muito bem-humorado”.
Mas, como cada um é cada um, da mesma forma com o ser humano não se adapta a determinados alimentos, os animais também têm suas restrições. “Não é só porque é uma ração é vegetariana que ela é boa. Ela tem que ter boa digestibilidade, tem que agradar o paladar do animal, além de, às vezes, ser necessário suplementação de alguns nutrientes”, comenta a veterinária Júnia Menezes, do Hospital Veterinário da UFMG. Respeitar as singularidades de cada animal e buscar acompanhamento profissional é sempre uma boa dica.
Questão felina é polêmica
Além da bulldog francesa Meggie, da mestiça Pituca e do Chico, a tatuadora Ana Mendes já pensou em criar um gato, mas descartou a ideia quando se inteirou sobre a necessidade da dieta carnívora dos bichanos. “Sou louca por animais, mas quando resolvi ter um bicho, sabia que não ia me sentir bem em, sendo vegana, ter que comprar uma ração ou oferecer uma comida com derivados animais. Então, pra mim, gato não tinha como”, relata ela.
De acordo com Myrian Kátia Iser Teixeira, presidente da Academia Brasileira de Clínicos de Felinos (ABFel), os gatos domésticos, cujas origens remetem a uma espécie caçadora nata, são carnívoros obrigatórios e merecem atenção especial à sua dieta. “O trato digestivo do gato está mais apto a digerir e absorver proteínas de origem animal. Essas proteínas possuem maior digestibilidade que as de origem vegetal, sendo, então, mais indicadas na alimentação dos felinos”, comenta a veterinária. Como exemplo, ela cita a taurina, um aminoácido essencial para os bichanos, encontrada apenas em derivados animais. Sua deficiência pode desencadear problemas como cegueira por degeneração retiniana, distúrbios reprodutivos e até doenças do coração.
No entanto, o assunto ainda é muito controverso entre os especialistas. O veterinário Walter Araújo, diretor do Colégio Brasileiro de Nutrição Animal (CBNA), é um dos porta-vozes da defesa do vegetarianismo entre os gatos, considerando que sua longa relação com o ser humano também proporcionou uma alimentação mais flexível, posicionando os bichanos próximos aos onívoros.
Para suprir as necessidades nutritivas, segundo ele, existem suplementos que oferecem versões sintéticas. Defesa por vezes rebatida com argumento de que nutrientes não podem ser pensados sem os ingredientes.
Ao estilo “feito em casa”
A geladeira da Ana Cláudia Freitas, 36, sempre foi recheada de alimentos orgânicos. Quanto mais ela e sua família estiverem longe dos agrotóxicos e dos produtos industrializados, melhor. A psicóloga até organizou uma mini-hortinha nos poucos espaços livres que uma vida em apartamento permite e de lá retira os temperos para a comida que prepara para si e também para Raul, seu cachorro doméstico. “Ser saudável não combina com veneno, agride a nossa natureza. Não condiz com a minha ideologia de vida”, comenta.
Assim Ana chegou à alimentação natural para animais. Buscando amenizar um problema renal com o qual seu boxer, de 6 anos, convivia desde muito tempo, ela viu na “comida de verdade” uma forma de oferecer uma dieta mais adequada às necessidades do seu peludo, sem conservantes, corantes, acidulantes, e então fugir de vez das industrializadas rações. Hoje Raul come praticamente tudo, de grão de bico e lentilha a fígado.
Antes negligenciada, e até criticada, por grande parte dos veterinários brasileiros, a alimentação natural vem se popularizando e se transformando não só em alternativa para os adeptos de estilos de vida mais naturais, mas também para quem procura soluções para demandas específicas de saúde, como infecções urinárias, cálculo renal e alergias.
A veterinária Sylvia Angélico, uma das principais referências em alimentação natural no país e autora do site “Cachorro Verde”, por exemplo, acompanhou o desaparecimento da otite de Maya, uma dachshund pelo longo, depois de passar a consumir a dieta crua com ossos.
Embora não existam dados precisos, só o grupo “Alimentação Natural para Pets – Brasil”, no Facebook, já conta com mais de 14,5 mil membros, adesão que, para Sylvia, é mais um demérito das rações oferecidas do que a alimentação natural em si. “Muitas das rações oferecidas no mercado têm uma quantidade altíssima de calorias, são feitas de subprodutos de grãos e aditivos que podem ter componentes alergênicos”, destaca.
Dedicação
Capuccino, um shih tzu de quase 3 anos, por exemplo, não se acostumava de jeito nenhum com a ração. “Tínhamos que fazer mil e um malabarismos, chegamos num ponto em que fingimos comer a ração para ver se ele ficava com medo de não sobrar pra ele comer. Quando a situação ficou ridícula assim, bati o martelo: ele ia comer comida”, conta Anna Carolina Aguiar.
A assessora de comunicação passou, então, a oferecer a “Tino” uma dieta cozida à base de carnes, vísceras, legumes e carboidrato, que não só atiçou o paladar do cão quanto ajudou a tratar uma sarna demodécica que havia aparecido em seu corpo.
Mas nada é tão simples quanto parece. Tanto Anna Carolina quanto Ana Cláudia precisaram mudar rotinas para incluir a compra dos ingredientes e o preparo. “Faço a comida de 15 em 15 dias e congelo as porções diárias. Todo dia, quando vou servir a comida dele, desço a comida do congelador para a geladeira, pra descongelar para o outro dia. As viagens devem ser melhor planejadas, é preciso sempre ter uma geladeira por perto”, conta a assessora.
Além do mais, o veterinário Arthur Vasconcelos, do Hospital Veterinário da UFMG, alerta para a necessidade de redobrar a atenção com o que o bicho está ingerindo, já que não se trata de encher um pote de ração e nem oferecer o resto da comida do almoço. “Uma dieta natural pode se desbalancear facilmente e quando contém ossos, por exemplo, pode até causar obstrução do animal. Por isso, é necessário que o tutor seja responsável e esteja sempre orientado por um veterinário. Sempre digo às pessoas que é necessário respeitar a natureza do animal”.
Para todos os tipos e gostos
Três tipos de dietas são as mais comuns entre os adeptos da alimentação natural para animais no país: a crua com ossos, a crua sem ossos e a cozida, todas com versões para cães e para gatos. Considerada a mais “selvagem”, a primeira opção possui baixíssimo índice glicêmico, é rica em cálcio, possibilita a produção de fezes secas e sem cheiro, além de ser mais prática por conta dos alimentos crus. No entanto, ela exige certa rusticidade do animal, que ele esteja bem de saúde e que seja capaz de mastigar os ossos. Para aqueles animais que não gostam ou não podem mastigar os ossos, a dieta crua sem ossos é uma boa pedida, mas necessita adição de cálcio. Já a dieta cozida, embora dê mais trabalho ao tutor por conta do preparo, é considerada a curinga, pois não impõe tantas exigências aos aspectos físicos e fisiológicos do animal.
Fonte: O Tempo

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