Por Heron José de Santana, Luciano Rocha Santana e Tagore Trajano
A expressão vegetarianismo somente se tornou mundialmente conhecida após a criação da Sociedade Vegetariana da Inglaterra em 1847. Derivada do latim begetus, ela na verdade tem o sentido de “forte”, “vigoroso”, “saudável”, e não de “vegetal”, como muitos pensam. De fato, o vegetarianismo, via de regra, permite o consumo de ovos e leite, embora hoje em dia esteja mais em voga a filosofia vegan, que, mais próxima da teoria do abolicionismo animal, recusa o consumo de todo e qualquer produto obtido com o sofrimento dos animais.
Muitos filósofos gregos como Pitágoras, Empédocles, Plutarco, Platão, Plotino e Porfírio já defendiam o vegetarianismo, embora o vitalismo aristotélico tenha prevalecido na formação da tradição filosófica e religiosa ocidental. Plutarco, por exemplo, denunciava que ao mesmo tempo em que os homens acusam as serpentes e os leões de selvageria, ele é capaz de matar e devorar animais mansos e pacíficos, que a natureza parece ter criado apenas para que possamos admirar sua graça e beleza. Para ele a compaixão pelos animais é um importante treino para a responsabilidade social, pois tudo o que fazemos aos animais nós também podemos fazer aos nossos semelhantes. Vários estudos revelam que a maioria dos criminosos violentos têm históricos de violência contra animais.
Rousseau foi um dos primeiros a afirmar que o homem é naturalmente vegetariano, pois tem dentes chatos como o cavalo e não pontudos como o cachorro, e que além disso, sendo a caça o principal motivo de luta entre os carnívoros, os animais frugívoros tendem a ser mais pacíficos.
Embora o vegetarianismo tenha entrado em declínio na era moderna, a partir dos anos 70 ele reapareceu, com fundamento em quatro linhas de argumentação: o primeiro é o argumento ecológico, uma vez que a pecuária é uma das principais fontes de poluição do meio ambiente e responsável pelo desmatamento de quase um quarto da área terrestre do planeta. No Brasil, por exemplo, onde o gado é criado em pastos, este quadro se torna ainda mais dramático, e já se constitui em uma das principais causas da destruição da mata atlântica e da Amazônia, duas das principais reservas de biodiversidade do mundo. Além disso, o índice de poluição dos mananciais hídricos por fezes e carcaças de animais mortos para o consumo humano é elevadíssimo, o que faz aumentar ainda mais a escassez de água no mundo.
O segundo argumento é econômico, pois o custo/ benefício para a população seria muito grande se ela adotasse uma dieta vegetariana, já que os rebanhos consomem uma quantidade de alimentos bem maior do que a população humana. Na verdade, um terço dos grãos produzidos no mundo são destinados para alimentação do gado, quando poderiam ser utilizados diretamente para a alimentação das pessoas. A taxa média de cereais empregados na alimentação do gado, por exemplo, é de 3 kg para produzir 450 g de alimento aproveitável e a produção de 0,5 kg de carne normalmente consome cerca de 9.500 litros de água. (Lappé, 1985;p.88).
O terceiro argumento é de saúde pública, e uma grande parte dos profissionais de saúde já concorda que o homem pode viver muito bem sem o consumo de carne, e que isto só traria conseqüências positivas para ele. O Banco Mundial, por exemplo, tem se recusado a financiar projetos econômicos de gado de corte ao redor do mundo, pois seus técnicos chegaram à conclusão de que esta atividade tem empobrecido o planeta e aumentando a fome dos países pobres. Por outro lado, grande parte do orçamento público é gasto para o tratamento de doenças como câncer, obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares, que normalmente são originadas ou agravadas pelo consumo excessivo de carne. Diversas pesquisas já demonstraram que as populações que adotam uma dieta vegetariana possuem uma maior longevidade e necessitam de menos cuidados médicos, de modo que o vegetarianismo já se apresenta como uma das principais vertentes da medicina preventiva (Patrícia Bertron; p.32).
O quarto argumento é de caráter político, e tem se tornado cada vez mais divulgado através das obras de filósofos como Henry Salt, Peter Singer, Tom Regan, que entendem que a adoção de uma dieta vegetariana é um importante instrumento político na luta pelos direitos dos animais.
De fato, as pessoas devem mudar suas crenças antes de mudar seus hábitos, embora um processo como esse exija muitos esforços de ordem educacional e política visando promover mudanças nos corações e mentes, preparando assim a opinião pública para uma mudança social que venha pôr fim a todo tipo de exploração institucionalizada dos animais. Como afirmou Peter Singer (2000:183): “Os que lucram com a exploração de grande número de animais não precisam de nossa aprovação, eles precisam de nosso dinheiro. Eles utilizarão métodos intensivos, desde que consigam vender o que produzem mediante a utilização desses métodos; e terão os recursos necessários para combater reformas no campo político; e poderão defender-se contra as críticas, respondendo que simplesmente oferecem o que o público quer.”
A indústria de criação intensiva de animais nada mais é do que a junção da tecnologia industrial à idéia de que os animais são meros instrumentos para os fins pretendidos pelo homem, e enquanto estivermos dispostos a adquirir produtos provenientes desse tipo de exploração, a norma constitucional que proíbe a prática de atividades que submetam os animais à crueldade não passará de um simples pedaço de papel impresso, sem qualquer eficácia social ou jurídica.
HERON SANTANA – Doutor em Direito pela UFPE. Professor Adjunto da UFBA – Promotor de Justiça do Meio Ambiente em Salvador. Presidente do Instituto Abolicionista animal. [email protected]