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O veganismo adaptado à direita e a limitação de seus efeitos para o fim da exploração animal

31 de agosto de 2015
9 min. de leitura
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Ultimamente tem ficado cada vez mais evidente que há uma divisão político-ideológica no veganismo. De um lado, tem-se desenhado um vegano-abolicionismo assumidamente de esquerda, aliado fiel dos anticapitalistas, da agroecologia e permacultura, do ambientalismo, dos movimentos de minorias políticas, dos trabalhadores urbanos e rurais etc. Do outro, como reação ao aparecimento dessa esquerda vegana, tem surgido um veganismo sociopoliticamente conservador e/ou neoliberal, adaptado às crenças de vegans de direita e cujos efeitos potenciais para a desejada abolição da exploração animal são muito limitados. Este artigo descreve como se desenha esse veganismo “sob medida” para a direita e por que ele é tão fraco, quando não totalmente inócuo, para os animais não humanos.
Como é esse veganismo adaptado à direita
O veganismo “virado à direita” realça que sua atenção ética é apenas para os animais não humanos. Defende apenas os Direitos Animais e nega a sincronia entre estes e os Direitos Humanos ou o ambientalismo. Traz uma definição praticamente estática e “purista” de veganismo – segundo alguns dizem, escorada no conceito clássico dado pela Vegan Society.
Não aceita o esforço de vegano-abolicionistas de esquerda de iniciar a expansão do alcance da ética vegana aos seres humanos e ao meio ambiente ou ao menos o diálogo entre o veganismo, o humanismo secular e o ambientalismo. Afirma que as outras bandeiras de luta são totalmente exteriores, ou mesmo estranhas, ao veganismo. Acredita numa rígida fronteirização de conceitos e práticas entre Direitos Animais, Direitos Humanos, movimento trabalhista, ambientalismo, agroecologia/permacultura etc. e nega a permeabilidade das fronteiras dessas causas.
Essa atitude perante bandeiras humanas e ambientalistas não fica só no “confinamento” rígido. Reflete-se na pouca ou ausente solidariedade do seu veganismo perante as outras bandeiras de luta. É como se fosse essencial os vegans preocuparem-se apenas ou sobretudo com a exploração animal, deixando as demais causas para outras pessoas defenderem, dando no máximo um gesto de “joinha” para o meio ambiente e a humanidade ou mesmo opondo-se aos outros movimentos.
Com isso, traz uma incoerência no seu discurso de respeito à ética animal. Nega ou mesmo rejeita a aplicação dos princípios abolicionistas – oposição à objetificação e exploração de sujeitos de direito vulneráveis, ética baseada na empatia, questionamento da moral excludente vigente, reconhecimento de que todos os pacientes morais merecem direitos fundamentais etc. – para os animais humanos.
Isso se reflete nas manifestações preconceituosas, excludentes e às vezes carregadas de ódio vindas de vegans de direita. Misantropia, xenofobia, racismo velado ou explícito, machismo e misoginia, heterossexismo, transfobia, elitismo, intolerância religiosa, aversão aos Direitos Humanos, etnocentrismo convicto etc. não são nada raros no meio vegano-direitista.
Esse mesmo veganismo “de direita”, aliás, tem sua própria subdivisão. Duas categorias figuram como as principais, senão as únicas:
a) o veganismo de não agressão, conservador, que consiste na rejeição do indivíduo de participar do sistema moral-cultural e econômico de exploração de animais não humanos, não investindo, porém, no enfrentamento desse sistema. Acredita que a atitude não agressora de cada vez mais indivíduos é o bastante para diminuir o número de não vegans e, a longo prazo, pôr um fim à exploração animal;
b) veganismo abolicionista liberal, que se opõe à cultura de escravidão animal e deseja seu fim. Promove conscientização para não vegans, milita pela abolição do uso de animais não humanos como objetos ou escravos e cogita criar partidos políticos que representem a causa vegano-abolicionista. Mas reluta em transformar o abolicionismo numa bandeira libertária revolucionária e promover o enfrentamento direto dos setores econômicos envolvidos e interessados na escravidão animal, e hesita em selar alianças solidárias com movimentos de bandeiras humanistas.
Ambas as subcategorias do veganismo adaptado à direita consideram o capitalismo um fértil campo de ação, por meio do qual a multiplicação de empresas veganas e o consumo consciente e boicotador seriam capazes de tornar a exploração animal algo desinteressante e indesejável para o capital.
Não fazem associações entre princípios da moral capitalista – como a prevalência do interesse lucrativo e não altruísta sobre a convicção ética, a transformação do ser vivo senciente (animal humano trabalhador, animal não humano “fornecedor” de matéria-prima) em servo de um empresário explorador e a força da ideologia hegemônica e da propaganda – e a exploração animal.
Também não percebem as íntimas semelhanças e alianças entre as explorações de animais não humana e humanos e do meio ambiente. Muitos vegans de direita, ao mesmo tempo em que se engajam no boicote a tudo aquilo que tenha um mínimo de ingredientes de origem animal, não se importam, por exemplo, em comprar produtos fabricados por empresas negativamente conhecidas por se beneficiar de trabalho escravo ou semiescravo e/ou de devastadores crimes ambientais.
Há casos, para se dar um exemplo pontual, de pessoas dizendo que comeriam na McDonald’s caso a famigerada corporação lançasse uma opção vegana suficientemente saborosa. Ignoram os fatos de que a imagem institucional dessa empresa vive um eterno incêndio por conta das denúncias de superexploração trabalhista e periculosidade de seus hambúrgueres à saúde humana e de sua tradição carnista – de promover o consumo de sanduíches de carne como uma das “melhores” maneiras possíveis de confraternizar com família e amigos e mesclar alimentação com diversão.
As contradições e incompatibilidades entre o veganismo e o seguimento de ideologias de direita são minimizadas pelos vegans liberal-conservadores por meio dessa segmentação rígida e segregacional de bandeiras de justiça e da dicotomização entre elas – pela qual seria possível lutar pelos animais e virar as costas completamente para as causas humanas, ou mesmo opor-se a elas.
É graças a essa separação entre libertação animal e libertação humana e ambiental que se torna possível, na mentalidade de vegans de direita, acreditar numa realidade na qual os animais não humanos são deixados em paz e têm amplos direitos reconhecidos e integralmente respeitados enquanto incontáveis seres humanos continuam sendo tratados como lixo.
Nessa imaginada situação, trabalhadores continuam sendo explorados e maltratados pelas empresas que os empregam, governos conservadores revogam um direito atrás do outro das minorias políticas humanas, os crimes de ódio baseados em violência psicológica ou física se multiplicam impunemente, movimentos de libertação humana são cruelmente reprimidos pela polícia e/ou pelo exército nas ruas e laboratórios universitários torturam prisioneiros humanos condenados por homicídio ou sequestro em violentas pesquisas científicas.
Mas não contam com o fato de que a libertação animal é simplesmente inviável, para não dizer impossível, em tal realidade de separação de bandeiras e negação de direitos a seres humanos.
Por que veganismo adaptado à direita é veganismo reduzido à impotência

