Por Ricardo Parra (da Redação)
Ouvia um clássico norte-americano de Cole Porter, no qual um verso em inglês diz: “I’ve got you under my skin”, que poderíamos traduzir como “eu estou impregnado de você”. Claro que se traduzíssemos literalmente seria “eu tenho você sob a pele”. Na canção está explícito o sentimento de total ocupação do corpo e mente por este amor que se entranha sob a pele.
Ponhamos a nos imaginar o que seria se arrancassem nosso couro, dos pés à cabeça…
No que se refere aos animais, nós fazemos verdadeiras operações de guerra para lhes conseguir o couro, que desafortunadamente, aos olhos do Homo sapiens, são dotados de qualidades que abarcam beleza extrema à ‘ergonomia’ (porque a pele dos bichos tem também outras funções). O mimetismo dos camaleões mostra do que o réptil é capaz de fazer.
Estética. E, por ela, arranca-se o couro de jacarés, arminhos, chinchilas, rãs (os anfíbios são os vertebrados mais ameaçados pela extinção), pirarucus, cobras, raposas, leopardos, martas e muitos mais. Sem esquecer as penas usadas em fantasias e em desfiles no Anhembi e no Brasil todo (para estes, avestruzes estão aqui para deixar mulatas, passistas e destaques mais belos).
Fico me perguntando o porquê. Quanto mais eu analiso, mais distante fico da compreensão.
Aqui, eu faço um adendo. Esta questão envolve o que o ser humano tem de pior: a vaidade pela estética neste sistema inventado por nós (de difícil conserto, mas, como sou otimista, não quero pensar que estamos todos caminhando mesmo para o abismo, acho que ainda é possível dar um jeito nas coisas aqui).
Pela beleza e tortos caprichos sabemos que muitas espécies foram extintas apenas para cobrir corpos humanos vivos. Humanos que já vivem os tempos modernos – o dos tecidos sintéticos – e que, por este motivo, não têm razão embasada na necessidade daquela existida séculos e séculos atrás: de se cobrir para proteção de inimigos naturais e do frio.
Vale é a vaidade humana que faz pensar por que os bichos são lindos e que, sendo assim, devem nos embelezar (discutível). Uma vez que estão aqui para nos servir como “raça superior” que somos e dominadora de todos, a espécie racional.
E os bichos que morram, não importando, inclusive, o modo como se faz para escalpelar os nossos companheiros de existência neste pedaço mínimo do Sistema Solar. Lembro-me bem de um filme-documentário que vi na TV quando tinha meus 20 anos (é, faz tempo…) cujas cenas mostravam uma matança de bebês focas feita a pauladas em um lugar remoto do Canadá. É isto: separava-se a mãe do filhote e, logrado o intento, este era assassinado com pancadas na cabeça para não deixar marcas pelo corpo. Reparem que, além da crueldade, há a preocupação – mais uma vez – com a estética… Da matança que nada mais significa que lucro. O dinheiro prevalece brutalizando-nos.
Em frente à tela quedei-me paralisado sem entender por que faziam aquilo com as pequenas focas de pelo amarelado. Esvaí-me em dó e tive aversão mortal aos imbecis que batiam neles. Mais tarde fui aprender que estes homens apenas fazem parte de toda uma cadeia produtiva, toda ela culpada. Eles não matam por eles, matam por outros. Claro que, em um sistema capitalista para uma parcela privilegiada, alguém tem que fazer o trabalho sujo e com certeza as ricas damas da sociedade, estilistas e as lindas modelos que desfilam na “catwalk” é que não sujariam as delicadas mãos. Querem de fato vestir o produto do morticínio.
Como é possível que a vaidade/status se sobreponham à vida de outros seres que povoam exatamente o mesmíssimo lugar? Mais do que uma sobreposição, ela é tornada uma interdição à vida.
Por vaidade? Para mim é de uma mesquinharia suja, localizada no limbo da alma humana. Os bichos não vivem para nos servir com exclusividade. E não deveriam/poderiam ser mortos porque são desta cor, têm tais listas, o pelo sedoso e farto… Ou coisa que o valha.
Outro ponto: ser belo pode custar vida e todo o código genético de uma espécie.
Não me surpreende que os homens e mulheres façam isto com os bichos. Sabem por quê? Ora, se nós humanos arrastamos outros humanos pelas ruas no asfalto quente, se jogamos crianças pelas janelas… Com os bichos prefiro mesmo não relatar atrocidades que li e ouvi por aí. Não porque me enoje tão somente, mas por sensação de impotência extremada pensando no que podemos fazer para parar este comércio podre e carcomido.
Em Londres, tempo atrás, ecologistas de plantão borrifavam spray em casacos de pele para que nunca mais fossem usados. À matança generalizada um pequeno protesto explicativo daquilo que pode ser feito: nunca mais aqueles escalpos seriam usados. Sou contra qualquer violência… Entretanto, borrifar tinta é uma pequena revanche contra o sistema e não mata ninguém.