Há muitas razões para que o veganismo “de direita” permaneça incapaz de conseguir vitórias históricas, que transcendam as conquistas locais e pontuais. Esses mesmos motivos fazem dessa corrente vegana algo que reflete muito menos uma convicção racional de ética e justiça do que um estilo de vida justificado pela pena, pela misericórdia emocional por animais, pelo desejo do indivíduo de nunca mais ver animais sendo torturados.
Em primeiro lugar, ele traz o paradoxo de, ao mesmo tempo, defender direitos e libertação para alguns e venerar ideologias que ignoram, consentem ou mesmo defendem a exclusão moral e servidão de outros, como o neoliberalismo, o conservadorismo, o fundamentalismo religioso (ou antiteísta) e alguns valores fascistas.
Falha em justificar por que animais não humanos merecem respeito e muitos seres humanos inocentes (de minorias políticas) não o merecem. E aceita a prevalência de valores completamente inversos ao veganismo abolicionista, como a hierarquização moral da sociedade, o prestígio cultural à violência e à dominação, a legitimação de muitas formas de opressão, o ódio a quem luta pela derrubada de um sistema opressor, o individualismo exacerbado em detrimento à solidariedade etc.
Além disso, ao rejeitar questionar esses mesmos valores e lhes ignorar a associação com o especismo, o veganismo adaptado à direita perde todas as condições de problematizar a exploração animal. E ao declarar o não apoio às bandeiras humanas, fecha-se ao recebimento de solidariedade, suporte e aliança vindos dos movimentos sociais humanos e ambientais.
Em associação a essa neutralidade ou mesmo hostilidade a causas de libertação humana, há também a sobrevalorização de um estilo de vida vegano regado a pratos alimentícios de preço irrazoável. Não é difícil perceber que o veganismo de muitas pessoas se importa mais com o consumo de tofurkey, shitake, lingüiça vegana cara e pratos gourmet e a ida a restaurantes e lanchonetes do que com a própria exploração animal.
Esse tipo de veganismo baseado em hábito de consumo dispendioso costuma também virar as costas para os trabalhadores pobres. Reluta em pensar um vegano-abolicionismo que seja adaptado à vida ocupada e cheia de privações dessas pessoas e dialogue com as demandas socioambientais que elas tenham. Pouco faz para lhes dar orientações – leia-se conscientização ética e receitas veganas feitas exclusivamente com ingredientes baratos e acessíveis. E às vezes, no caso dos vegans elitistas, traz como agravante uma postura pessoal de discriminação e esnobismo contra quem tem baixa renda e trabalhos subalternos.
Por isso, acaba-se compartilhando aquele estigma do veganismo como um “movimento coxinha da classe média e da elite”, que se isola dos movimentos socioambientais e vira as costas para a população mais pobre. Daí é óbvio de se esperar que a esquerda, representada por esses movimentos, desconheça a importância e urgência de defender os Direitos Animais e às vezes aja ela mesma de forma reacionária e opositora contra as demandas dos animais não humanos.
E uma outra limitação não menos relevante é que, quando vegans de direita divulgam o veganismo mais como um estilo de vida do que como um movimento social (abolicionista) semelhante aos de libertação humana, sua causa esbarra nos limites do boicote enquanto meio isolado de defender uma causa. Fatores como a possibilidade da empresa boicotada de substituir a clientela suprimida pelos boicotadores e a impossibilidade de se evitar consumir produtos como remédios e combustíveis impedem que o veganismo passivo, baseado apenas em hábitos individuais, seja bem-sucedido em minar e derrubar o sistema de exploração animal.
Esses motivos deixam muito claro que, quando um vegan assume posições político-ideológicas de direita, sejam quais forem, elas engessam, imobilizam, limitam e desempoderam o veganismo dele. Não é tão difícil, quando lemos os porquês, concluir como vegano-abolicionismo e direita política são praticamente incompatíveis.
Por isso, faz-se necessário mostrar que o veganismo não deveria ser considerado o ponto máximo de uma evolução ética individual. Há outros passos além da conclusão da veganização, sendo eles a adesão ao abolicionismo militante e a aliança com movimentos sociais emancipatórios. Isso quando a pessoa não adota libertação animal e libertação humana como bandeiras de iguais peso e importância em sua convicção política.

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